A típica benzedeira curitibana tem mais de 70 anos, vive numa casinha simples e é devota. Muito devota. O trabalho de cura nunca está dissociado da fé e, se não há mediação dos santos, nada feito. A questão motivou até pesquisa acadêmica: “As Benzedeiras Tradicionais de Curitiba: identificação e análises”, do historiador Victor Augustus Graciotto Silva, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Silva levantou que, em 2009, 87 benzedeiras atuavam na capital paranaense.
Para mais ou para menos, hoje elas continuam espalhadas por diversos pontos da cidade. Uma delas é a Roseli Leocadia Rocha, 72 anos, ou “Tia Rose. Ela pede intercessão aos santos para curar pra asma, “peito aberto”, minguá, “rasgadura” e até verme. Quem já foi garante: funciona. Sem cobrar nada pelo “serviço”, a idosa faz parte de um grupo seleto que, de geração em geração, promove cura e alívio de doenças mediante uma só virtude: a fé.
Tia Rose tem essa missão há 18 anos. Em sua casa, localizada no bairro Água Verde, em Curitiba, não sabe ao certo quantas pessoas atende por dia. A idosa não cobra pelas rezas e afirma que seu papel é simplesmente interceder em favor de quem precisa. “Eu não curo ninguém. Quem faz é Deus. Eu só rezo pela pessoa e peço que Jesus e Nossa Senhora façam o serviço”, conta.
Segundo ela, a distensão muscular, ou “rasgadura”, é o problema que mais leva pessoas à sua porta. “Para curar é simples”, explica enquanto costura um trapinho de malha, elemento essencial da terapia. Ao aplicar os pontos no tecido, os versinhos vêm automaticamente: “carne rendida, ossos quebrados, nervo exposto, extorsão de osso. Nas mãos de nosso mestre Jesus e de nossa mãe Maria Santíssima, que nossa mãe venha trazer a cura e a bênção” (sic). Repetida três vezes, a reza promete curar até jogador de futebol profissional.
Mas afinal, qual a origem desse trabalho? Como explica Rose, a resposta está no que chama de “missão divina”, passada de geração em geração. “Minha sogra era benzedeira e ‘passou’ o ofício para mim. No começo, eu não sabia se conseguiria mas tive um sonho, no qual Deus confirmou que era mesmo minha missão”, revela.
Sem diploma nem formação acadêmica, a benzedeira é especialista em identificar as mazelas do corpo e da alma cuja cura, segundo explica, só pode ser viabilizada pelos santos. “Pessoa chega aqui e não precisa falar muito. Eu sei pelo que tenho que pedir porque sinto no meu coração”, conta. Para a vovozinha, a maior gratificação pelo trabalho não está no reconhecimento e muito menos no retorno financeiro, que não acontece, mas em saber o efeito que suas palavras surtem na cura das pessoas. “É maravilhoso saber que estou ajudando tantas pessoas a alcançarem o alívio das dores e a proteção do mal”, diz Tia Rose.
“Nem sempre a ciência tem a solução pra tudo. Já ajudei a curar muita gente que não conseguiu nada com os médicos”, afirma outra benzedeira, Maria Nely Borges, 80 anos, que atende no bairro Cajuru. Depois de anos de “profissão” e conhecimento de causa suficiente, ela acredita que um dos principais problemas da sociedade hoje é a má alimentação. “Antigamente não tinha tanto veneno na comida. Hoje as pessoas consomem praticamente tudo com agrotóxicos e isso está acabando com todo mundo”, pondera.
Entre as especialidades da rezadeira, a cura para a “doença de minguá” ou “doença do macaco” foi uma para as quais mais se dedicou. “Era mais comum antigamente. Os bebezinhos chegavam aqui magrinhos, sem conseguir ganhar peso. Depois da bênção era só esperar e eles começavam a ficar mais gordinhos”, lembra.
Grata pelo retorno de carinho que recebe das pessoas que atende, ela se orgulha em afirmar que seu trabalho é reconhecido pelo padre da paróquia que frequenta, também no bairro Cajuru. “Ele autoriza que eu benza como forma de ajudar as pessoas aqui da região. Não recebo nada em troca por isso, só quando alguém traz algum presente como agradecimento”, afirma, ao apontar para uma máquina de costura sobre o móvel da sala.
Sobre a continuidade do ofício, as rezadeiras contam com a aptidão de filhos e netos para perpetuar o dom. No caso da Tia Rose, o encargo ficará com sua filha mais velha, Rosangela, que parece ter desenvolvido a mesma sensibilidade da mãe para identificar doenças. Já a vovó Nely lamenta não ter “para quem passar o dom”. “Minha única filha mulher já disse que não quer, então eu acho que o ciclo acaba em mim”, disse.
Cura
Mas, afinal, cura mesmo? A pergunta é polêmica. Afinal, o que explica o fato de tanta gente sair curada depois de se benzer? Mágica? Fé? Para o psicoterapeuta e coordenador da Comissão de Psicologia e Cultura do Conselho de Psicologia do Paraná (CRP/PR), Tônio Luna, a resposta está no próprio “paciente”. “Uma das maiores necessidades humanas é o pertencimento e a consciência de que existe alguém cuidando de nós. Nesse caso, só o fato da pessoa encontrar um indivíduo que o olha com atenção e cuidado numa situação de doença já ajuda a aliviar uma série de sintomas”, explica.
Ainda segundo Luna, o poder simbólico atrelado às benzedeiras guarda direta relação com o potencial de cura oferecido. “Basta que a pessoa acredite que a benzedeira realmente pode ajudar que isso vai surtir efeitos no organismo, como melhor oxigenação do cérebro e aumento da imunidade”, diz.
Outra resposta, ainda segundo o psicólogo, está na técnica utilizada por algumas benzedeiras, semelhante à hipnose. “A pessoa vai sair do estado de alerta e tirar o foco da dor. Isso traz efeitos fisiológicos imediatos”, pondera.
Por fim, o especialista recomenda aos adeptos cautela, principalmente quando os sintomas de algumas doenças ficam mais sérios. “Toda a forma de ajuda é válida mas é preciso ter o cuidado de saber quando é o momento de procurar um clínico para resolver o problema. Nada impede que se concilie o trabalho profissional com a das benzedeiras”, finaliza.
Milagreira do Povo
Considerada a benzedeira mais famosa de Curitiba, Maria Trevisan Tortato, ou “Maria Polenta”, vivia no bairro Água Verde onde, nas décadas de 30, 40 e 50, ganhou a fama de “curadora de ossos”. Italiana de família tradicional, Maria faleceu no 22 de abril de 1959, quando um cortejo de aproximadamente 5 quilômetros acompanhou o corpo até o cemitério do bairro, onde foi enterrada.
Devido à grande popularidade e ao trabalho social desenvolvido pela benzedeira ao longo dos anos, um busto foi erguido em homenagem a ela numa pracinha situada no cruzamento da Avenida República Argentina com a Avenida Presidente Getúlio Vargas, também no Água Verde.
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