Rio de Janeiro O século 21 poderá ficar marcado como a era do advento do front ciberespacial, em que senhores da guerra, terroristas ou meros criminosos aproveitam-se de um mundo cada vez mais conectado tecnologicamente para atingir seus objetivos de maneira mais rápida e eficiente. Uma realidade em que poder econômico ou político já não é mais o único fiel da balança no campo de batalha.
Foi esse, ao menos, o cenário vislumbrado entre maio e junho últimos, quando a Estônia, a ex-república soviética que se transformou num dos países mais avançados do mundo em termos de conectividade (apelidado de e-Stonia), viu-se literalmente isolada do mundo por força de mega-ataques de hackers, aparentemente motivados pela polêmica remoção de um memorial em homenagem aos soldados da URSS mortos na Segunda Guerra, erguido em 1947 em Tálin, a capital estoniana.
Durante quase uma semana, websites de órgãos governamentais, bancos e até escolas do país foram bombardeados por um tipo de ataque batizado de DDOS, em que redes de computadores são usadas, muitas vezes sem o conhecimento de seus usuários, para inundar servidores com pedidos de acesso, até derrubar o serviço. De acordo com o governo estoniano, páginas que normalmente recebiam uma média de mil visitas por dia de repente viram-se atingidas por milhares de acessos por segundo. Uma força-tarefa montada pelo governo conseguiu evitar transtornos maiores.
Rússia vs. Estônia
O timing dos ataques e a descoberta de IPs russos durante a operação de defesa resultou numa óbvia acusação a Moscou, algo que as autoridades do governo Putin negam veementemente.
A crise, porém, despertou um amplo debate, a ponto de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) preparar um relatório especial sobre a e-guerra, em que defendeu a criação de um centro de defesa cibernética. "Ainda não existem provas do envolvimento de estados em ataques cibernéticos. Isso é muito mais uma questão de rumores e acusações. Mas há algum tempo já se discute este novo front. Uma guerra eletrônica pode ser mais eficiente que uma operação militar tradicional. Por que bombardear uma ponte quando se pode, por exemplo, desabilitar a internet ou as telecomunicações de um país? É preciso lembrar, porém, que mesmo aspectos físicos da infra-estrutura hoje estão sob controle eletrônico" explica Colin McLean, professor da Abertay University, da Escócia, que conta com um programa de hacking ético.
Iraque
Entre outras acusações, há rumores de que ataques eletrônicos já teriam sido usados na primeira Guerra do Golfo, com os americanos desabilitando o sistema de defesa anti-aérea do Iraque. Os Estados Unidos, por sua vez, insinuam que a China emprega hackers para tentar invadir sistemas estratégicos, como os do Pentágono e da Nasa. No entanto, especialistas alertam que o cenário é muito mais fragmentado que organizado, como a própria natureza da internet.
"Um ataque vindo da Rússia não quer dizer que tenha sido autorizado por Moscou. Qualquer hacker com um pouco mais de experiência pode organizar um ataque deste tipo, e há relatos de que alguns russos chegaram a postar instruções em sites de relacionamentos para que usuários comuns mais patriotas ajudassem na operação", afirma David Drab, consultor americano em assuntos de segurança eletrônica. A facilidade com que as brechas do ciberespaço podem ser aproveitadas é ainda mais impressionante do que parece.