Depois de Islândia, Grécia e, na última semana, Irlanda pedirem ajuda para reestruturar suas contas, o mercado financeiro já contempla a possibilidade de que o problema da dívida pública europeia comece a sair da periferia do bloco rumo a economias maiores. Na linha de combate dos investidores, Portugal é tido como o próximo alvo, com Espanha e Itália sendo acompanhadas de perto.
A desconfiança em relação às contas portuguesas e espanholas se reflete nos prêmios de risco dos dois países, medido pelos títulos públicos de dez anos, que atingiram seu maior nível na última semana, mesmo após o anúncio de ajuda aos irlandeses. Tanto Portugal como Espanha implementaram no início do ano um pacote de corte de gastos e aumento de impostos, visando assegurar ao mercado o compromisso com o pagamento dos títulos. O resultado, porém, mostrou-se especialmente complicado para os portugueses: o país não só não conseguiu reduzir o tamanho de sua dívida pública como o rombo cresceu.
Se o risco de contágio no sistema financeiro já é naturalmente alto numa economia globalizada, na Europa os problemas são ainda mais complexos. A integração regional faz com que os bancos europeus estejam diretamente comprometidos com as contas públicas de outros países. O maior credor de Portugal, por exemplo, é a Espanha. Como observou o colunista do Financial Times Wolfgang Münchau, em artigo publicado na última semana, mesmo que os espanhóis argumentem que eles não estão na mesma situação de Portugal, assim como Portugal disse não estar na mesma situação da Irlanda, e a Irlanda disse o mesmo em relação à Grécia, a quebra dos portugueses teria impacto direto em Madri.
Os europeus ainda têm outro problema. A porta de saída para a crise atual, conforme prega a teoria econômica, seria a desvalorização da moeda, seguida, quem sabe, de um pedido de moratória. A partir daí, com maior competitividade na exportação devido a um câmbio mais fraco, o país conseguiria reestruturar suas contas. Como dificilmente seria possível fazer todos os países da zona do euro concordarem com uma desvalorização da moeda, a alternativa simplesmente não pode ser contemplada pelos governos das economias em crise.
O economista norte-americano e Nobel da Economia de 2008, Paul Krugman, sugere que a melhor saída seria um perdão de parte das dívidas dos países com maiores problemas, opção que ainda não foi colocada na mesa. Ele segue a lógica da profecia autorrealizável (a tese de que a crença em uma previsão, direta ou indiretamente, faz com que ela se concretize). A solução para a Irlanda, com um penoso plano de austeridade, coloca os investidores numa situação de duvidar da capacidade do país em honrar seus compromissos. Para compensar esse risco, eles elevam o valor da taxa de juros para a compra de títulos públicos irlandeses, mecanismo utilizado pelo país para a rolagem do pagamento da dívida. "Esse é um processo que se reforça mutuamente: taxas mais elevadas tornam ainda mais difícil para a Irlanda cumprir seus compromissos, o que leva a taxas ainda mais altas, e assim por diante. O resgate europeu basicamente alimenta esse círculo vicioso", disse Krugman em seu blog, ao se referir ao pacote de ajuda da UE e do FMI ao governo irlandês.
Agora a União Europeia se vê diante da ameaça de que a crise se espalhe por outros países. Ainda que Portugal caia, e há muita gente apostando nisso, com rumores inclusive de que a Alemanha estaria pressionando os portugueses a pedir ajuda, a peça-chave para a frear a crise é não permitir a quebra da Espanha. O motivo é simples: não há dinheiro para resgatar os espanhóis. O PIB do país sozinho é maior do que o da Irlanda, Grécia e Portugal juntos.
A boa notícia é que, ao contrário de Portugal, o plano de austeridade espanhol mostrou resultados. A dívida pública diminuiu, os bancos do país continuam fortes e a exportação está crescendo. Ainda assim, o mercado tem suspeitos. Para aplacá-las, o governo precisará mostrar mais disposição para provar que a economia voltará a crescer. A revista The Economist sugere, primeiro, um novo plano fiscal de médio-prazo, com o aumento da idade para aposentadoria de 65 para 6 7 anos. "O futuro do euro depende da Alemanha e do Banco Central Europeu são eles, afinal, os donos do dinheiro. Mas neste momento, Zapatero [José Luis Rodríguez Zapatero, primeiro-ministro espanhol] é a chave. Se ele agir de forma rápida, pode desempenhar um papel vital para evitar o colapso da moeda", concluiu a publicação.