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A batalha dos trabalhadores que viraram “conta própria” depois da crise

A remuneração média de quem virou conta própria depois do início da crise, em 2015, caiu 33% em relação ao rendimento dos trabalhadores que estavam há mais tempo nesse tipo de ocupação. | Daniel Castellano / Arquivo  Gazeta do Povo.
A remuneração média de quem virou conta própria depois do início da crise, em 2015, caiu 33% em relação ao rendimento dos trabalhadores que estavam há mais tempo nesse tipo de ocupação. (Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo.)

Os 13,2 milhões de brasileiros na fila do desemprego não são os únicos que estão sentindo os efeitos da deterioração do mercado de trabalho. O cenário também piorou – e muito – para um grupo de trabalhadores por conta própria que atuam em ocupações mais precárias da economia, principalmente para 5,3 milhões de brasileiros que entraram para esta posição depois do início da crise, em 2015.

De lá para cá, o mercado para esses trabalhadores piorou em todos os aspectos, segundo um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) feito com base nos dados de 2017 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE . As ocupações ficaram ainda mais precárias, o rendimento encolheu e o nível de proteção social, com o acesso ao sistema de aposentadoria, foi reduzido.

O impacto mais imediato foi sentido no bolso desses trabalhadores. A remuneração média de quem virou conta própria, depois do início da crise, caiu 33% em relação ao rendimento dos trabalhadores que estavam há mais tempo nesse tipo de ocupação. Em valores, a remuneração média encolheu de R$ 1.685 para R$ 1.133 nesse intervalo, como mostram os dados de 2017 da Pnad Contínua. A diferença é ainda maior quando se considera, por exemplo, a cor/raça e o sexo entre os trabalhadores que se tornaram conta própria. O rendimento de uma mulher não negra que passou a trabalhar por conta própria depois da crise, por exemplo, equivalia a apenas 60% dos ganhos de uma mulher não negra que está nesta posição há mais tempo.

Atualmente, um de cada quatro brasileiros ocupados trabalha por conta própria. Ou seja, são 23,1 milhões de brasileiros nesta categoria que reúne tanto trabalhadores formais quanto informais como, por exemplo, vendedores ambulantes, microempreendedores individuais (MEIs) e profissionais autônomos, como dentistas, arquitetos e advogados.

A precarização do mercado de trabalho, com a recessão, atingiu trabalhadores de todos os estratos, mas especialmente aqueles que estão na base. Mais da metade dos 5,3 milhões de trabalhadores que viraram conta própria depois da crise recorreu a isso porque foi demitida e precisou buscar ocupações informais classificadas como “elementares” pelo Dieese, como faxineiros, pedreiros e preparadores de comidas rápidas, que já têm um remuneração média mais baixa no mercado de trabalho.

Não estamos falando de pessoas que deixaram o emprego com carteira assinada para abrir um negócio próprio ou empreender, explica Gustavo Monteiro, do Núcleo de Produção de Informação (NPI) do Dieese.

Não à toa, entre os que trabalhavam por conta própria depois da crise, até 2017 (período de recorte do estudo), 77% não tinham CNPJ e tampouco contribuíam para a Previdência Social. Apenas 9,6% contribuíam apenas para a Previdência e 4,4% tinham só o CNPJ.

“Meu carro é minha empresa”

Aos 54 anos, Davi Stonoga está no grupo dos trabalhadores que não contribuem para a Previdência. Ele virou conta própria há um ano e meio, depois de ser demitido de uma empresa de autopeças. Era vendedor e virou motorista de aplicativo, caminho seguido por muita gente que perdeu o emprego nos últimos anos.

Mesmo trabalhando mais horas e sem a proteção do emprego formal, Davi diz que não pretende voltar a atuar com carteira assinada. Ele trabalha 12 horas por dia de segunda a sexta-feira e faz uma jornada um pouco menor nos fins de semana, porém, garante que consegue tirar 80% a mais do que ganhava registrado.

“Meu carro é minha empresa”, diz Davi, que investiu R$ 4 mil para fazer o carro rodar com GNV. Se antes ele tinha meta de vendas, hoje, trabalhando por conta própria, tem meta de faturamento. Todo dia ele sai de casa com um objetivo definido e, na maioria dos dias, consegue bater a meta e fazer uma “gordurinha”. Hoje, ele tem pelo menos uma semana de folga no faturamento.

Apesar de ganhar mais agora trabalhando como autônomo, ele parou de contribuir para a Previdência e também não fez um novo plano de saúde, algo que manteve apenas para a esposa e para a filha.

Depois da crise, ocupações ficaram mais precárias e concorridas

Os conta própria de antes da recessão estavam distribuídos no comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas, agropecuária, construção e informação e comunicação. Quem virou conta própria depois da crise passou a atuar no setor de alojamento e alimentação, transporte e armazenagem e comércio e reparação de veículos.

Se antes da crise Carlos Henrique Santos, de 27 anos, conseguia escolher oportunidades de emprego, agora ele confessa que está pegando o que aparece. Demitido em dezembro do ano passado de um emprego de porteiro, comprou uma roçadeira e está se virando com serviços de jardinagem, pintura e reparos. Virou um “faz tudo”. No começo ele até conseguia ganhar mais – em dias bons, tirava R$ 100, R$ 200 – mas, por necessidade, precisou mudar do bairro Fazendinha, em Curitiba, para Araucária, na região metropolitana da capital, em um imóvel emprestado pelo sogro.

No novo endereço, Santos encontrou uma demanda menor pelos seus serviços e uma concorrência maior, e viu a renda da família despencar ainda mais. “Na realidade as pessoas estão pagando menos porque tem muita gente fazendo a mesma coisa e oferecendo preço muito abaixo do que vale o serviço. Agora tem dia que eu saio para trabalhar e volto com R$ 30, R$ 50 no bolso”.

Com dois filhos, um de oito anos e outro que nasce em setembro, Santos diz que quem segura as pontas hoje em casa é a esposa, que trabalha com carteira assinada em uma empresa terceirizada que presta serviço para uma multinacional. Desde que foi demitido, ele vem tentando sem sucesso várias seleções para vagas formais de emprego, “para ficar mais protegido”, como ele mesmo diz. Com uma remuneração baixa e incerta, contribuir para a Previdência está longe de ser uma prioridade para ele.

Mercado tem recuperação tímida com aumento da informalidade

O desemprego desacelerou na passagem do primeiro para o segundo trimestre deste ano, atingindo 12,9 milhões de brasileiros em junho contra 13,7 milhões em março. Mas isso está longe de significar uma retomada mais robusta do emprego. Essa recuperação tímida do mercado de trabalho se deve, sobretudo, ao aumento do porcentual de trabalhadores informais, que chegou a 40% do total de ocupados em junho, segundo dados da Pnad Contínua. Isso significa que dos 91,2 milhões de brasileiros ocupados, 36,4 milhões estão na informalidade.

“Sem uma recuperação mais consistente da economia, fica difícil uma retomada mais firme dos empregos com carteira assinada”. É provável que o número de ocupados aumente no segundo semestre, mas é um comportamento sazonal do mercado e não necessariamente em razão de uma melhora da economia. É importante olhar para a qualidade dos postos de trabalho que estão sendo criados”, diz Monteiro, do Dieese.

Em junho, o mercado formal encolheu ao menor nível da série histórica iniciada em 2012. O número de empregados no setor privado com carteira assinada caiu a 32,8 milhões de pessoas, meio milhão a menos do que no mesmo trimestre de 2017.

Na passagem do trimestre encerrado em março para o trimestre encerrado em junho, 113 mil pessoas passaram a trabalhar por conta própria no país. Em junho, em relação ao mesmo trimestre de 2017, cerca de meio milhão de brasileiros viraram conta própria.

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