Todo um leque de oportunidades se abre para a concessão de crédito, no Brasil, com a medida do Banco Central que permite a fintechs desta área a contarem com aporte de capital 100% estrangeiro. As mudanças devem trazer novos players e aumentar a competitividade do setor .Cada vez mais, fintechs (como são chamadas as startups financeiras) emergem como uma alternativa aos bancos na concessão de crédito.Mas tudo depende da economia prosperar.
A nova regra é mais um indicativo de que o mercado está em transformação — em abril o BC liberou as fintechs para ofertarem crédito sem intermediação de bancos. “São mudanças numa área antes dominada por poucas instituições financeiras. Agora, e cada vez mais, plataformas especializadas assumem o papel de desenvolver, cada uma a sua maneira, produtos financeiros diferentes — e que não são simples de idealizar”, opina Fernando Pavani, fundador da Beetech, startup especializada em serviços financeiros cross border (como câmbio e remessas digitalizadas) e que já conta com capital estrangeiro em sua composição.
O professor de finanças do Insper, Ricardo Rocha, diz que as fintechs não devem substituir os bancos, mas essas iniciativas terão uma atuação importante no setor — o que deve melhorar a estrutura do mercado. Daí a necessidade de facilitar seu desenvolvimento.
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“Se pensarmos só no varejo, os bancos atendem a demanda existente. Mas na questão do crédito, a oferta é muito baixa desde que o mercado foi reduzido à cinco instituições financeiras, em movimentos de fusão e incorporação de concorrentes”, afirma o especialista.
Rocha explica que quanto menos bancos ofertando crédito, maior a dificuldade de operação entre empresas médias e pequenas, que precisam de capital de giro — dinheiro necessário para financiar a continuidade das operações. “Mas os bancos tem um portfólio de produtos muito bom”.
A BeeTech faz operações de capital para empresas internacionais que trazem dinheiro para investir no Brasil. “Dinheiro de fora aplicado aqui é um movimento que já existia, mas agora temos uma legislação para amparar e dar mais segurança para o investidor internacional entrar no mercado com mais transparência”, diz Pavani.
Em boa hora
Uma das iniciativas que esperam ser beneficiadas com a medida é a BizCapital, fintech de crédito para pequenas e médias empresas. Recentemente, a empresa recebeu aporte de 20 milhões do Quona — fundo de Washington, EUA, focado em startups financeiras de países emergentes. A fintech não divulga o quanto do total de investimento que já recebeu é de fora do País, mas reconhece que o decreto vem em bom momento.
O fundador da BizCapital, Francisco Ferreira, acredita que permitir o aporte 100% estrangeiro de maneira menos burocrática deixa os investidores mais confiantes. O empresário diz que a questão regulatórias sempre foi uma preocupação para eles. “Alguns investidores tinham receio que, ao ceder aporte em empresas brasileiras de crédito, podiam ter algum problema no futuro e perder dinheiro”, relata.
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Para Ferreira, o modelo anterior deixava o mercado limitado. Pela lei antiga, as instituições que concedem crédito precisavam que o governo brasileiro “demonstrasse interesse” e assinasse um decreto específico para ter aporte 100% estrangeiro. O Brasil tem cinco grandes bancos, mas com o surgimento das fintechs especialistas dizem que a legislação se tornou obsoleta.
”Imaginar que agora dá para captar investimento de europeus e asiáticos de forma menos burocrática, facilita bastante a vida de quem empreende nessa área”, diz Ferreira. E não é que o estrangeiro seja um investidor mais qualificado que o brasileiro. “É questão de abundância de oportunidade”, explica o empresário.
Redução do spread ainda é dúvida
Ainda é precipitado cravar se a medida trará redução do “spread” bancário — diferença entre taxa de captação e juros cobrados no crédito — avalia Ricardo Rocha, do Insper. “O estímulo às fintechs pode promover algumas facilidades, mas a curto prazo uma mudança no spread não vem”, opina. Hoje o spread é alto em relação a taxa básica de juros, a Selic. Especialistas dizem que isso ocorre, entre outras coisas, por causa da alta concentração bancária.
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De acordo com o Relatório de Economia Bancária (REB), do BC, em 2016 os cinco maiores bancos do Brasil controlavam 82% dos ativos — era 60% dez anos antes. Isso aconteceu, segundo a instituição, por conta da crise financeira global da década passada, que incentivou movimentos de compra e fusão de instituições financeiras. À época, o BC também não culpou a concentração bancária pelo alto spread, mas fatores como ineficiência na regulação e a falta de educação financeira da população.
Medida depende do cenário econômico
Apesar de o decreto do BC facilitar entrada de capital estrangeiro destinado às fintechs e, consequentemente, estimular o desenvolvimento de outras iniciativas, o professor do Insper, Ricardo Rocha, ressalta que é imprescindível que o cenário econômico nacional seja promissor como um todo. Para ele, tem de haver redução do desemprego e estímulo de investimento em grandes empresas.
“Se tivermos um círculo virtuoso com a mudança da dinâmica econômica, as chances das fintechs aumentam. Tudo que é ligado ao setor financeiro depende de ter um cenário de baixo risco“, diz Rocha — que lembra que a área já tem tido um desenvolvimento considerável nos últimos anos.
De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) em parceria com a PwC, 46% das 224 fintechs em atividade atualmente nasceram após 2016 e 51% estão em início de operação — dados que indicariam tanto o florescimento do setor quanto a necessidade de se investir nele. “As fintechs ainda não são eficientes porque não tem rentabilidade. Se precisa de investimento é porque não é rentável”, diz Rocha.
A mesma pesquisa indica que 21% das startups financeiras atuam no segmento do crédito. É a segunda área de maior atuação, atrás de meios de pagamento (25%). Daí a boa perspectiva com o decreto do BC. “Essa medida e a resolução 4656 [de abril, que permite às fintechs concederem crédito sem intermediação de um banco] saiu muito melhor que a gente esperava. Atendeu alguns feedbacks do setor que não estava no radar do Banco Central”, diz Fábio Neufeld, da ABFintechs.
Entendendo o decreto
O decreto nº 9.544, assinado pelo presidente Michel Temer e publicado no Diário Oficial da União em outubro estabelece que é preciso apenas uma autorização do Banco Central para operar dentro do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
As instituições podem ser Sociedades de Crédito Direto (SCD) e Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP) — denominação criada em abril deste ano pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para se referir às fintechs de crédito.
No Brasil, até a publicação desse decreto, cada instituição que pretendia se instalar no País e que tivesse participação de capital estrangeiro precisava passar por um processo de autorização no Banco Central e esperar a manifestação de interesse do governo. “Agora, no caso das fintechs de crédito, o interesse já está previamente manifestado”, diz o BC.
“A realização de investimentos estrangeiros nas fintechs é fundamental para fomentar avanços contínuos em inovações tecnológicas e para permitir que tais instituições ampliem o leque de produtos financeiros diferenciados e inovadores”, completa a entidade.
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