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Desenvolvimento

20 anos de aperto excluem 10 milhões da classe média

O que muita gente já havia percebido no bolso foi confirmado por uma pesquisa divulgada ontem: os últimos anos foram desalentadores para a classe média. Alguns planos econômicos, uma rápida abertura comercial e a maior automação no setor produtivo atingiram em cheio o estrato social que hoje representa 31% das famílias existentes no Brasil. Empurradas por esses fatores, cerca de 10 milhões de pessoas ficaram de fora das estatísticas da classe média e se juntaram à base da pirâmide social entre 1980 e 2000.

A conta faz parte do estudo Classe Média – Desenvolvimento e Crise, lançado ontem pela editora Cortez e parte de uma coleção que aborda a exclusão social no Brasil. Segundo o trabalho, a participação da classe média na População Economicamente Ativa (PEA) caiu de 31,7% para 27,1%. É por causa dessa redução que 10 milhões de pessoas mudaram de categoria social. "A queda é uma mudança de tendência muito importante. Desde o século 19 até 1980 a participação da classe média na PEA vinha subindo", afirma o economista Ricardo Amorim, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos organizadores do livro.

A formação da classe média brasileira ganhou força com a industrialização iniciada na década de 1940. Com a abertura de novas fábricas e o crescimento das cidades, o país passou a precisar de mais técnicos, gerentes, professores e prestadores de serviços, como advogados e médicos. Eles passaram a compor uma parcela da população com uma renda que permitia a manutenção de um bom padrão de vida – longe dos bairros mais pobres e também fora dos círculos exclusivos dos ricos do país.

O fenômeno ocorreu em outras nações que passaram por um processo de desenvolvimento industrial, mas parece ter ficado pela metade no Brasil, de acordo com algumas pistas mostradas na pesquisa. "A diferença entre as características da classe média e a população em geral é maior na sociedade brasileira do que em países mais desenvolvidos", diz Amorim. Analisada de acordo com os dados dos chefes das famílias, o grupo intermediário na pirâmide social tem maior grau de educação, maior acesso a empregos formais e se concentra nas cidades.

Em países desenvolvidos, a estruturação de uma classe média ampla e forte foi um reflexo da redução da desigualdade. A deterioração desse segmento social é, portanto, um sinal de retrocesso. "É uma classe importante porque dinamiza a economia através do consumo e porque tem melhor capacidade de se organizar para construir um projeto de crescimento para o país", observa Amorim.

Além de ter encolhido em tamanho, a classe média perdeu qualidade de vida e seus membros tiveram de cortar em itens supérfluos para suportar as contas de cada mês. Os gastos com alimentação, por exemplo, caíram de 24,5% da renda em 1987 para 15,9% em 2003. A fatura de vestuário também foi reduzida, passando de 11% para 5% da renda. A economia nessas áreas foi aplicada em outros dois setores: habitação e transporte. Gasta-se menos em restaurantes, por exemplo, e mais na compra da casa própria ou no aluguel.

A conclusão dos especialistas que conduziram o estudo é de que o enfraquecimento da classe média ocorreu com mais força durante os anos 90. Foi nesse período que a abertura comercial, a adoção em massa de novas tecnologias e o controle de gastos públicos levaram a um enxugamento no número de postos de trabalho de nível alto. Por isso, dentro do segmento estudado a participação de trabalhadores de classe média-média (que têm ocupações técnico-científicas, postos-chave da burocracia pública e privada) caiu de 32,2% em 1980 para 23,1% em 2000, enquanto a da classe média-baixa (como professores, vendedores e lojistas) subiu de 44,5% para 54,1%.

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