O cobrador Alessandro Aparecido Lopes, 39 anos, sai de casa todos os dias com medo de nunca mais abraçar os dois filhos. Quando vê homens de capuz entrando na linha em que trabalha, as pernas tremem. E não é à toa. Com 12 anos de profissão, Lopes, que trabalha em linhas da Região Metropolitana de Curitiba, já ficou sob a mira de armas de assaltantes 76 vezes e levou dois golpes de facão na cabeça. Ele já perdeu as contas da quantidade de passageiros feridos.
É uma rotina estressante – que o levou a buscar tratamento psiquiátrico e que ele espera não acabar como a do companheiro de profissão Edmilton José de Melo 45 anos, motorista da linha Curitiba/Jardim Paulista, em Colombo, na RMC, assassinado em 23 de julho. Menos de um mês depois, em 6 de agosto, outro motorista foi vítima da violência: foi esfaqueado na cabeça durante um arrastão na linha Curitiba/Piraquara.
De prático para garantir a segurança dos motoristas e cobradores até agora houve somente o lançamento de uma campanha com cartazes para incentivar o registro de Boletins de Ocorrência. O que leva Lopes a ter uma certeza: de que ele e os companheiros de profissão estão nas mãos de Deus. “Eu saio de casa, mas nunca sei se vou voltar”, admite. “Eu sempre estou esperando o pior”, resume.
Confira a entrevista:
Dos assaltos que você sofreu no trabalho, qual foi o mais assustador?
O pior foi há oito meses, quando levei duas “facãozadas” na cabeça. Eu estava fazendo a linha Pinhais/Piraquara no horário noturno e o motorista percebeu que três rapazes iam nos assaltar, então passou reto pelo ponto. Só que eles pegaram o ônibus que vinha atrás, foram até o terminal e entraram no nosso ônibus no sentido contrário. Chegando na Vila Rosa, em Piraquara, deram voz de assalto, vieram na minha direção e me acertaram com dois golpes de facão.
Você chegou a reagir?
Não. Eu estava em pé, conversando com o motorista e na hora em que vi os caras pelo reflexo no para-brisa do ônibus, virei e eles já me deram a primeira “facãozada”. Não tive nem tempo de reagir e já apaguei ali mesmo.
O que aconteceu depois?
O motorista desviou o ônibus da rota para ir até Pinhais, ao lado do terminal, onde tem uma viatura do Corpo de Bombeiros. Aí me levaram para o Hospital Cajuru e eu acordei lá. Fiquei internado durante a madrugada e me deram 15 dias de atestado. Tenho as cicatrizes na cabeça até hoje porque levei sete pontos.
E os outros 75 assaltos?
Na maioria, os bandidos chegavam, pegavam dinheiro e saíam logo depois. Mas teve uma vez que encostaram a faca no pescoço do motorista e até riscou. Em outra, ele apanhou e, quando fui tentar ajudar, o cara enfiou a arma na minha cabeça e fez eu voltar pro meu lugar. Também já vi passageiro levar murro na cara porque não queria entregar o celular.
Quando você começou a contar os assaltos?
Eu sempre fui contando. Antes de trabalhar como cobrador, eu trabalhei na garagem de 2001 a 2004. Ali era tranquilo. Depois, quando comecei nos ônibus à noite, começou a conta dos assaltos. Está dando quase um assalto por mês, isso sem contar as tentativas. Esses dias, um cara entrou para nos assaltar com uma arma de plástico, eu fui pra cima dele, que correu. Esses eu não coloco nos 76 assaltos. Têm outros funcionários que já sofreram mais de 100 assaltos, mas ficam com medo de falar.
À noite é o horário mais perigoso?
Acho que todos os horários são perigosos porque o bandido não tem hora pra agir. Mas à noite e de madrugada o número de assaltos é sempre maior. É mais arriscado, com certeza.
Você trabalha com medo?
Eu já saio de casa com medo e, se eu paro em um ponto e vejo alguém de capuz, fico paralisado, minhas pernas tremem, sem saber o que vai acontecer, porque a maioria dos assaltantes entra no ônibus e coloca a touca na cabeça. Dá aquele calafrio. Fico com medo, meio perturbado, principalmente se a piazada fica te encarando. Eu sempre estou esperando o pior.
E como fica sua família?
Ficam preocupados. Antes, tínhamos que ligar para o 190 após os assaltos e os policiais entravam em contato com a nossa família, em casa, para confirmar a denúncia. Aí minha mulher e meus filhos ficavam preocupados. A gente fica com medo e a família também.
Você tem medo de não ver mais sua família?
É... Eu saio de casa, mas nunca sei se vou voltar. Temos que nos apegar a Deus, porque o resto não adianta.
Você já precisou de apoio psicológico por causa do estresse causado pela insegurança?
Sim. A empresa até queria me afastar há dois anos porque me dava desespero na hora de trabalhar. Eu entrava dentro do ônibus e começava a me dar tremedeira e vontade de chorar. Eu não tinha vontade de trabalhar. Só que acabei ficando pior em casa, então voltei e o sindicato falou para eu conversar com eles e ser atendido pelo psiquiatra. Tomei remédios para dormir por quase seis meses porque chegava em casa e só pegava no sono perto das 5 horas da madrugada, me debatendo na cama. Depois, tomei o remédio por mais um tempo porque vão acumulando todos os assaltos e chega um momento que você não aguenta mais e estoura. Foi o que aconteceu.
E hoje, como você está?
Hoje estou bem, mas trabalhar sossegado você nunca trabalha. Há duas semanas mesmo, uns piás tiveram uma discussão com o motorista e jogaram uma pedra no ônibus, que quebrou o vidro e acertou o meu banco. A sorte é que eu estava em pé. Se eu estivesse sentado no meu lugar, teria levado uma pedrada na cabeça.
Já chegou a reconhecer algum assaltante?
É difícil reconhecer porque o ônibus está sempre lotado, mas teve um dia que reconheci e falei para o motorista fechar as portas e sair porque os rapazes que estavam no ponto não eram estranhos. Mas o motorista ficou com medo de fechar a porta e deixou eles entrarem. Os caras assaltaram o ônibus logo depois. Já aconteceu também de a PM prender um assaltante que entrou no nosso ônibus, mas ele foi solto uma semana depois, pulou a catraca e voltou para tirar sarro da nossa cara.
Como é o atendimento da polícia em assaltos?
Eles falam que temos que permanecer no local, mas às vezes a gente fica quase uma hora esperando e eles não aparecem e, dependendo do lugar, é perigoso. Como você vai ficar parado? Não adianta. Eles não vêm. Já chegou a passar viatura perto de nós e, quando pedimos ajuda, falaram que tínhamos que ligar para o 190 pra eles atenderem.
Já pensou em mudar de emprego?
Já pensei várias vezes em fazer isso. Já até procurei, mas está difícil. Se eu conseguisse qualquer outro serviço que fosse mais seguro, eu já teria largado. Está chegando a um ponto em que entramos no ônibus e não sabemos o que vai acontecer. Tem horário da noite em que a gente nem para no ponto se tiver só dois rapazes de touca. E isso é geral. A classe inteira tem medo.
Você acredita que a instalação de câmeras de segurança nos ônibus e estações-tubo inibiriam os assaltos?
Acho que sim. Ia ajudar bastante, porque quando colocaram o sistema de cartão, que tem uma câmera pequena na parte de cima, a gente percebeu que diminuiu os assaltos. Os caras ficaram com medo, achando que eram câmeras de gravação. Só que elas só reconhecem os cartões de isentos. Também acho que as câmeras seriam uma prova para ajudar a localizar os marginais.
O pagamento da passagem com o cartão-transporte diminuiu o número de assaltos?
Esse sistema ajudou para a empresa porque entra menos dinheiro, então o prejuízo é menor no assalto. Só que os bandidos assaltam os passageiros. Já cansei de ver arrastão e levar celular de todo mundo, seja homem ou mulher. Não adianta as empresas pensarem somente nelas e não nos passageiros.
O que mais deveria ser feito para solucionar o problema de tanta violência?
É um problema de segurança pública. Precisamos de leis mais rígidas, principalmente em relação ao menor. Uma vez entraram dois meninos armados no nosso ônibus, umas 20h. Eles olharam na minha cara e disseram: “Não adianta você relar a mão em mim porque sou de menor. Se eu for preso agora, amanhã estou solto, volto aqui e te dou um tiro na cara”. Pra ver como está a situação. Eles tinham que prender e a Justiça não soltar depois. Outra vez, nós evitamos que um assaltante machucasse os passageiros com uma faca e, na delegacia, um policial disse para o marginal contratar um advogado porque tínhamos agredido ele. Nós somos marcados pelos bandidos e estamos vulneráveis à violência.
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