Steve Ballmer, CEO da Microsoft, costuma fazer péssimas previsões sobre os produtos de seus concorrentes. Quando ele comentou a estratégia arrasadora do Google para o Android no ano passado, muitos observadores o rechaçaram. Até então, era óbvio que o Android estava roubando espaço da Microsoft e estava começando a ficar no encalço da Apple (em março deste ano, o Android superou a Apple em participação no mercado de sistemas operacionais em celulares nos Estados Unidos).
A Microsoft e o Google desempenham papéis similares no mercado de telefonia produzem o software que faz o aparelho funcionar, mas eles próprios não fabricam os aparelhos. Ao levarem seu software ao público, portanto, ambas as companhias devem fazer parcerias com fabricantes. Mas enquanto a Microsoft queria que fabricantes de telefones pagassem pelo sistema operacional Windows Phone, o Google estava dando o Android de graça. Como Ballmer conseguiria concorrer com a gratuidade? É simples, conforme ele explicou em várias entrevistas: "Não há nada gratuito no Android".
Ballmer defende que o Android infringiu patentes de várias empresas e, como resultado, qualquer companhia que fabricasse aparelhos Android seria forçada a pagar taxas de licença para a Microsoft e outros detentores de patentes. Casos de infração de patente não são incomuns no setor de tecnologia e quase toda nova tecnologia complexa seguramente ferirá várias e várias patentes. Gigantes da tecnologia normalmente resolvem esses problemas com "licenças cruzadas" elas trocam os direitos de patente por patentes de outras empresas. Porém o Google é novato em tecnologias e não tem muitas patentes para trocar. A batalha do Google para conseguir uma carteira de patentes e defender o Android levou à notícia surpreendente em agosto passado: a empresa está gastando US$ 12,5 bilhões para adquirir a antiga divisão de telefonia da Motorola. A Motorola Mobility fabrica muitos smartphones Android populares, mas não lucra muito com isso (reportou prejuízo líquido em trimestres recentes).
Consequentemente, o negócio de aparelhos está em segundo plano nesse acordo. O que o Google realmente quer são as 17 mil patentes da Motorola. Em outras palavras, Steve Ballmer estava certo. O Android não é de graça. Na verdade, nem mesmo é barato. Como John Gruber, do site Daring Fireball, salientou, os US$ 12,5 bilhões que o Google está gastando com a Motorola somam o valor de quase dois anos de rendimentos de pesquisa da empresa. Nenhuma organização nem mesmo o Google pode gastar esse dinheiro sem antever um retorno direto de seu investimento.
E por que este acordo representa uma mudança na forma como o Google opera o Android? Hoje, a plataforma é aberta, mas caótica fabricantes de celulares conseguem o software de graça e podem fazer o que quiserem com ele, estando o Android disponível em aparelhos bons assim como em muitos modelos baratos e ruins. Na sequência desse acordo, o Google procurará exercer uma maior influência em empresas de hardware. Possivelmente, o acordo ajudará a reduzir o número de novos aparelhos Android que são lançados todos os anos, com os poucos que forem lançados sendo de qualidade geral mais alta e vendidos a preços mais altos.
Isso não acontecerá do dia para a noite. De fato, executivos do Google argumentam que a grande aquisição não mudará nada em relação ao Android. A divisão da Motorola seguirá como uma entidade separada dentro do Google. O objetivo dessa determinação é reduzir a habilidade da Motorola de conseguir acessos preferenciais ao Android sobre outros fabricantes que usam o sistema operacional. É um sinal de que no Google, abertura ainda é o ideal.
Entretanto, esse plano é insustentável. Para entender o motivo, saber como o Google gerencia o Android hoje pode ajudar. Quando se compra um telefone Android, nada do valor é destinado à empresa de pesquisa lembrando que o fabricante conseguiu o sistema operacional gratuitamente.
Segundo o Google, em vez de conseguir uma fatia na venda de telefones, seu maior objetivo com o Android é manter um apoio para seus sites no mercado emergente de smartphones. A teoria é que todo usuário de Android passará bastante tempo usando os serviços do Google e por extensão vendo anúncios do Google.
É um caminho tortuoso para conseguir lucros, algo como uma empresa petrolífera oferecendo motores de graça para indústrias automobilísticas com o fim de estimular a demanda por gasolina. Ainda assim, essa estratégia fez sentido pelo fato de o investimento do Google com o Android permanecer pequeno. A aquisição da Motorola muda esse raciocínio: é como se a Exxon Mobil comprasse a General Motors. Agora, o Google tem de encontrar um caminho para compensar pelo menos US$ 12,5 bilhões com o Android (acima de tudo que estava gastando para construir o sistema operacional). Parece bastante difícil.