A crise financeira começa a chegar ao agronegócio através das barreiras ao crédito e da queda dos preços das commodities. O cenário mobiliza os representantes de produtores e da agroindústria e muda as previsões de produção do ciclo 2008/09. Eles cobram avaliações mais realistas do governo federal argumentando que o setor é o principal canal de interferência externa na economia brasileira, por ser responsável pelo saldo positivo da Balança Comercial. O agronegócio responde por um terço das exportações do país.
Os produtores enfrentam dificuldade para financiar parte da safra 2008/09. "Os recursos que viriam das tradings, um terço de todos os financiamentos, estão chegando com restrições. O produtor está ficando sem dinheiro para avançar no plantio", afirma o porta-voz da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Carlos Augusto Albuquerque.
Os próprios R$ 78 bilhões previstos para o sistema de crédito rural, que também representam cerca de um terço dos recursos para a safra, podem não chegar totalmente ao setor pela retração dos bancos, afirma. Ele avalia que o produtor tem que investir o que lucrou nas duas últimas safras e vai usar tecnologia mais barata que a do ciclo 2007/08.
"Os custos de produção aumentaram 30% e o crédito oficial cresceu cerca de 10%. A diferença seria financiada pelas tradings, que estão retraídas." A estimativa é que 20% dos financiamentos necessários à safra 2008/09 ainda não tenham sido tomados.
"As restrições de crédito estão aparecendo claramente desde o início de outubro. O produtor terá menos dinheiro. Além disso, nenhuma operação está sendo renovada com o custo original", afirma o presidente do Sindicato e Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), João Paulo Koslovski. As cooperativas representam mais da metade do agronegócio no estado.
A Ocepar recorre ao governo federal para salvar a renda de 2008, adiando os efeitos da crise para o ano que vem. A entidade quer garantia de que os contratos para investimento, de R$ 1,27 bilhão neste ciclo, serão mantidos. Dois terços desses recursos devem vir do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Segundo Koslovski, ainda existem condições para as cooperativas do estado alcançarem os R$ 20 bilhões de arrecadação previstos para 2008, contando com R$ 2,6 bilhões das exportações. O valor é R$ 1,5 bilhão maior que a renda bruta do ano passado. Já em relação a 2009, não há segurança, declara.
"A crise global está sendo subestimada", afirma o doutor em Economia Agrícola Eugênio Stefanelo, técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Com as dificuldades no crédito, diz ele, "a área cultivada pode não se expandir como o previsto e a produção, não chegar aos 143 milhões de toneladas esperados em âmbito nacional".
Cotações
A principal interferência, ressalva Stefanelo, virá dos preços das commodities no ano que vem. De julho para cá, as cotações em Chicago caíram significativamente. O milho passou de US$ 16 para US$ 9 o bushel (25,4 quilos), diante de uma média histórica de US$ 6,2 dólares. O bushel de soja (27,2 quilos) caiu de US$ 5,5 para US$ 4, com média histórica de US$ 2,5. No trigo, o movimento se repetiu, com queda de US$ 8 para US$ 6 o bushel (27,2 quilos), ainda acima da média de US$ 3,5.
"Os reflexos da crise só não chegaram fortemente ao Brasil por causa da alta do dólar. No ano que vem, os preços não devem cair a ponto de voltarem às médias históricas, mas dificilmente vão se manter nos preços de junho na próxima safra", prevê Stefanelo.
Segundo os produtores, os custos seguiram as cotações recordes, o que elevou as apostas na safra 2008/09. O Paraná ainda tem 80% do trigo desta safra e cerca de 60% do milho safrinha para vender.