O showroom e a fábrica da M & S Schmalberg ficam em um prédio cinza no Garmen District, bairro de Manhattan com grande concentração de lojas e empresas do mundo da moda. São sete andares em cima de um estabelecimento da atacadista de roupas femininas Belma Fashions.
Em uma manhã recente, o presidente da organização, Warren Brand, de 61 anos, estava guiando um grupo de estudantes de moda da Universidade Estadual do Mississippi em um tour pelo lugar. Eles estavam lá para ver um unicórnio, um resistente, um museu funcional de artes manuais à moda antiga que, de alguma maneira, deve gerar lucros que atendam aos padrões atuais.
A Schmalberg, uma empresa familiar já em sua quarta geração, foi fundada em 1916 e fabrica flores artificiais a partir de seda e outros tecidos. Os clientes incluem designers de chapéu, estilistas, lojas de vestidos de noiva e grifes famosas como Oscar de la Renta, Ralph Lauren e Marc Jacobs.
Suas flores já decoraram o híbrido de vestido e terno que Thom Browne fez para Zazie Beetz vestir no Baile de Gala do Met, as asas de anjo usadas por uma modelo no desfile da marca Victoria's Secret e os uniformes dos colaboradores da rede de hotéis Marriott, que usam camélias de couro afixadas ao traje. Em um ano, a Schmalberg fabricou 200 mil pétalas de seda minúsculas para Vera Wang costurar em vestidos da marca. Mais recentemente, a empresa criou folhas de couro para a vitrine da joalheria Harry Winston em Paris.
Mas, na era da moda instantânea e da terceirização, os negócios nas fábricas de flores de Manhattan não estão exatamente vibrantes. Michael Kaback, trabalhador da área aposentado e espécie de historiador não oficial da região, disse que, antes, havia mais de dez empresas fabricando flores artificiais. Hoje, a Schmalberg é a única sobrevivente.
Brand reuniu os alunos em uma sala de montagem da fábrica. Lá, cinco mulheres, sentadas ao redor de duas mesas, cuidadosamente organizavam, em camadas, pétalas de tecido, usando arame e cola de artesanato. Flores roxas e delicadas eram arranjadas em pequenas linhas de arame; as flores finalizadas eram penduradas, como roupas em um varal, para secar.
Ele chamou a atenção dos alunos para a foto de um senhor pendurada em uma parede próxima: era a de seu falecido pai, Harold, nascido na Polônia e sobrevivente do Holocausto.
"Ele tinha dois irmãos, uma irmã, uma mãe e um pai. Todos morreram", contou Brand, explicando como Harold Brand emigrou para os Estados Unidos depois da guerra e foi trabalhar na Schmalberg, fundada pelos tios. Por fim, Harold Brand comprou o negócio do qual ficou à frente até a década de 80, quando Warren Brand e sua irmã, Debra, assumiram.
A família costumava ter uma loja na Rua 35. "Tínhamos, de um lado, um vizinho que fabricava botões. Do outro, um que vendia fios e linhas. E tinha ainda uma loja de zíperes", lembrou. "Hoje, você anda pelas ruas e tudo vem dentro de caixas, saídas de um barco, tudo feito na terra da imitação."
O filho de Brand, de 35 anos, começou a trabalhar com o pai há nove. Observava tudo a certa distância. Entre as muitas funções do jovem Brand, está a administração do marketing e das redes sociais, essenciais para encontrar clientes novos e jovens para compensar as contas perdidas.
Percebendo o desinteresse dos alunos nos assuntos que envolvem comércio global, Adam Brand perguntou: "Algum de vocês assiste ao programa 'O Vestido Ideal'?"
Murmúrios animados invadiram o salão. "Daqui a um minuto, um dos produtores do programa vai chegar para conversar conosco sobre a possibilidade de fornecermos flores para eles", disse.
Um ateliê americano
Quando Suzy Benzinger, uma figurinista que trabalhou em diversos filmes do diretor Woody Allen, estava trabalhando no lançamento de "Café Society", longa-metragem de 2016 ambientado nos anos de 1930, ela foi direto à Schmalberg.
"Fui surpreendida quando cheguei lá. Não pela beleza das flores, mas pelo fato de haver mulheres em mesas fazendo as flores. Você está brincando comigo? Estamos falando de Nova York em 2019. Quero dizer, isso não existe mais", relatou Benzinger sobre a experiência.
Os designers da Marchesa, empresa especializada em roupas formais e para casamentos, contrataram a Schmalberg por muitos anos para a criação de adornos florais personalizados, inclusive para o memorável vestido usado por Anne Hathaway na cerimônia do Oscar de 2008, que trazia a alça do ombro coberta por rosas vermelhas de seda.
Anna Holvik, diretora de design da marca, comparou a fábrica a um ateliê francês especializado, como a Maison Lesage, casa de bordados em Paris. "Na indústria da moda, ou em qualquer outro meio criativo, as coisas estão mudando tão rapidamente hoje em dia que técnicas milenares são geralmente esquecidas. Trabalhar com pessoas que dedicaram uma vida inteira a manter vivo o ofício é realmente uma honra", elogiou Holvik.
Fazer flores artificiais requer, primeiro, força industrial. Normalmente, os clientes fornecem o material, como organza de seda acetinada ou veludo grosso, que é mergulhado em um balde de plástico contendo goma para endurecer tecidos e depois pendurado em um suporte de madeira para secar. O tecido já enrijecido é colocado sob uma máquina tipo guilhotina que vai marcar o molde para fazer o formato das flores, como um cortador de biscoitos molda a massa.
As pétalas finalizadas são então agrupadas em forma de tulipas, cravos ou outras variedades – mas, como Warren Brand disse, "nem tudo aqui tem a pretensão de representar com perfeição o universo da horticultura".
Miriam Baez, de 70 anos, que supervisiona as montadoras de flores, começou na Schmalberg em 1979, após a fábrica de flores na qual trabalhava na Rua 14 ter se mudado para a Flórida. Um prodígio das artes manuais, Baez é quem ajuda designers de moda a realizar suas ideias. Uma vez, trabalhou com um estilista de Vera Wang para construir flores com pétalas de 25 centímetros. O tecido era macio e de um tom azul e verde maravilhoso, e as pétalas, delicadas e macias, mas estruturadas.
"Cheguei a me aposentar uma vez, mas continuo aqui. Não quero ficar em casa. Todos os dias aqui faço algo novo", disse.
A possibilidade de colaborar pessoalmente com profissionais habilidosos, como Baez, e de ter o produto feito de maneira ágil sem precisar lidar com produtores e serviços alfandegários internacionais fez da Schmalberg o destino preferido dos designers locais. É o caso de Benzinger, que concebeu um bolero com folhas de cetim para a personagem de Kristen Stewart usar na cena da boate em "Café Society".
"Entreguei à Schmalberg o tecido, eles fizeram as folhas e as aplicaram no bolero em pouquíssimo tempo. Você pode pedir: 'Preciso recriar essa rosa a partir dessa pintura de 1930', e eles fazem. Seja uma flor ou sejam 500", garantiu Benzinger.
No começo dos anos 2000, enquanto estava no ar a popular série de televisão americana "Sex and the City", Carrie Bradshaw, a protagonista ícone da moda, adornava os modelos que usava com broches ou apliques florais. Não demorou para as flores de tecido virarem moda.
A Schmalberg aumentou o número de funcionários, que passaram a trabalhar 60 horas por semana ou mais para poderem dar conta de atender às encomendas vindas da Talbots e de outros varejistas. "Surfamos a onda e conseguimos manter os lucros", disse Brand.
Adam Brand foi trabalhar com o pai, durante aquele verão de demanda inesperada, para ajudá-lo. "Comecei a reconhecer o que tínhamos aqui", disse. Após se formar em psicologia pela Universidade Stony Brook, decidiu tornar-se, assim como o avô e o pai, um homem das flores.
Camélias na Amazon? Sim.
Não sendo mais capaz de depender apenas das grandes encomendas de marcas americanas de vestuário, a empresa vende flores para qualquer um, seja do mercado da moda ou não: para noivas e buquês de casamento; para as judias ortodoxas que gostam de aliviar o peso das roupas pretas; para a companhia de balé da Austrália usar no figurino; e até mesmo em lojas on-line como a Amazon, sendo o item mais notável um broche de camélia similar ao vendido pela Channel por 575 dólares (quase 2.500 reais). O da Schmalberg custa 20 dólares (82 reais) e representa um item raro no mundo da moda: uma imitação barata, mas com alta qualidade de origem.
E há também o punhado de designers independentes, como Mina Mann, que, de vez em quando, dá um pulo na Schmalberg para procurar uma peça que possa usar, digamos, no bordado de um cobertor. Ann Claire, estilista de chapéus, esteve lá há pouco tempo comprando produtos para compor o alfinete de chapéu que estava produzindo para a adaptação da HBO do romance "Complô contra a América", de Philip Roth.
Muito tempo, trabalho e dinheiro são necessários para criar um alfinete de chapéu para o figurino de um personagem que só será usado em uma cena rápida. "E provavelmente os telespectadores nem vão notá-lo", lamentou Claire. "É o tipo de coisa que está morrendo. Mesmo assim, as pessoas fazem questão dessa qualidade, mas está cada vez mais difícil encontrá-la."
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