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A forma como o reajuste do plano de saúde é calculado vai mudar

 | Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo
(Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo)

A forma de calcular o reajuste dos planos de saúde individuais e familiares, usados por 9,1 milhões de brasileiros ou 20% do total de usuários no país, vai mudar. Entre terça (24) e esta quarta (25), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) realizou uma audiência pública para discutir o assunto – não por livre espontânea vontade, mas porque vem sendo cobrada a esclarecer a questão pelo Ministério da Fazenda e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Entre os documentos disponíveis para orientar a discussão, a agência propôs – em linguagem técnica demais, diga-se de passagem – uma nova conta, que exclui totalmente os planos coletivos e inclui outras três variáveis. O cálculo que será realmente aplicado, portanto, ainda é um mistério, já que, até por pressão política, a ANS terá de absorver sugestões da sociedade civil sobre o tema.

No último mês de abril, o TCU determinou, em acórdão, que a agência reavalie a metodologia usada para o reajuste e envie à Corte uma proposta que permita “a efetiva aferição da fidedignidade e a análise crítica das informações econômico-financeiras comunicadas à autarquia pelas operadoras de planos de saúde”. A agência tem 180 dias para cumprir o pedido.

Logo depois, em junho, o Ministério da Fazenda, responsável todos os anos por dar o aval ao índice proposto pela ANS, disse, em nota técnica, haver erros conceituais no cálculo da agência. O órgão também disse que a conta da ANS acaba por permitir que o ônus de eventuais falhas de eficiência das operadoras seja repassado ao cliente final, já que o cálculo não leva em consideração nenhum dado de qualidade do serviço prestado.

Mesmo com essas ressalvas, o órgão autorizou o teto de reajuste de 10% proposto pela ANS para este ano. Na esfera judicial, ainda no mês de junho, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) chegou a conseguir uma liminar para limitar o reajuste em 5,72%, variação mais próxima à inflação de 2,76% medida pelo IPCA entre maio de 2017 a abril de 2018. Dez dias depois, porém, uma nova decisão do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, atendendo a um recurso da ANS, suspendeu a liminar dada pela primeira instância da justiça federal.

No recurso, a agência relatou que o cálculo do reajuste é feito com base na média ponderada dos aumentos aplicados aos planos coletivos – aqueles empresariais ou por adesão e que não tem limite determinado pela ANS. Desde 2015, inclusive, são considerados apenas os planos coletivos com mais de 30 beneficiários para esse cálculo.

Ainda que o teto proposto seja, geralmente, menor que os reajustes aplicados pelos planos coletivos (a média deste ano foi de 19%), hoje é impossível para alguém de fora da agência, sem acesso aos dados da ANS, entender e aplicar o cálculo dos planos individuais e familiares de forma clara. Isso ocorre, principalmente, porque os contratos coletivos estão cada vez mais pulverizados e seus reajustes não são públicos – ainda que um parecer de uma comissão da própria agência já tenha recomendado que isso seja modificado.

Os novos fatores de reajuste propostos pela ANS

No lugar da média ponderada dos reajustes dos planos coletivos, a agência propôs uma nova fórmula que leva em conta, principalmente, três fatores:

- os custos médico-hospitalares dos planos individuais, VCMHind (índice medido a partir das despesas per capita que as operadoras têm com consultas, exames, terapias e internações e também a partir da frequência de utilização de todos esses itens);

- Fator de Variação de Faixa Etária (FFE) dos beneficiários, com especial atenção para aqueles que mudaram de faixa e terão, em tese, um peso maior no plano em razão do avanço da idade;

- e p Fator de Variação de Produtividade (FGP), um índice de produtividade do setor em comparação à produtividade da economia em geral, vinculado também a uma indicador de qualidade das operadoras.

O custo médico-hospitalar costuma subir em ritmo bem maior que a inflação. Enquanto nos estudos para a audiência, o VCMH dos planos individuais em 2017 foi de pouco mais de 10%, o IPCA no mesmo ano ficou em 2,94%. Segundo especialistas ligados à área da economia da saúde, porém, é natural que as despesas da saúde suplementar subam bem acima da inflação, principalmente devido a fatores como a introdução de novas tecnologias e o envelhecimento da população.

Em relação ao fator faixa etária, ele se mostrou relevante para uma nova forma de calcular o reajuste dos planos individuais, segundo a ANS, porque esses planos têm mais idosos e mulheres em idade fértil do que o universo geral de planos. São dois tipos de públicos que tem a usar mais serviços ou serviços mais dispendiosos que o público em geral.

Já o índice de produtividade surge como um indicativo de qualidade do serviço prestado, algo até então deixado de fora da conta do reajuste do plano de saúde.

A ANS esclarece que o FFE e o FGP seriam considerados como fatores de expurgo do cálculo do índice de reajuste anual dos planos individuais ou familiares, diante da adoção de uma nova proposta de metodologia.

Essa seria uma forma de não repassar ao beneficiário a variação dos custos que já são calculados no reajuste por faixa etária e de descontar do cálculo valor referente ao aumento de produtividade da economia.

Ideia não é ruim, mas falta transparência até na hora de discuti-la

Especialistas que participaram da audiência e com quem a reportagem conversou disseram que “apenas especialistas em cálculos atuariais devem ter entendido a fórmula proposta” pela ANS no evento. Entre os cerca de 180 participantes da audiência pública, havia consultores atuariais, membros de operadoras e entidades que as representam em seus diversos tipos de atuação, especialistas e representantes de organizações de defesa do consumidor, entre outros.

“Só como exemplo, a agência ‘irmã’ da ANS, a Anvisa, acaba de dar andamento à consulta pública sobre rotulagem nutricional que soube explorar os diferentes atores do processo, com perguntas específicas, por exemplo, para fabricantes e designers de embalagem. A ANS precisa traduzir e trazer a discussão a termos simples para que funcione”, observou a pesquisadora e representante do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete.

Em texto enviado pela assessoria de imprensa, a ANS se refere ao que foi apresentado na audiência como uma reunião de “estudos”, mas pela forma como o assunto foi apresentado ficou parecendo que a agência buscava apenas uma validação da proposta, observou outra fonte especializada em direito do consumidor que participou das discussões.

Ainda assim, vale lembrar, a agência vem discutindo formalmente o reajuste, em comitês, desde 2010 e essas discussões é que basearam a ideia de cálculo apresentada na audiência.

A agência disse que todas as contribuições recebidas na audiência serão consolidadas e disponibilizadas no site da ANS. A autarquia também frisou que “pretende apresentar com celeridade não somente o resultado da audiência pública realizada, como também a continuidade da discussão com a sociedade sobre toda a política de preços e reajustes que envolve os planos de saúde.”

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