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PREÇOS

A luta de Bacha pela inflação baixa

“Independentemente das oportunidades que o mundo ofereça, a questão é como elaborar uma política de médio prazo para, simultaneamente, baixar os juros e baixar a inflação.” -Edmar Bacha, economista | Rafael Andrade/ Folhapress
“Independentemente das oportunidades que o mundo ofereça, a questão é como elaborar uma política de médio prazo para, simultaneamente, baixar os juros e baixar a inflação.” -Edmar Bacha, economista (Foto: Rafael Andrade/ Folhapress)

Um dos formuladores dos planos Cruzado e Real, Edmar Bacha quer ver a inflação controlada como conquista definitiva da sociedade. Ele, que acaba de lançar o livro Belíndia 2.0 - Fábulas e ensaios sobre o país dos contrastes (Ed. Civilização Brasileira), alfineta as elites que não querem ver o mercado aberto às importações e sugere que a distribuição de renda melhorou, mas o país ainda está no meio do caminho.

Em 1974, o economista Edmar Bacha cunhou o termo "Belíndia" em um artigo no qual mostrava como o milagre econômico estava levando a uma enorme concentração de renda, fazendo do Brasil um misto de Bélgica com Índia. Mais tarde, em 1985, Bacha recorreu novamente às fábulas para mostrar o Brasil como o país dos contrários ao assinar "O fim da inflação no reino de Lisarb". Após a redemocratização, ele participou da elaboração dos planos Cruzado e Real, foi presidente do IBGE e do BNDES. Em julho deste ano, em artigo no jornal O Globo, abordou "O discreto erotismo da macroeconomia", mostrando as dificuldades de se alcançar o equilíbrio das posições entre oferta e demanda, entre a dor da verticalidade e o prazer da horizontalidade, explicitando a eterna disputa entre desenvolvimentistas e monetaristas. Confira trechos da entrevista:

No livro, o senhor discute a dificuldade de reduzir os juros reais no Brasil. Agora começam a surgir críticas de que eles já estariam baixos demais e que a inflação é um risco. Alguns falam que o Banco Central estaria sendo irresponsável. Qual é a sua avaliação?

A minha avaliação é que o Banco Central foi oportunista, no bom sentido da palavra. A conjuntura internacional estava muito deprimida, com repercussões na economia brasileira, então o BC aproveitou a ocasião para usar o instrumento dos juros. Eu não tenho nada a reprovar nesta ação, inclusive porque o BC antecipou muito melhor que a grande maioria dos economistas a gravidade da situação internacional, principalmente na Europa. A questão é que o Banco Central agora está reduzindo os juros enquanto a taxa de inflação do Brasil está bem acima da meta, isso é o que preocupa. Então, se olhar só o cenário interno, qualquer um diria que o Banco Central está sendo irresponsável.

Uma das propostas que o senhor apresenta no livro é incluir na Constituição o objetivo de manter a inflação baixa. Como seria isso?

Na Constituição, há vários itens que preveem a manutenção do poder de compra, do salário mínimo, das pensões, dos salários dos funcionários públicos. Os juízes, inclusive no Supremo, quando legislam sobre o seu próprio salário, citam que não estão aumentando o salário, estão apenas repondo a inflação, como a Constituição prevê. Isso é perigoso. Não é perigoso agora, quando a inflação está relativamente baixa, mas estabelece um precedente. Já que os juízes podem, os aposentados podem, o salário mínimo pode, então pode-se usar o princípio da isonomia, que está na Constituição também, e garantir reajuste salarial independentemente de negociação. A minha proposta é incluir na Constituição que o alcance da estabilidade de preços é um objetivo básico da organização econômica do país. Com a estabilidade de preços na Constituição, é possível introduzir uma meta de inflação de longo prazo, de 3% ao ano, para que haja convergência dos reajustes, não pela inflação passada, mas por esses 3%.

O senhor afirma no novo livro que um problema da economia brasileira é o excesso de indexação. Como resolver isso?

O Banco Central hoje só atua sobre 70% (dos preços), porque 30% estão indexados pela inflação passada. Então, sobre esses 70%, o BC tem de atuar muito mais fortemente. Outro problema mais complicado que os preços administrados é o crédito direcionado. Ao mexer com a Selic, o BC não mexe com as taxas dos créditos subsidiados, que são 30% do total (de crédito). Quando o BC aperta o crédito, o único crédito que ele aperta é o crédito livre, então o Banco Central precisa apertar muito mais do que seria necessário caso a Selic valesse para total de crédito da economia.

O senhor diz que, na conquista da estabilidade, o país acaba testando o tempo todo os lobbies das elites. Como senhor vê esse lobby hoje?

Eu acho que, neste país, existe uma enorme resistência à palavra abertura. Nós somos o país mais fechado do mundo. É patético você olhar tanta reclamação contra importação e constatar que ainda hoje, mesmo com as importações tendo aumentado, a sua participação no PIB é a menor do mundo.

A redução da desigualdade é uma conquista que veio para ficar? O que ficou para trás?

A alta inflação ficou para trás, a ditadura ficou para trás. A distribuição de renda perversa está ficando para trás. Mas as necessidades também são muito prementes. Como temos só 50% da população com saneamento básico? Saúde pública ainda é uma vergonha, a educação não ensina. A violência continua sendo uma das mais altas do mundo. Somos o sexto país em homicídios. São problemas que não deveriam pertencer a um país de classe média. O Brasil está bem ou mal? Se olha para trás, está bem. Se olhar para os lados, também. Mas, se olhar para o futuro, ainda restam muitas dúvidas.

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