Depois de 22 anos de interrupção, o Brasil está prestes a retomar a construção da usina nuclear de Angra 3, no litoral do Rio de Janeiro. Com reinício previsto para setembro, as obras da termelétrica simbolizam a volta do polêmico programa nuclear brasileiro que, mais de uma vez, foi apelidado pejorativamente de "aventura nuclear brasileira", em função dos freqüentes atrasos e problemas nos projetos, além da compreensível preocupação com a segurança dos reatores. Mais de duas décadas após o início das operações da primeira usina atômica do país que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e desenvolveu tecnologia própria para todas as etapas do ciclo de produção , alguns dos maiores especialistas brasileiros do setor energético ainda estão longe de um consenso em relação à relevância e à necessidade de projetos como Angra 3.
O Ministério de Minas e Energia pretende que a usina fique pronta em 2014, e quer mais quatro reatores nucleares funcionando até 2030, no Sudeste e no Nordeste, com potência de 1 mil megawatts (MW) cada idêntica a Angra 2, Angra 3 terá 1.350 MW, o suficiente para abastecer uma cidade um pouco maior que Curitiba.
Mas, se considerado o histórico do país nessa área, há motivos para questionar a possibilidade de que esses prazos sejam cumpridos. Angra 1 (650 MW) começou a ser construída em 1971 e só começou a funcionar em 1985, e na seqüência ganhou o apelido de "vaga-lume" devido às constantes falhas técnicas de seu sistema. Angra 2, que deveria ser acionada em 1983, entrou em operação comercial apenas em 2001. Iniciada em 1984, Angra 3 teve sua obra suspensa dois anos depois. As duas últimas faziam parte do acordo Brasil-Alemanha, que no início previa a construção de oito reatores.
Opção cara
Além dos aspectos ambientais e de segurança, duas questões são citadas com freqüência para criticar a opção por Angra 3: o alto custo da energia atômica e a abundância de opções alternativas. "O Brasil tem opções mais baratas e atraentes", avalia o físico José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP). "Cada hidrelétrica de grande porte ainda temos grande potencial nessa área gera o equivalente a cinco ou seis reatores nucleares. Em segundo lugar, há a geração termelétrica a partir de bagaço de cana. Apenas em São Paulo, a capacidade já é de 1 mil MW, e pode chegar a 5 mil MW em cinco anos. Em terceiro lugar, podemos gerar energia eólica no Norte do país."
Rafael Herzberg, sócio-diretor da consultoria Interact, lembra que a opção do governo pode encarecer as tarifas de eletricidade. "O custo de construção de Angra é maior, e o de operação também. Isso vai se refletir nos custos da indústria, e no preço pago pelos consumidores residenciais. Estamos tomando uma decisão altamente questionável, apostando no projeto mais caro, mais complicado, e que representa o maior risco em relação ao meio ambiente e à segurança."
A simulação mais otimista do governo prevê uma tarifa de R$ 115 por megawatt-hora (MWh) para a energia de Angra 3, frente aos menos de R$ 80 das hidrelétricas do Rio Madeira. A projeção mais pessimista que inclui o retorno dos valores já desembolsados em Angra 3 é de uma tarifa de R$ 168,24 por MWh. Segundo a Eletronuclear (subsidiária da estatal Eletrobrás), a térmica consumiu R$ 1,55 bilhão desde a década de 80. Apenas para a manutenção dos equipamentos adquiridos na época, são gastos US$ 20 milhões por ano.
Auto-suficiência
Diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Rafael Schechtman elogia a retomada de Angra 3. "Boa parte do equipamento já foi comprada, o Brasil tem uma das maiores reservas mundiais de urânio e ainda domina todo o ciclo nuclear com tecnologia nacional", diz o especialista, doutor em energia nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Segundo ele, fontes alternativas como a energia eólica ainda custariam mais caro. "Para conseguir o equivalente a uma Angra 3 de energia eólica, seria necessária uma área gigantesca, com bons regimes de vento. No Brasil, áreas assim estão principalmente no Nordeste, em regiões de grande potencial turístico, que seriam prejudicadas."
Costumeiro defensor da energia hidráulica, o engenheiro Ivo Pugnaloni, diretor da consultoria Enercons, afirma que a decisão do governo foi acertada. "Não faz sentido gastar fortunas para conservar todo aquele equipamento encaixotado. E, se for para construir usinas térmicas, é melhor a nuclear, que usaria um combustível no qual somos auto-suficientes [o urânio]. Ruim é depender de gás natural importado de países tradicionalmente turbulentos", diz Pugnaloni.
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