Ponderações
É preciso se preparar para um crescimento ordenado, diz professor
Para o professor José Luiz Fernandes Cerveira Filho, que leciona Sociologia Ambiental no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a incerteza dos moradores de Ortigueira é um bom sinal. Segundo ele, isso aponta para uma preocupação com os eventuais efeitos negativos que a vinda de muita gente para a cidade pode gerar. Ele cita o exemplo da unidade Monte Alegre da Klabin, cuja inauguração, em 1946, foi decisiva para dar origem o município de Telêmaco Borba em 1963.
"A riqueza, neste caso, ficou concentrada no município e não foi espraiada para a região. Do outro lado desse processo de desenvolvimento, vemos uma cidade de interior [Telêmaco] com índices de violência semelhantes aos das grandes cidades", afirma. Segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Paraná (Sesp), Telêmaco Borba teve 29 homicídios dolosos quando há intenção de matar em 2012, para uma população de menos de 70 mil habitantes (aproximadamente 0,4 caso para cada 1 mil habitantes). A capital teve 597 casos para uma população de 1,8 milhão (aproximadamente 0,3 caso para cada 1 mil habitantes). Ou seja: proporcionalmente, o número de homicídios dolosos em Telêmaco é maior que em Curitiba.
População tem incertezas sobre nova fábrica
"Será que vai dar certo?" Essa pergunta não sai da cabeça de muitos moradores de Ortigueira e região que sonham com um emprego no empreendimento histórico. O carpinteiro Edivaldo Casturino Marins, de 39 anos, que está trabalhando na construção de um sobrado, garante que faz um pouco de tudo. "Também faço bico de pedreiro, eletricista, encanador. O que precisar, estamos às ordens", diz, animado. Ele já tem o currículo cadastrado na Klabin e não esconde uma certa ansiedade. No entanto, ele afirma que a proposta de emprego terá de ser boa, pois não quer sair perdendo.
Nos últimos anos, em um processo bem diferente da vizinha Telêmaco Borba, que também tem uma unidade da empresa, a cidade de Ortigueira viu vários de seus moradores irem embora, o que deixou vários segmentos profissionais bastante valorizados devido à escassez de mão de obra. Um trabalhador da construção civil chega a ganhar mais de R$ 4 mil ao mês na cidade, dependendo das condições climáticas e da oferta de serviço. Há quatro anos, Edivaldo deixou o emprego que tinha em um frigorífico para trabalhar na construção civil.
O pedreiro Josimar Cassula, 30 anos, que trabalha na mesma construção, ao contrário do amigo, mostra-se mais indeciso. Ele ainda avalia se quer participar do processo de seleção para o empreendimento. "Vai vir muita gente para cá e muitas dessas pessoas, na verdade, vão estar voltando para a cidade depois de anos fora daqui", avalia.
Da janela do sobrado em construção, vê-se uma cidade repleta de casas simples e "engolida" pela zona rural. A imagem é quase um paradoxo em relação ao processo de inflação que Ortigueira vive. Funcionário da única imobiliária da cidade, Douglas Ferraz afirma que os preços dos terrenos e das casas, seja para compra ou aluguel, estão cerca de 20% mais caros que há cerca de um ano. "Nunca houve tanta procura por imóveis na cidade. E foi um processo muito rápido", aponta.
Uma cidade pequena, com menos de 25 mil habitantes, cerca de 60% deles vivendo na zona rural, com escolas superlotadas, sem hospital e apenas cinco policiais nas ruas. Na contramão do amargo título de localidade paranaense com o pior Índice de Desenvolvimento Humano no Estado (IDH), com base em dados populacionais do ano 2000, o município de Ortigueira, nos Campos Gerais, vive a expectativa de receber uma unidade da maior produtora de papel do Brasil, a Klabin, cuja construção está orçada em R$ 6,8 bilhões. A cifra fica ainda maior se comparada ao orçamento da cidade para o ano de 2013: R$ 40,16 milhões, menos de 0,6% dos gastos previstos na obra da fábrica.
Como o Projeto Puma, assim apelidado pela Klabin, ainda não foi aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, não existe uma data exata para o início das obras da fábrica, cuja sede ficará cerca de 15 quilômetros distante de Ortigueira. Mesmo assim, a Klabin estima que só essa unidade gere cerca de R$ 70 milhões anuais apenas em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Das 12 cidades da região que serão beneficiadas, Ortigueira vai receber a maior fatia do ICMS 50% por ser a sede do empreendimento. Com isso, o orçamento do município deverá quase dobrar.
Preocupação
Ao mesmo tempo, a situação anima e preocupa o secretário municipal de Administração, Altair Campos. Mesmo com a perspectiva de uma injeção de recursos dessas proporções, ele reconhece que Ortigueira não está preparada para receber a população flutuante que começa a procurar a cidade. Só para o pico da obra, no 20.º mês depois do início da construção, a Klabin afirma que cerca de 8 mil pessoas estarão trabalhando ao mesmo tempo.
O número equivale a quase um terço da população atual. "Claro que é um empreendimento muito bom para Ortigueira", diz Campos. "Vai trazer uma série de benefícios, mas precisamos de um compromisso do governo do estado em nos ajudar nesse processo, pois o município não tem condições de dar conta de tudo isso sem apoio."
Apesar de a Klabin não confirmar a informação, segundo ele, uma atividade de preparação do solo do terreno onde vai ficar a fábrica deve ser iniciada nas próximas semanas.
Governo fala em capacitar 8 mil, mas Klabin aponta para 1,6 mil
A Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego e Economia Solidária está organizando um mutirão para promover a qualificação de cerca de 8 mil funcionários que estarão trabalhando até o pico da obra. Os planos, no entanto, não batem com o discurso de capacitação imediata de menos de 2 mil trabalhadores da Klabin e com a contratação do restante já com experiência.
Segundo o governo estadual, os cursos serão realizados através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), em parceria com o Serviço Nacional da Indústria (Senai) que vai oferecer cursos rápidos, com duração mínima de 160 horas e do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), que oferta cursos mais longos, com duração média de seis meses.
De acordo com um dos diretores da Secretaria, José Maurino de Oliveira Martins, não se sabe precisamente o que este esforço coletivo vai representar em termos de gasto, mas, por enquanto, o custeio estaria sendo feito por meio de verbas federais do Projovem e do Pronatec. "Os primeiros cursos devem começar já em março deste ano", avisa.
As Agências do Trabalhador da região devem ajudar não só com o cadastro e a seleção dos interessados em trabalhar na obra, como também oferecer estrutura para capacitação. Nas cinco cidades onde não há uma unidade da Agência, o governo fala em levar uma unidade móvel. A compra do veículo, no entanto, ainda está em fase de licitação. "Esse ônibus que pretendemos adquirir vai ser usado pelo estado em diversas ações da Agência, não apenas para o empreendimento de Ortigueira. Ainda não sabemos, exatamente, quando ele vai estar à disposição", explica Maurino.
Ainda segundo ele, um levantamento feito pela Secretaria aponta que a maior parte dos currículos disponíveis nas unidades da Agência da região são de homens principalmente nas faixas de 18 a 24 anos e 30 a 39 anos que sequer completaram o ensino fundamental.
O foco, por enquanto, é a busca por profissionais das áreas de construção civil, elétrica, segurança do trabalho e mecânica industrial. Apesar dos números da Secretaria, a Klabin afirma, por meio de assessoria, que só deverão ser capacitadas 1,6 mil pessoas, a partir do segundo trimestre deste ano, e que as outras 6,4 mil seriam mão de obra já com experiência nas funções.
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