De outubro para cá, a Petrobras fez duas reduções no preço da gasolina e do diesel nas refinarias, mas o consumidor não sentiu qualquer diferença no bolso na hora de encher o tanque. Considerando os cortes realizados nos dias 14 de outubro e 9 de novembro, a economia nas bombas seria de R$ 0,10 no caso da gasolina e R$ 0,25 para o diesel, caso o repasse fosse integral. Em muitos casos, além de não baixar, o preço médio desses combustíveis até subiu um pouco, segundo um levantamento feito pela Agência Nacional do Petróleo em todo o país.
O desconto ficou no meio do caminho entre a refinaria e o consumidor final. Os postos de combustíveis e as distribuidoras dizem que o aumento do preço do etanol anidro, que compõe em cerca de 27% a mistura da gasolina no país, compensou a redução promovida pela Petrobras. De fato, essa justificativa vale para a gasolina. O preço médio do etanol anidro até o dia 18 deste mês é 27,1% maior que a média de julho deste ano, quando os preços começaram a subir, detalha Walter de Vitto, analista de energia da Tendências Consultoria.
Nas mãos de poucos
Um processo de fusões e aquisições que começou ainda na década de 1990 tirou do mercado bandeiras conhecidas na área de distribuição de combustíveis. Mais recentemente, em 2008, a Ultrapar, dona da Ipiranga, comprou a distribuição de combustíveis da Texaco no Brasil, da Chevron. Em junho deste ano, a Ipiranga comprou a rede Ale, que é forte na região Nordeste. Em 2010, a Cosan, maior produtora de etanol do Brasil, comprou a Esso no Brasil e entrou no mercado de distribuição de combustíveis. Depois, Cosan e Shell criaram a Raízen. Em outubro deste ano, a Petrobras iniciou o processo de venda de parte do controle da BR Distribuidora.
A conta, porém, é mais complexa. O preço da gasolina nas refinarias equivale, em média, a apenas 29% do preço final do combustível, segundo cálculo da Petrobras feito com base nos preços médios ao consumidor das principais capitais. Até chegar ao consumidor ainda são acrescidos mais 39% de impostos; 16% do custo do etanol; e por fim, mais 16% de margens de comercialização de distribuidoras e postos. O diesel, por outro lado, sai mais caro da refinaria, tem menos impostos e mais espaço para a margem na distribuição e revenda (cerca de 23%).
Desde dezembro de 2001, os preços dos combustíveis são liberados no país. Isso significa que todos os agentes da cadeia são livres para definir suas margens. A Petrobras passou quatro anos – de 2011 a 2014 – vendendo combustíveis abaixo do preço do mercado internacional como parte de uma política do governo, o que levou a um prejuízo estimado de mais de R$ 50 bilhões no seu caixa.
Mais transparência
A esperança é que a nova política de formação preços da Petrobras, com revisões mensais e preços mais alinhados ao mercado internacional, traga mais transparência e concorrência para o setor. Mas a relação não é direta, explica Jean-Paul Prates, diretor da Consultoria Expetro (Rio) e presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE).
“No Brasil, o consumidor e a cadeia produtiva nunca estiveram acostumados a preços reajustados bimestralmente, mensalmente ou, como é nos Estados Unidos, quase em tempo real. Isso é uma política dos americanos, de preços totalmente livres, que é possível porque a cadeia produtiva do país é bastante diversificada e competitiva”, afirma Prates.
Aqui o mercado é monopolístico. A Petrobras domina a produção e parte importante da distribuição. As três maiores distribuidoras do país – BR Distribuidora, Shell (Raízen) e Ipiranga – têm 73,7% desse mercado no país. Também por isso, a sinalização de uma nova orientação de preços foi tão bem vista pelo mercado, pontua De Vitto, da Tendências.
O controle de preços da Petrobras durante o governo Dilma, com a venda abaixo do preço internacional, dificultava a concorrência de importadores e de Manguinhos, a única refinaria privada do país. A gasolina chegou a ser 32,9% mais barata do que lá fora, enquanto o diesel acumulou 30% de defasagem. Atualmente, mesmo com os dois cortes, o preço da gasolina nas refinarias da Petrobras está 19,2% acima da média dos preços no exterior lá fora e o do diesel, 12,8%, segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
“A nova orientação limita preços abaixo do mercado internacional, mas nada impede que o consumidor continue pagando mais aqui pela gasolina. A Petrobras domina o setor de refino no Brasil e tem poder para praticar preços mais altos”, diz De Vitto.
Refinaria de Manguinhos e distribuidoras brigam nos bastidores
O não repasse dos cortes de preço feitos pela Petrobras nas refinarias aos consumidores foi usado como mais um argumento em uma briga que acontece nos bastidores do mercado de combustíveis. Em uma nota divulgada no início deste mês, a Refinaria de Manguinhos, única privada do país, acusa as empresas filiadas ao Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) de cartelização de preços no setor de combustíveis e de atuar para impedir a competitividade no setor. Mais especificamente, Manguinhos diz que as empresas do Sindicom estariam alugando quase todo o espaço de armazenagem no Porto de Santos apenas para impedir que concorrentes importem combustíveis e vendam a preços mais baixos no mercado brasileiro.
A nota, segundo a Refinaria, foi um contra-ataque a uma campanha difamatória comandada pelo Sindicom para desmoralizar Manguinhos. Isso teria sido feito por meio de dossiês, elaborados e distribuídos pelo sindicato, com acusações de sonegação baseadas em informações protegidas por sigilo fiscal. Em sua defesa, a Refinaria diz que trava disputas judiciais para tentar quitar parte de seus débitos fiscais através da compensação de créditos a receber dos estados. O Sindicom não retornou ao pedido de entrevista da reportagem.
Única refinaria privada do país, Manguinhos refina cerca de 40 mil metros cúbicos de petróleo por mês, o equivalente a 0,41% de toda a produção nacional. Para efeito de comparação, a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, produz 8,3 milhões de metros cúbicos de combustíveis por mês e reponde por 10,8% da produção nacional. O Sindicom não retornou ao pedido de entrevista da reportagem.
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