Insegurança faz com que motoristas queiram abandonar linhas mais perigosas, afirma sindicato| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo/Arquivo

Motorista da linha Trabalhador há mais de nove anos, João* se acostumou com a violência do trajeto. A linha é considerada a mais perigosa de Curitiba, segundo um levantamento da prefeitura de Curitiba, e, ao longo de todo esse tempo, o condutor já foi assaltado várias vezes durante o expediente. Recentemente, ele acabou sendo vítima de uma modalidade de crime que começa a se tornar cada vez mais comum na cidade, os arrastões.

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“Os ladrões chegaram junto com os outros passageiros. O primeiro entrou na frente e foi para o fundo. O outro veio até mim, mostrou a arma e anunciou o assalto”, conta o motorista. “Pediu para tirar a mão do volante, ficar calmo e não tirar o ônibus do lugar. Foi quando eles começaram a roubar quem estava lá dentro”.

Assaltos

Levantamento da prefeitura de Curitiba – realizado entre os meses de janeiro e abril deste ano – mostra as linhas que mais foram assaltadas no período:

Trabalhador: 21

Bairro Novo B: 14

Osternack/Sítio Cercado: 13

Interbairros IV: 12

Bairro Novo A: 12

A linha mais assaltada, a Trabalhador, passa pelos bairros Fazendinha, CIC, Pinheirinho, Sítio Cercado, Xaxim e Boqueirão.

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João relembra que a ação dos criminosos, ocorrida no dia 31 de maio, foi bastante rápida. Para ele, pareceu uma eternidade. O homem armado ficou parado em frente à catraca, gritando e fazendo ameaças, enquanto o comparsa abordava os passageiros, pegando celulares, carteiras e o que mais estivesse à mão. Sem poder sair do lugar, o motorista apenas ouvia a movimentação no fundo do ônibus e, pelo retrovisor, viu a tentativa de alguns passageiros de escapar pela janela de emergência.

Situação frequente

Segundo o Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), esse tipo de situação vem se tornando frequente na capital paranaense, embora ainda não haja estatísticas específicas. Os casos acontecem principalmente em bairros como Pinheirinho, Sítio Cercado e Alto Boqueirão, onde João foi abordado.

Para o diretor do Sindimoc e responsável pelo setor de apoio aos trabalhadores, Ricardo Ribeiro, o que impressiona não é apenas o aumento no número de ocorrências, mas a ousadia dos criminosos, que atuam a qualquer hora do dia. No caso de João, a ação aconteceu toda por volta das 9h. “A gente sente um crescimento nos casos. A antiga linha Tupi-Pinheirinho, que nem existe mais, já registrava alguns arrastões, mas parece que eles estão ficando mais comuns”, aponta.

Curitiba está tão pouco acostumada com esse tipo de crime que nem mesmo a Guarda Municipal (GM) tem um balanço de ocorrências desse tipo. Procurada pela Gazeta do Povo, o órgão apenas disse que, até 2016, nunca foi feito um levantamento que diferenciasse os arrastões de assaltos comuns. A reportagem não obteve retorno em relação aos dados deste ano e nem sobre ações feita pela Guarda Municipal para coibir esse tipo de situação.

O dia seguinte

Segundo Ribeiro, a insegurança causada pelo crescimento desses arrastões é algo que afeta bastante o psicológico dos trabalhadores. “Entre os motoristas e cobradores, há um clima de tensão por causa disso. Tem linhas que é até difícil manter o trabalhador, que sempre pedem para sair”. É comum que alguns desses trabalhadores precisem procurar ajuda de psicólogos para lidar com o trauma.

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Com João, porém, não foi o caso. Apesar de todo o susto, ele continuou na linha Trabalhador, mas não sem sentir os efeitos do medo. “O dia seguinte foi bem pesado. Eu e a cobradora que estava na hora do arrastão ficamos bem tensos”, conta. “Em qualquer parada, todos eram suspeitos”.

O motorista relata que a sensação de ser vítima desse tipo de crime é bem mais impactante do que aquela sentida durante um assalto comum. “A gente não sabe o que vai acontecer. Você percebe que eles estão mais preparados e que têm mais coragem que os ladrões que só vão roubar o cobrador. Significa que estão mais dispostos a atirar”.

* João é um nome fictício. O motorista pediu para não ser identificado.