Denunciada há tempos, a fragilidade exposta dos trapiches da Ilha do Mel, no Litoral do Paraná, chegou ao seu limite no último dia 17 de setembro, quando a escada de concreto da estrutura da praia de Encantadas desabou e quebrou a perna de uma turista do Mato Grosso do Sul. Ao invés de boas recordações de um dos pontos turísticos mais importantes do estado, a mulher levou para casa a dor e a cicatriz de uma cirurgia feita em Paranaguá para corrigir a grave fratura no fêmur e na tíbia — da qual, até esta quarta-feira (25), ela ainda se recuperava internada em um hospital de Campo Grande, para onde viajou no sábado (21) em uma ambulância simples.
Apesar de ser a mais grave, não foi a única tragédia nos trapiches da ilha até agora. Em outubro do ano passado, em outro ponto da ilha, outra turista levou 29 pontos na perna depois de cair do trapiche da praia de Brasília, que, mesmo após uma reforma que custou aos cofres públicos R$ 374,2 mil, cedeu quatro vezes entre agosto de 2018 e junho de 2019. Um dos desabamentos foi na véspera de réveillon.
Neste intervalo pouco menor do que um ano, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) cobrou respostas e a Marinha chegou a interditar parcialmente a estrutura – substituída emergencialmente em julho pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). "Embora não seja o ideal, é uma solução precária que a gente deu e temos consciência disso, é uma solução que estava ali enquanto viria a construção dos novos trapiches", rebateu o engenheiro José Luiz Scroccaro, presidente do Instituto das Águas do Paraná, órgão vinculado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente que monitora os recursos e serviços hídricos do estado.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Scroccaro afirmou que a próxima temporada será com trapiches provisórios na Ilha do Mel e que a solução que moradores e turistas tanto esperam há praticamente cinco anos é a reforma anunciada em maio pela Associação dos Portos do Paraná (Appa) — a qual ainda não tem data para acontecer.
Por que os trapiches chegaram às condições que estão hoje?
Esses trapiches são antigos e já foram reformados. No ano passado, foi feito um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] em que o Porto [Associação dos Portos do Paraná] ficou responsável, como compensação ambiental, por construir os trapiches. Os projetos estão prontos para serem licitados. Cientes disso, nós não investimos em trapiche novo lá porque vai gastar um recurso muito substancial tendo em vista que o Porto está fazendo a licitação. E esses trapiches que eles vão fazer são top de linha. Então, não teria nexo nós gastarmos muito dinheiro para reformar o trapiche temporariamente. Não que a gente queria que as coisas chegassem aonde chegaram. Nós nem imaginávamos que poderiam chegar aonde chegaram. Infelizmente, a escada... Mas em nenhum minuto tanto os turistas como os moradores ficaram sem ter acesso à ilha. Embora não era o ideal, é uma solução precária que a gente deu e temos consciência disso, é uma solução que estava ali enquanto viria a construção dos novos trapiches.
Mas a Appa confirmou este ano que iria reformar os trapiches e as reclamações dos turistas e moradores são antigas. Por que essa demora?
Aí você esta pedindo para eu responder coisa que não era da minha época. Mas a grande verdade é que há um ano e meio atrás o trapiche de Brasília ganhou uma reforma.
Que não funcionou muito...
Que não funcionou muito. Não estou te tirando a razão. Mas não funcionou porque veio uma ressaca que deu problema. Inclusive, teve problemas seríssimos na própria Ilha do Mel, retirando areia e criando um problema seríssimo para o flutuante. Se você olhar o que os comerciantes descarregavam de material lá em cima era um absurdo. E o trapiche não era para carga, era para pedestre. Agora a gente tomou a inciativa de trazer um flutuante muito mais resistente para dar garantia agora enquanto se constrói um novo.
Mas por que só agora essa garantia?
Você acha que é fácil de encontrar trapiche aqui? Para você ter uma ideia que esse trapiche que vamos colocar agora de emergência vem do Rio de Janeiro. Nós não temos trapiche aqui disponível para colocar lá a não ser de pequeno porte.
Então o trapiche colocado na praia de Brasília também era do Rio de Janeiro?
Não. Era daqui. Veio de Guaíra, se não me engano.
Eu entendo que existe todo esse problema de logística, mas o senhor reconhece que as reclamações dos moradores fazem sentido?
Eu não estou dizendo que eles não têm razão, mas em nenhum momento eles ficaram sem ter acesso. A gente lida com recurso público. Para você poder fazer as coisas ou tem que ter uma justificativa muito forte ou você vai responder pelo gasto que você faz. Se você correr o bicho pega e se ficar o bicho come (risos). Nós queremos resolver em definitivo a Ilha do Mel. Mas para resolver em definitivo, tem que vir o trapiche do Porto.
Como sempre tem a questão de maré, turistas, moradores carregando coisa, o senhor não acha que a reforma deveria ter sido antes?
Mas foi feita uma reforma em Brasília. Em Encantadas também. Foi colocada uma escada metálica, de alumínio lá.
Essa escada metálica foi colocada porque substituiu uma que caiu...
Substituiu.
Então não é uma reforma. É um reparo, não é?
Eu estou dizendo o que eu sei. Mas agora é novo governo, novos planos.
A escada da qual a turista caiu era temporária?
Era uma escada definitiva. Estava lá, caiu, rompeu em um acidente. Acidentes acontecem. Agora tem mais cinco escadas que estão usando. Na praia de Brasília, a gente colocou um flutuante de 6 metros de largura por 22 metros de comprimento. Colocamos um acesso para chegar com estabilidade enquanto o porto vai fazer essa licitação. Na praia de Encantadas, nós solicitamos o aluguel de um trapiche, flutuante e resistente, que até 1° de outubro deve estar instalado.
Então nesta temporada que começa em breve, a Ilha do Mel terá trapiches temporários?
Sim. Mas eles são seguros.
O senhor não acha que isso atrapalha o turismo?
Mas o turismo lá está bombando. Sinceramente, eu não estou vendo que teve reclamação para nós neste sentido. O que a gente tem que entender é que o ideal não era o que estava funcionando, mas o estado nunca deixou nem os moradores nem os turistas sem acesso à ilha. Sempre anunciavam que caía o trapiche, agora nunca anunciaram que continuava a ter acesso aos moradores e turistas. Sempre teve acesso. De uma maneira não ideal, mas sempre teve acesso.
Já foi feita uma reforma que não deu certo. O senhor não acha melhor refazer os trapiches do que reconstruir?
Foi feita toda uma avaliação lá. Quando eu digo reformar, é aproveitar o que pode ser aproveitado. Não vão simplesmente chegar lá e dar uma pintura. Tem estrutura que vão ter que demolir e construir nova. O porto contratou engenheiros estruturais para fazer toda essa avaliação.