O governo do Paraná publicou no fim da tarde de sexta (22) uma nota orientativa que “estabelece as condições necessárias para que os municípios orientem shoppings, centros comerciais e galerias sobre o atendimento ao público”. Em síntese, é um documento que reforça medidas de distanciamento social e higiene para reduzir as chances de contágio por coronavírus no atendimento ao público de shoppings.
O texto não fala em nenhum momento sobre “liberação” ou “permissão de reabertura” desses estabelecimentos. Por um simples motivo: nunca (ou: apenas por um dia) os shoppings estiveram terminantemente proibidos de abrir no Paraná por força das medidas de isolamento.
Apesar da nota orientativa não tratar de autorização, sua publicação era a senha que os comerciantes esperavam para reabrir ao público anunciando a adoção de medidas de segurança e higiene que eles próprios já propunham há semanas. Tanto que, imediatamente após a publicação da nota, os principais shoppings de Curitiba anunciaram sua reabertura para a próxima semana. Era um movimento que vinha se ensaiando ao longo da semana.
A reabertura ou manutenção das portas fechadas dos shoppings, entretanto, desde o início do plano de enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Paraná sempre foi facultada aos próprios centros comerciais.
Às normas: O primeiro decreto do governo do Paraná sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública provocada pela pandemia, o 4230, data de 16 de março. Nele, o artigo 19 afirmava, textualmente, o seguinte: “A adoção das medidas previstas neste Decreto deverá ser considerada pela iniciativa privada em regime de colaboração no enfrentamento da emergência de saúde pública”.
Com o aumento das medidas de contenção da pandemia tomadas em vários estados brasileiros, o governo paranaense editou um novo decreto, o 4301, dia 19 de março, acrescentando ao artigo 19 do decreto 4230 a seguinte redação: “Parágrafo único. Além das medidas previstas neste Decreto, fica determinada, no âmbito do setor privado, a suspensão das seguintes atividades: I – shopping centers, galerias e estabelecimentos congêneres; II – academias ou centros de ginásticas”.
Foi quando, efetivamente, shoppings e academias estiveram proibidos de funcionar no Paraná.
Porém, no dia seguinte, 20 de março, um novo decreto, o 4311, modificou a redação do artigo 19. Desde aquele dia, o texto do decreto 4230 (o original), passou a afirmar em seu primeiro parágrafo: “Além das medidas previstas neste Decreto, deverá ser considerada a suspensão das seguintes atividades: I – shopping centers, galerias e centros comerciais; II – academias, centros de ginásticas e esportes em geral”.
É uma mudança que pode parecer sutil, mas que alterava completamente o entendimento da norma. Em um dia, o que era uma determinação passou a ser uma consideração. Que, a bem dizer, combinava mais com a primeira redação do tal artigo 19, que sempre falou em “regime de colaboração” do setor privado no enfrentamento da epidemia, nunca em efetivas sanções a quem resolvesse manter as portas abertas.
De fato, tanto o governador Carlos Massa Ratinho Junior quanto secretários do governo sempre ressaltaram em declarações públicas que tudo que o Paraná fez em seus decretos relativos às restrições obrigadas pelas medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus foi descrever o que eram atividades essenciais da economia. A decisão sobre fechamento de determinados segmentos do comércio deveria caber aos municípios.
Mas a regulamentação de Curitiba, então, alguma vez determinou o fechamento dos shoppings?
O decreto 470 da prefeitura de Curitiba, de 26 de março, lista o que são considerados serviços e atividades essenciais, indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da população durante a situação de emergência provocada pela epidemia de Covid-19. É uma lista com mais de 50 itens que tratam de assuntos como assistência à saúde, transporte público e segurança. Nada sobre shoppings ou academias. Neste decreto, o artigo 4.º fala que “Deverá ser considerada, no âmbito da iniciativa privada, a suspensão dos serviços e atividades não essenciais, que não atendem as necessidades inadiáveis da comunidade”. Nada de determinação ou proibição.
Já no dia 16 de abril, a prefeitura editou a resolução n.º 1, que regulamentava o decreto 470. Esta resolução trazia novidades importantes, como a suspensão do funcionamento do sistema de buffet em restaurantes e a obrigatoriedade do uso de máscaras pela população. Neste texto, o artigo 9.º explicita que “as medidas previstas nesta Resolução não se aplicam aos shopping centers, galerias e centros comerciais, academias, centros de ginásticas e esportes em geral, conforme o artigo 19 (...) do Decreto 4230 (...) e na redação dada pelo Decreto nº 4.311, de 20 de março de 2020, do Governo do Estado do Paraná”.
Para quem se perdeu em meio a tantos decretos e resoluções: quando trata do fechamento de shoppings, a prefeitura remete sua norma ao decreto do governo do estado que diz que deve ser “considerada” a suspensão dos shopping centers e centros comerciais.
Ou seja: nunca houve proibição de abertura de shoppings em Curitiba.
É difícil para o cidadão comum acompanhar tantas resoluções e edições de regulamentos – algumas feitas sem grande publicidade – realizadas pelo governo ao longo dos últimos meses. Mesmo a imprensa tem dificuldades em registrar tantos pormenores. Mas será que os departamentos jurídicos dos shoppings tiveram a mesma dificuldade em conhecer esses regulamentos? Que empresas desta dimensão se perderam na mudança sutil de um termo no texto legal?
A julgar pelo entendimento – ou melhor, pela falta de desentendimento – entre as associações do comércio e o poder público no que dizia respeito à reabertura dos shoppings no estado e na capital, a impressão que se tem é que houve uma compreensão tácita da emergência de saúde e que os empresários aguardavam uma melhora das condições de controle da epidemia para retomar as atividades. Do lado do governo, a mudança para uma redação mais “light” nas regras evitou o tensionamento nas relações com esse setor econômico – que, de portas abertas ou fechadas, deverá sofrer com o desaquecimento da atividade econômica de qualquer maneira.
Resta saber por que ficamos tanto tempo nesse suspense, de abre ou não abre. A rigor, os shoppings poderiam estar de portas abertas há mais de dois meses. Se não o fizeram antes, foi por desconhecimento das normas ou por uma obediência silenciosa a meras recomendações governamentais.
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