Decorridos quase nove meses desde que o presidente Michel Temer assumiu o cargo, o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, já não vê o Brasil à beira do precipício, como nos tempos de Dilma Rousseff. Segundo Arminio, apesar de alguns tropeços aqui e ali, da crise política e das incertezas geradas pela Lava Jato, houve uma “mudança de peso” na economia no governo Temer. “Aquela sensação de que o Brasil era um trem desgovernado passou”, afirma.
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Ainda assim, ele acredita que a tarefa de recolocar o país nos eixos está longe de acabar e que serão necessários “muitos ajustes e muitas reformas” para isso acontecer. Nesta entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Arminio fala também que a volta do crescimento será lenta, porque “não estamos vivendo um ciclo econômico normal”, e que o setor privado tem a sua parcela de culpa na crise.
Arminio Fraga é graduado e mestre em economia pela PUC-Rio e doutor pela Universidade de Princeton, nos EUA. Trabalhou no banco Salomon Brothers, em Nova York, e no fundo de George Soros. Presidiu o BC de 1999 a 2002. É sócio da Gávea Investimentos.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Arminio ao jornal:
Passados quase nove meses desde que o presidente Michel Temer assumiu o cargo, em 12 de maio, qual é a sua avaliação do governo?
No geral, a minha visão é de que, desde o afastamento da presidente Dilma Rousseff, houve um avanço. Apesar do ambiente político carregado, houve algumas reformas importantes. Agora, existe uma agenda. Boa parte dela foi apresentada antes de mesmo do impeachment, o que ajudou bastante. Essa agenda inclui itens muito importantes, com impacto no longo prazo, como o controle dos gastos públicos e a reforma da Previdência. Além das mudanças que envolvem o Legislativo, vale a pena destacar o que vem acontecendo na Petrobras, no Banco Central, no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na Eletrobras e em outros lugares. Isso faz parte desse quadro de mudança que está em curso e já mostra bons resultados. É verdade que, de vez em quando, uma coisa ou outra negativa acontece. O País vive uma recessão colossal e ainda há muita incerteza, muito sofrimento, pela frente. Há muita incerteza também em relação ao que vem por aí em 2018, nas eleições presidenciais. Mas, dentro do possível, acredito que o governo tem trabalhado bem.
Na avaliação de muitos analistas, o cenário melhorou bastante em relação ao governo Dilma. A inflação está dentro da meta, os juros estão em queda, o país está voltando a crescer, a confiança dos empresários e dos consumidores aumentou. O senhor tem a mesma percepção?
Não há dúvida. Houve uma mudança de peso em relação ao que se tinha antes. Eu tinha uma leitura muito negativa do que estava acontecendo no governo anterior. Achava que o Brasil caminhava para o caos. Mesmo. Esse caminho foi invertido. Antes, às vezes, surgiam problemas e eles iam aumentando, porque não eram enfrentados de forma adequada. Agora, os problemas surgem, mas geram uma reação de correção. Isso é muito bom. Hoje, o Brasil segue vulnerável, mas aquela sensação de que era um trem desgovernado, de que estávamos indo para o precipício, passou. Não é nada fácil a missão que eles têm pela frente, porque pegaram um quadro de terra arrasada e vêm conseguindo avançar, a despeito de tudo o que está acontecendo no meio político e no Judiciário, que não é pouca coisa, embora seja, obviamente, muito positivo para o país.
O que o senhor quer dizer ao chamar a herança recebida pelo governo Temer de “quadro de terra arrasada”?
Houve uma extraordinária deterioração no crédito do governo, nas finanças públicas de forma geral, dos Estados e dos municípios, que vai exigir um esforço monumental de correção. Houve também uma impressionante perda de dinamismo e de produtividade da economia, como resultado de uma série de políticas equivocadas adotadas pelo governo anterior, batizadas depois de Nova Matriz Econômica. O Estado se tornou não apenas um veículo para a adoção de políticas populistas. Ele foi capturado por interesses partidários e por interesses privados. Em função dessa captura, o Estado fazia mal à economia, para beneficiar alguns poucos, para que ajudassem a perpetuar esse modelo. Tudo isso se mistura e tem raízes comuns com o que está acontecendo no mundo político. Hoje, isso tudo está sendo exposto - e é uma das coisas boas do que está aí - e aos poucos vem sendo corrigido. Mas não é uma doença de tratamento fácil.
Depois de dois anos de recessão e outro de crescimento quase zero, o governo prevê um aumento de apenas 1% no PIB em 2017. Não é pouco?
Nós não estamos vivendo um ciclo econômico normal. Ele está embrulhado com todas essas outras questões. Normalmente, quando se vive uma recessão dessa magnitude, a economia tem uma reação natural. É o famoso ciclo econômico. Chega um ponto em que o ciclo se esgota e começa a se reverter. Em parte, isso está acontecendo, mas, como não é um ciclo normal, a retomada está sendo mais lenta. As incertezas vão seguir elevadas, não só as externas, que assustam, mas também as internas. Isso também atrapalha. Não tem jeito.
O governo Temer pelo menos parece empenhado em deixar o setor privado trabalhar de uma forma mais solta...
É verdade, mas o setor privado ficou meio viciado nisso tudo. Foi parte disso tudo. É preciso não isentar de culpa o setor privado. Enquanto esse modelo complicado não for corrigido, o setor privado não terá condições muito boas para tocar a vida. Isso deixou sequelas. Internamente, sempre fica no ar o receio de uma fadiga no ímpeto reformista. Do lado externo, as condições foram quase as ideais durante muitos anos, com abundante liquidez e com bons mercados para os nossos produtos. Hoje, se algo acontecer, se houver outra crise, se a economia chinesa tiver uma desaceleração mais forte, se os juros americanos derem um salto, nós estamos muito fragilizados. Temos de ser realistas. Muito se fez desde o afastamento de Dilma, mas muito ainda se terá que fazer. Esse é o drama. Não tem outra saída. Isso vai exigir muita perseverança.
Quais devem ser os próximos passos do governo na economia?
O quadro fiscal ainda é extremamente preocupante, mesmo se contarmos com o sucesso na reforma da Previdência. Houve uma deterioração fiscal equivalente a uns seis pontos porcentuais do PIB (Produto Interno Bruto). A dívida pública cresceu e vai continuar a crescer por algum tempo. Isso significa que o saldo primário (resultado das contas públicas sem os gastos com os juros da dívida) terá de passar por uma correção maior do que os seis pontos de piora – e isso será muito difícil. Nós estamos falando de sair de um déficit primário de 3% do PIB para um superávit primário de 4% do PIB, ou mais. Então, não se deve minimizar o tamanho desse desafio. É algo que tem de ser complementado por muita coisa no mundo da produtividade. Há muitas reformas e muitos ajustes a serem feitos. Acredito que faz falta também acelerar um pouco esse ajuste, para reduzir a pressão em cima do Banco Central. O Banco Central tem trabalhado bem e está encontrando espaço para reduzir os juros, em cima da confiança em relação às melhorias que ocorrerão no futuro. Mas, se o ajuste for mais rápido, dará ao Banco Central mais liberdade para administrar a política monetária.
Até que ponto os desdobramentos da Lava Jato podem prejudicar a retomada do crescimento?
Infelizmente, essa é talvez a parte mais difícil se não impossível de se administrar, porque ela tem vida própria – e tem de ter vida própria. Nesse caso, o governo tem de reagir como for possível. É um elemento que dá esperança de que pode acontecer uma mudança nessa área, para muito melhor. Mas, enquanto ela não ocorre, o meio político vai seguir gastando uma energia tremenda com esse assunto. As pessoas vão continuar esperando a cada dia as notícias, procurando se defender. Isso gasta tempo, espaço de agenda e tem também um lado emocional muito forte. As pessoas estão com medo de prisão, condenação. Não é fácil, não.
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