O aumento da violência está fazendo com que cada vez mais policiais militares tenham de intervir em crimes que presenciam quando estão de folga. Desde o começo do ano, foram noticiados na imprensa mais de uma dezena de casos em que PMs de Curitiba e região metropolitana que não estavam a serviço flagraram ações criminosas e, à paisana, participaram de prisões, troca de tiros e perseguições.
O mais recente foi no domingo (24), véspera de Natal. O sargento Henry Lamy estava a caminho da ceia de com a família quando suspeitou de três homens dentro de um carro no bairro Butiatuvinha. O PM olhou para dentro do veículo, um Honda Civic roubado, e notou que havia armas com os suspeitos. De imediato, começou a persegui-los pelo Contorno Norte. Próximo à Avenida Manoel Ribas, o Honda Civic bateu em um poste, quando Lamy os abordou e os rendeu. Depois da ação, a Polícia Militar constatou que o veículo havia sido roubado no bairro Jardim Botânico e alguns objetos, como um notebook, pertenciam a uma família do bairro Butiatuvinha que havia acabado de ser assaltada.
Uma das principais ocorrências envolvendo policiais à paisana em 2017 evitou que um hipermercado fosse alvo de ladrões. No dia 7 de abril, exatamente no mesmo horário em que a cúpula das polícias Militar e Civil se reunia com o secretário de Segurança Pública, Wagner Mesquita, para tentar conter a onda de assaltos a shoppings e hipermercados de Curitiba, um policial que fazia compras barrou a ação de quatro jovens que deram voz de assalto a um mercado no bairro Boa Vista. No confronto com o PM de folga, um dos assaltantes morreu e outro acabou ferido.
Dez dias depois, outro integrante da Polícia Militar sem farda reagiu em uma situação inusitada: havia ido ao cinema com a namorada em um shopping no bairro Xaxim quando, ao ir ao banheiro, ouviu dois rapazes conversando do assalto que pretendiam executar a uma loja de celulares O policial abordou os dois ainda no banheiro, mas, antes enviou uma mensagem pelo Whatsapp à namorada pedindo que solicitasse apoio policial. A dupla foi imobilizada pelo PM de folga e encaminhada à delegacia por uma viatura do Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Em outro caso recente, na noite do dia 29 de novembro, um PM à paisana desconfiou de um veículo na Rua São Francisco, no Centro. Ao verificar a placa, confirmou que se tratava de um carro roubado um dia antes. Mas, ao perceber que estava sendo vigiado, o motorista fugiu e passou a ser perseguido pelo próprio policial em seu carro particular. A ação terminou com o apoio de uma equipe da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (Rone) que abordou o suspeito, um homem de 30 anos, que morreu no confronto com os policiais.
“Existe cada vez mais um aumento dessa ação dos policiais fora de serviço. Isso é uma constatação, é um fato”, confirma o tenente-coronel Luiz Marcelo Maziero, corregedor-geral da PM. Para Maziero, entretanto, o cenário mais violento é apenas um dos fatores que contribui para manter o policial em alerta praticamente 24 horas por dia.
Segundo o corregedor, a mudança de comportamento da sociedade, mais dependente da polícia para resolver pequenos problemas – como perturbação de sossego e brigas de trânsito – ajuda no aumento de intervenções feitas por PMs fora do expediente. A isso também se junta a nova dinâmica das mídias sociais, em especial os grupos de Whatsapp, que espalha informações de crimes de maneira quase instantânea e atinge, inevitavelmente, até mesmo os agentes que não estão na escala do dia.
“O policial está sempre inserido dentro da sua atividade de prestação de serviço. Ele vai criando uma expertise policial e sabe quando uma pessoa está numa atitude que, no nosso entendimento, é suspeita”, acrescenta o corregedor-geral, que também destaca o número insuficiente de policiais, principalmente em cidades menores, como outra justificativa que tira muitos agentes do descanso. “Há locais onde apenas um policial trabalha na comunidade. Às vezes, ele tem um enfrentamento e os policiais de folga é quem vão auxiliar aquele policial que já está na ocorrência”, explica.
Mérito
Correr atrás de criminosos em dia de folga não significa necessariamente acréscimo no salário no fim do mês, já que o policial tem o dever de intervir em qualquer ação criminosa que presencie, mesmo que não esteja na escala de trabalho e desde que haja condições de segurança, como no caso da possibilidade de civis se ferirem durante a abordagem.
No entanto, o reconhecimento da corporação aos agentes que impedem crimes nos momentos de folga pode vir de outras formas. A PM reconhece os casos com atuações bem-sucedidas, que podem resultar em valorização profissional, inclusive promoções. Foi o caso de um soldado do Bope que estava de folga em casa quando suspeitou de um assalto a uma loja vizinha. Ao ouvir o barulho dos assaltantes, o PM pediu para a esposa ligar para o 190 e passou a perseguir os ladrões com o próprio carro. O policial prendeu os criminosos e recuperou o dinheiro levado do estabelecimento. Como reconhecimento, o PM, lotado na Companhia de Operações com Cães do Bope, foi promovido a cabo.
Por outro lado, se o policial de folga estiver no foco de situações que exigem intervenção e não agir, mesmo se estiver de folga, terá de prestar esclarecimentos ao comando. E se as justificativas para não ter agido forem consideradas impróprias pelos superiores, o policial pode ser punido.
“Primeiro de tudo, o policial vai ter que avaliar as condições para intervir, para que não bote em risco a segurança dele mesmo e nem das outras pessoas que são o foco daquela da ação criminosa”, reforça o corregedor-geral. Foi exatamente o que fez em agosto um PM do Bope que dirigia seu próprio carro no bairro Alto da XV quando percebeu que a motorista do carro de trás era alvo de ladrões. Ele esperou a vítima se afastar da ação do crime para abordar o assaltante, que tentou fugir. Na troca de tiros, o suspeito morreu.
Embora a Polícia Militar não tenha repassado um levantamento sobre o número de mortes causadas em confrontos, a corporação afirma que todos os casos que resultam em óbitos, independentemente de terem sido provocados por PMs de folga ou durante expediente, são apurados conforme o código interno. “Os procedimentos são os mesmos. Todos os casos são apurados porque, querendo ou não, foram vítimas que foram alvejadas por um agente público”, garante Maziero.
Carga extra
Para a Associação de Praças da Polícia Militar do Paraná (Apra), entretanto, nem sempre o trabalho de um policial de folga é visto como heroísmo. A entidade defende que o crescimento de PMs tendo de atuar fora da escala de trabalho é resultado direto da falta de efetivo.
De acordo com o sargento Orélio Fontana Neto, presidente da Apra, o cenário não é nada promissor. Na opinião dele, as condições tendem a se agravar ainda mais com a aprovação do projeto que veta por três anos novos concursos para contratação de policiais militares. O pacote também prevê a compra de horas de folga dos PMs, algo que, segundo as entidades que representam a categoria, põe ainda mais em risco a qualidade da segurança.
“A gente observa que está tudo um caos. Até mesmo uma adequação na própria escala de serviço daria mais condições para o policial trabalhar, mas isso não vai acontecer”, afirma o sargento. “Toda essa falta de estrutura, essas condições precárias, acarreta no número de 60 mil mortes violentas por ano no país. É uma guerra do Iraque todo ano e nós estamos na frente disso”, completa.
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