Esperança de injeção de ânimo na atividade global em 2015, a economia dos EUA derrapou no primeiro trimestre e gera questionamentos sobre sua capacidade de reação no restante do ano, quando deveria crescer entre 2,4% e 3%. Embora tenha sido castigado pelo inverno rigoroso e por uma greve portuária na Costa Oeste, o Produto Interno Bruto (PIB) americano está sendo prejudicado por questões que estarão no cenário por mais tempo, como preço baixo do petróleo e valorização do dólar.
Esses fatores se combinam para derrubar as exportações e os investimentos. Para piorar os prognósticos, um fenômeno intriga os economistas: as famílias, que se beneficiam de gasolina e produtos importados mais baratos, não estão usando a folga orçamentária para comprar bens, serviços e imóveis. O consumo move dois terços da economia dos EUA, a maior do planeta.
A previsão de expansão no primeiro trimestre, que encerrou 2014 num consenso de 3%, foi frustrada. Na sexta-feira, o Departamento de Comércio revisou o resultado de alta de 0,2% para queda de 0,7% na taxa anualizada.
Muitos economistas acreditam que haverá uma virada ao longo do ano, mesmo com os números desanimadores de abril e maio. O modelo do Federal Reserve (banco central) regional de Atlanta, porém, já incorporou a realidade: para um consenso de mercado de alta de 2,9% do PIB no segundo trimestre, o Fed prevê crescimento de só 0,8%.
Um dos motivos é a cautela excessiva dos consumidores. Segundo dados compilados pela consultoria Mesirow Financial, sediada em Chicago, as famílias adotaram comportamento defensivo, antecipando o pagamento do cartão de crédito referente a gastos de fim de ano e férias de inverno para fevereiro.
Boa notícia para o brasil
Os analistas especulam alguns motivos para isso. O primeiro é a resposta lenta dos salários, que subiram só 2,2% no último ano. Sem grande recuperação das perdas do pós-crise, não está sobrando para a casa própria, por exemplo, cujo custo está em alta.
Mesmo com a gasolina recuando 33% em 12 meses (indicador-chave num país dependente de carros), liberando US$ 100 bilhões para os bolsos das famílias, os americanos esperam sinalização de que o preço baixo veio para ficar, afirma a economista-chefe da Mesirow, Diane Swonk.
A criação de vagas caiu à metade no primeiro trimestre, para 591 mil, contra 973 mil de janeiro a março de 2014. O pé atrás dos americanos sugere trauma com a recessão e a lenta recuperação após a crise de 2008.
— Com a folga de dinheiro com preços mais baixos da gasolina, os consumidores ou estão cautelosos, escolhendo poupar a maior parte da sobra, ou há defasagem maior do que supúnhamos para que a sobra vire gasto. Pode ser que os consumidores tenham aprendido com a crise e tenham se tornado mais conservadores no manejo dos ganhos e da dívida — diz Ethan Harris, economista do Bank of America.
Outro fator é o comportamento do dólar, que passou entre junho e março pela maior valorização (12,1%) desde o fim de 1997, momento mais agudo da crise asiática. No primeiro trimestre, as exportações caíram 7,2%, chegando a uma queda de 13,3% considerando-se apenas produtos industrializados. Isso amplia o mau humor dos empresários, que cortam investimentos, especialmente em petróleo e gás.
A indústria de energia era a única dinâmica em termos de investimento nos EUA nos últimos anos, devido à expansão do shale gas. Com a derrocada da cotação do petróleo, porém, as operações ficaram mais caras e as companhias frearam drasticamente.
Desde outubro, o total de poços explorados nos EUA caiu 50%, segundo a prestadora de serviços Baker Hughes, o que encolheu em US$ 25 bilhões os investimentos no setor. Fornecedores como a Halliburton reduziram individualmente investimentos programados em US$ 500 milhões.
Nem toda a queda do investimento vem da exploração de petróleo, diz Kevin Logan, economista-chefe para EUA do HSBC:
— Gastos em construção comercial e residencial caíram, bem como investimento público. Esperamos que, passado o inverno e com taxas de financiamento imobiliário baixas, haja recuperação. A taxa de formação bruta de capital fixo (investimento), que cresceu 7% no segundo semestre de 2014, não deve passar de 1% de janeiro a junho de 2015.
O quadro não deverá detonar uma resposta fiscal do setor público, devido ao conservadorismo dos republicanos, que comandam o Congresso. Analistas avaliam que a incerteza em torno do PIB retira do Federal Reserve segurança de que o crescimento entrou em rota sustentável.
A desaceleração do emprego e os ganhos salariais marginais retiram um pouco de confiança no mercado de trabalho. E, combinados, os fatores anteriores reforçam a perspectiva de inflação abaixo da meta de 2% perseguida pelo Fed. A esperada primeira alta dos juros dos EUA desde 2008 não ocorrerá em junho e periga não acontecer na reunião do Comitê de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) de setembro.
Para o Brasil, é boa notícia. Espera-se que a retomada da alta dos juros, encerrando mais de sete anos de política monetária expansionista, provoque turbulência nos mercados, com investidores deixando emergentes e voltando aos EUA. Quanto mais tarde ocorrer, mais tempo o Brasil ganha para rearrumar a casa e religar os motores de seu PIB.
A economia brasileira se beneficia de um dólar mais forte, que aumenta a atratividade dos produtos no mercado americano. Mas a vantagem é parcial, pois parte da competitividade é retirada por gargalos estruturais e pela boa posição de outros países para abocanhar fatia das importações dos EUA.