A assinatura de um acordo que tornou a prefeitura de Curitiba responsável pelo recebimento de animais silvestres em situações de risco deixou ainda mais vagas as respostas sobre o que fazer para capturar um bicho encontrado nessas condições vagando pela capital. Antes do contrato, firmado em dezembro, os animais eram recebidos pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). Agora, com o novo acordo, a autarquia estadual se afasta de vez de todo o processo de resgate e atendimento à fauna silvestre cuja demanda parte da população curitibana e coloca as capturas sob encargo total dos moradores, que podem escolher entre fazer o serviço sozinhos - correndo o risco de serem punidos pela Lei de Crimes Ambientais - ou pagar um profissional especializado pela tarefa - serviço altamente burocrático e praticamente inexistente na capital.
O acordo firmado entre a prefeitura e o IAP definiu que animais silvestres encontrados machucados ou envolvidos em alguma situação de perigo - tanto para eles mesmo quanto para a população -, nos limites de Curitiba, devem ser encaminhados diretamente ao centro de acolhimento do Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) , ao lado do Museu de História Natural, no bairro Capão da Imbuia. A unidade começou a funcionar oficialmente no dia 22 de janeiro, mas antes disso já vinha prestando o serviço em forma de apoio ao governo estadual, principalmente nos fins de semana.
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No entanto, a mudança passou longe de contornar o problema que vem se arrastando há tempos na cidade: a quem, afinal, cabe capturar os animais silvestres que precisam ser recolhidos? A falta de respostas para a questão deu o que falar no ano passado após um bugio invadir um apartamento em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), e atacar um bebê de 1 ano e dez meses. À época, nem IAP nem Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) agiram de pronto e o animal continuou assustando moradores do condomínio por três semanas .
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente afirma que o contrato com o Instituto Ambiental do Paraná deixa de fora a tarefa de resgatar animais silvestres que estejam em situação de risco. O IAP, por sua vez, nega que seja o responsável pelas capturas - embora, o próprio Ibama afirme que o órgão tem sim autonomia para isso. Em nota, o IAP respondeu que, dependendo do animal, a pessoa mesmo é que pode fazer a tomada. “Em outros casos, pode entrar em contato com uma consultoria ambiental para que seja efetuada a captura”, acrescentou o órgão em nota.
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O que não é tão simples assim. Profissionais ouvidos pela reportagem ponderam que o recolhimento de animais silvestres sem autorização podem implicar o cidadão diante da Lei de Crimes Ambientais. Além disso, empresas ou profissionais especializados em retiradas de animais silvestres são raros na capital ou, se atuam, estão dentro de um mercado diferenciado voltado para ações de maior porte, como grandes obras, por exemplo.
“Os animais silvestres são protegidos por lei. Tem que ter autorização do órgão ambiental e a acredito que não existe empresa aqui em Curitiba que faça esse serviço”, explica o biólogo José Renato Dombroski .
Dono de uma empresa de consultoria ambiental na cidade, Dombroski já chegou a ser procurado recentemente pelo serviço: uma mulher que queria retirar alguns lagartos que estavam no parquinho dos filhos. “E é [uma tarefa] bem burocrática. Tem que fazer um plano de trabalho de como a captura vai ser feita, ele tem que ser assinado por um técnico e então levado ao órgão”, explica. Ele ressalta ainda que processos como esse podem demorar até um mês para ter a autorização liberada pelo IAP. “Se não tem autorização para transportar e eu caísse numa fiscalização, eles iam me pedir os documentos. E daí?”, questiona.
O diretor do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rogério Ribas Lange,também entende que é frágil jogar para a população a responsabilidade de capturar animais silvestres. “Hoje, se você recolher um animal silvestre atropelado silvestre na beira da estradas é ilícito. Tem que ter uma autorização de transporte”, reitera o professor.
Para ele, o impasse que deixa animais e moradores à mercê representa, na verdade, um momento de “dificuldade extrema” no que se refere aos trabalhos relacionados à fauna em todo o estado, algo que só poderia ser revertido com fortalecimento de quadro técnico e das próprias estruturas dos órgãos ambientais. “Um cidadão prestar socorro para um animal ferido na beira de estrada ou coisa assim é um ato de cidadania, mas por outro lado, através de normal legal, pode ser considerado um crime. O instituto que deveria assumir essa responsabilidade está anunciando que não vai fazer. E quem sai no prejuízo é a fauna”, afirma o professor.
Apesar de atribuir o resgate de animais silvestres como responsabilidade da população, o IAP confirma que é necessário autorização para o serviço. Nesses casos, afirma o próprio órgão, a licença pode ser expedida em até dois meses e valem para casos específicos, como pesquisa; monitoramento ou se os animais estiverem causando algum tipo de problema em propriedades particulares ou instituições de ensino.
A pasta detalhou ainda que, para autorização, exige “um projeto para a execução de resgate, captura e translocação, com detalhes sobre a metodologia e destinação”.
Acolhimento
A assinatura de convênio entre a prefeitura de Curitiba e o governo do estado permitiu que a gestão da fauna, antes essencialmente de competência do IAP, seja em partes divididas com a SMMA. Com essa mudança, a pasta da prefeitura passa a acolher os animais silvestres resgatados nos limites de Curitiba e anteder casos de ferimentos de baixa e média complexidade. “Não é um serviço de resgate. Recebe e estabiliza os animais, dando alojamento adequado pelo tempo que eles precisarem”, explicou o diretor de Pesquisa e Conservação da Fauna, Edson Evaristo.
O novo centro fica em um espaço anexo ao Museu de História Natural, no bairro Capão da Imbuia, e tem capacidade média para acolher ao mesmo tempo até cem animais de pequeno porte, como pássaros e répteis. Animais que precisam de exames mais detalhados ou de cirurgias, por exemplo, seguirão sob responsabilidade do IAP, já que a estrutura municipal não tem porte de hospital.
A longo prazo, a ideia da prefeitura é expandir a atuação do centro, mas, para isso, é preciso um longo estudo de demanda e de captação de recursos para ampliar a estrutura existente. “Existe um projeto para isso, mas nada certo, mas depende de várias avaliações de ter uma estrutura própria construída para isso”, afirma o diretor.
O serviço de entrega de animais silvestres ao lado do Museu de História Natural funciona todos os dias, das 9h às 12h, e das 13h30 às 16h.