Classificações esbarram na realidade
A classe média vem sendo definida em discussões que contrapõem os próprios especialistas que se debruçaram sobre o assunto desde setembro do ano passado, no grupo formado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência. Não há consenso sobre a posição política e econômica dos emergentes. E muitos integrantes dessa maioria não se reconhecem como classe média.
A filósofa Marilena Chauí, da Universidade de São Paulo (USP), considera, por exemplo, que a classe média "tende a ser um problema político sério". Isso porque, "não detém o poder do Estado nem o poder social da classe trabalhadora organizada". Em sua avaliação, essa maioria raramente encontra "um interesse comum que a unifique".
Não é exatamente o que orienta a SAE. A economista Diana Grosner sustenta que a classe média é essencialmente trabalhadora, com carteira assinada. "Mais da metade dos postos de trabalho formais, precisamente 57%, são ocupados pelos integrantes da classe média", argumenta. Esse dado definiria boa parte das ansiedades do grupo.
Mas não é difícil encontrar situações distantes de definições e extremamente complexas, a ponto de representarem um desafio para o governo federal. Trabalhadores que pertenceriam à classe média, pela classificação baseada na renda, não se reconhecem como tal e afirmam que os programas tradicionais não suprem suas necessidades.
Manoel Ribeiro, 32 anos, vendedor ambulante que trabalha legalizado no Centro de Curitiba, conta que a renda em sua casa passa de R$ 1 mil por pessoa, três vezes o necessário para se pertencer à classe média. Porém, do seu ponto de vista, para sair da pobreza uma pessoa deve ter pelo menos casa e carro, "e conseguir sustentar seu patrimônio".
Ele não se considera da classe média pela sua própria rotina. Mora de aluguel, depende de ônibus e acorda todo dia às 5 horas, em São José dos Pinhais, para estar no centro de Curitiba por volta das 6 horas. Trabalha o dia todo na rua, chova ou faça sol, e só chega em casa às 22 horas, depois de cerca de uma hora no transporte coletivo.
Ribeiro considera que precisaria voltar a estudar para buscar um trabalho com novas perspectivas, "mas não tenho tempo e não existem programas para situações como a minha". Com apenas quatro anos de escola, teria de mudar sua rotina para se qualificar e, quem sabe, montar uma empresa.
A multidão que melhorou de vida na última década e compõe a "nova classe média" brasileira hoje 54% da população será incumbida de garantir a próxima fase de desenvolvimento econômico do país. Em paralelo a medidas que tentam rebater efeitos da crise internacional, o governo federal decidiu ampliar suas apostas nesse grupo, nem pobre nem rico, e encarregá-lo de ampliar o consumo ainda neste ano.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência reuniu estudiosos nos últimos meses, fez um primeiro esboço dessa imensa maioria ainda pouco conhecida e, a partir de setembro, passará a identificar o que essas famílias precisam para melhorar de renda e estimular a produção de alimentos, os serviços, o comércio e a indústria. Esses apontamentos estarão em cadernos mensais, batizados de Vozes da Classe Média, que vão servir de base para políticas públicas e também para investidores privados, informa a SAE.
"Vamos falar bastante da classe média a partir de setembro. Agora que o problema da pobreza está sendo bem cuidado, nos preocuparemos mais com esse grupo enorme, para que ele possa se consolidar, progredir e puxar a economia", disse a economista Diana Grosner, que vem coordenando as pesquisas sobre a população emergente na SAE.
As "vozes da classe média" vão direcionar políticas públicas e servirão de orientação para setores privados como o imobiliário, o educacional, o de comércio de bens de consumo e o de turismo, cita o economista Miguel Foguel, do Instituto de Economia Aplicada (Ipea), órgão ligado ao Ministério do Planejamento.
O primeiro esboço da classe média, que envolveu diretamente 20 especialistas (13 do governo) desde setembro do ano passado, concluiu que os 103 milhões de habitantes nem pobres nem ricos estão em situações econômicas mais diversas do que se imagina. Ou seja, têm necessidades específicas, que exigem medidas pontuais.
Perfis
As classificações usadas pelo governo e pelos institutos privados são consideradas insuficientes para o entendimento da nova classe média. "É pouco provável que o grupo reconhecidamente heterogêneo que resultou das múltiplas mudanças sociais ocorridas recentemente no país satisfaça a qualquer das definições existentes", afirma o relatório dos pesquisadores.
Mesmo assim, optou-se por uma classificação baseada na renda familiar per capita. "Propusemos uma definição fácil de comunicar, medida pela renda e com uma base conceitual sólida", afirma a especialista da SAE. Ela defende que essa estratégia, que deve ser usada por pelo menos dez anos, é necessária para todos saberem se a "nova classe média" está crescendo ou não. Os cadernos Vozes do Brasil, ainda sem número definido de edições, terão o objetivo de identificar as particularidades dos grupos que compõem a classe média, também regionais, e possíveis alterações.
Renda coletiva
Pela classificação adotada pela Presidência (veja quadro nesta página), basta que uma pessoa tenha renda acima de R$ 291 para estar na classe média. A economista da SAE admite que esse valor, isoladamente, é pouco. Diana argumenta, porém, que as pessoas vivem em famílias de quatro integrantes em média e que, associadas, ampliam seu poder de compra.
Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE, a SAE considera que a classe média passou de 43% da população para 54% de 2001 para cá. Esse fenômeno é apontado como mola propulsora da economia brasileira o grupo dos pobres foi reduzido de 38,7% para perto de 20% no período.
A estratégia do governo é fazer com que essas pessoas que saíram da pobreza continuem ascendendo. Por enquanto, porém, quem tem conseguido passar para a classe alta são as famílias da classe média tradicional, considera a economista da SAE.
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