Pedro Guimarães assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal com a missão de pagar os R$ 40 bilhões em Instrumentos Híbridos e Capital e Dívida (IHCD) de dívidas da instituição com o governo e, em conjunto com seus novos colegas do BNDES e do Banco do Brasil, “desestatizar” o crédito no país. Embora tenha negado a intenção de privatizar a Caixa, Guimarães tem planejada uma série de ofertas de subsidiárias que, na prática, vão colocar algumas das frentes de atuação da instituição nas mãos do setor privado. A venda de carteiras, de pronto a imobiliária, também será crucial para a capitalização do banco na área diante da intenção de reduzir subsídios por meio do uso de recursos do FGTS e da poupança.
“Serão grandes operações. Além de usar dinheiro para pagar o Tesouro, essas operações vão ajudar a melhorar a governança e o lucro das subsidiárias. Na seguridade, por exemplo, se temos resultado de R$ 1 bilhão, essa cifra pode saltar para algo entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões em alguns anos”, afirmou Guimarães durante a posse, na segunda-feira (7).
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Além do IPO da Caixa Seguridade, que deve ser o primeiro teste-drive da nova gestão do banco e pode ser realizado ainda no primeiro semestre deste ano, há expectativas de ofertas relacionadas aos segmentos de cartões (oferta essa que já estaria “pronta” segundo Guimarães), loterias e de administração de recursos de terceiros. Já a venda da carteira de financiamentos imobiliários pode render até R$ 100 bilhões ao banco, se for possível abrir a operação também a investidores estrangeiros, mas isso ainda depende de mudança de regras pelo Banco Central.
IPO da Caixa Seguridade é primeiro teste-drive do banco público
A abertura de capital da Caixa Seguridade é a primeira missão de Guimarães, que tem experiência prática para levar a missão em frente. Foi ele, em 2013, então como analista do banco Brasil Plural, que ajudou a conduzir a oferta inicial de ações da BB Seguridade (BBSE3), a seguradora do Banco do Brasil.
O IPO da BB Seguridade foi o maior da bolsa brasileira até aquele ano, a empresa movimentou R$ 11,47 bilhões com a operação. Além disso, a ação valorizou de forma expressiva: nos dois primeiros anos, a empresa dobrou de tamanho na bolsa, enquanto no acumulado até agora, subiu 61% (o Ibovespa teve uma alta de 65%).
A favor da Caixa Seguridade, contam dois fatores principais, segundo os analistas. Um deles é a disposição dos novos executivos para melhorar a gestão do banco. Outro é o fato de haver oportunidades de negócio a ser exploradas: a seguradora tem 90 milhões de clientes, muitos dos quais utilizam apenas um produto. A expectativa é de que um melhor atendimento com maior foco comercial possa aumentar as vendas de apólices.
Já o obstáculo maior para o sucesso desse IPO é a falta de governança corporativa na Caixa. “Diferentemente do BB, a Caixa não tem histórico de negociação no mercado de ações”, diz Carlos Daltozo, Head de Renda Variável da Eleven Financial, que chegou a trabalhar na tentativa de IPO da empresa em 2015.
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Tanto Dilma Rousseff quanto Michel Temer tentaram abrir o capital da Caixa Seguradora, mas a iniciativa não foi para frente. Guimarães, no entanto, prometeu fazer duas operações, talvez três, ainda este ano. Desde que foi alvo da Lava Jato, a Caixa vem passando por um processo de aprimoramento das regras de governança que travam desmandos e ingerências na instituição e que já levaram à substituição de quatro vice-presidentes envolvidos nas investigações.
“O mercado em si não conhece bem como funciona o banco em seus direcionamentos, e a gente sabe que sempre houve muita ingerência política por lá”, diz Daltozo. É possível que a nova gestão resolva esse problema, mas é cedo para saber.
“Estamos em uma janela bem oportuna para a abertura de capital que está engavetada desde 2015”, diz André Martins, analista de setor financeiro da XP Research. Se os nomes de peso da empresa seguirem demonstrando “visão sóbria”, podem ser capazes de “tirar o temor do mercado de fatores que vimos no passado, como crescimento desgovernado e níveis altos de inadimplência”, complementa o analista. “Naturalmente, tudo depende de variáveis como o preço [do ativo] e o apetite dos investidores no momento [da oferta]. Pelo momento atual, acredito que o mercado daria o benefício da dúvida”, avalia Martins.
“A empresa teria que endereçar alguns pontos, explicar muito bem questões de governança e possíveis trocas de gestão no médio prazo”, diz Daltozo.
Tudo isto após resolver as questões de contrato da Caixa Seguridade com a francesa CNP Assurances e com a corretora Wiz. Um acordo de exclusividade com a parceira europeia, renovado em agosto de 2018 com validade até 2041, vale lembrar, foi o que ajudou a derreter o preço estimado para a estreia da empresa em 2015 de R$ 10 bilhões para R$ 3 bilhões. Na ocasião, a CNP fechou acordo para explorar conjuntamente os ramos de seguros de vida , prestamistas e de previdência privada, liberando os demais ramos da exclusividade. Ainda assim, Guimarães disse ao Valor Econômico que vai analisar a renovação do contrato.
O exemplo o IRB e quanto a Caixa poderia levantar com os IPOs
Daltozo, que também trabalhou no IPO do IRB (IRBR3), resseguradora estatal, há dois anos, acredita que a Caixa pode se espelhar neste case para a venda de seus ativos. Assim como a Caixa, o Instituto de Resseguros do Brasil teve uma tentativa frustrada de abrir capital em 2015. A empresa deu um desconto no preço da ação, o IPO saiu em 2017 e, de lá para cá, o valor de mercado dobrou.
O analista estima que a Caixa Seguridade valha atualmente entre R$ 17 bilhões e R$ 21 bilhões, usando como base o índice P/L da concorrente BB Seguridade. Esse índice mede a relação entre o preço da ação e o lucro da empresa por ação. Para fazer este cálculo, levou em consideração um crescimento de lucro em 2019 de 8,7% e o múltiplo Preço/Lucro atual da BB Seguridade. Comparativamente, a BB Seguridade vale atualmente R$ 56,7 bilhões, e o IRB, R$ 3,5 bilhões.
No IPO, porém, deve ser listada uma fatia entre 25% e 50% do capital da Caixa Seguridade. Com isso, a empresa deve levantar algo entre R$ 4,2 bilhões e R$ 10,5 bilhões para seu caixa.
Sem base de comparação, o Itaú BBA fez estimativas para a área de cartões e para a gestora de acordo com as frentes similares no BB. A Caixa Cartões transaciona 63% do volume da área de cartões do BB, e a gestora possui 76% do tamanho da BB Asset em ativos. Por estes cálculos, os negócios teriam valor de mercado de R$ 6,7 bilhões e R$ 17 bilhões, respectivamente.
Quanto ao braço de loterias, a conta é ainda mais nebulosa. O BBA calculou que o valor mínimo do leilão que deve ocorrer em 2019 seria R$ 542 milhões.
Capitalização do segmento imobiliário e a carteira gigantesca de clientes da Caixa
Na Caixa, a venda de carteira deve gerar R$ 100 bilhões em quatro anos, caso seja possível abrir esse mercado para investidores estrangeiros. Se não, esse número pode chegar a R$ 30 bilhões. Detalhe: segundo Guimarães, hoje esse mercado de securitização movimenta somente R$ 10 bilhões.
Nessas carteiras, estarão, por exemplo, recebíveis de financiamentos imobiliários, tanto de classe média quanto do Minha Casa, Minha Vida – estes com inadimplência mais elevada, especialmente na faixa que abrange clientes de menor poder aquisitivo. Essas operações permitirão, segundo Guimarães, que a Caixa continue oferecendo crédit o imobiliário mesmo num cenário de menos funding ao segmento por meio de recursos do FGTS e da poupança.
Com esses recursos, Guimarães pretende fazer girar novamente o motor do crédito imobiliário que está travado diante da necessidade do banco de reforçar seu capital para fazer frente às exigências de segurança nos empréstimos. As taxas subsidiadas, quando concedidas, estarão discriminadas no Orçamento, dando mais transparência, e restritas ao programa Minha Casa Minha Vida. "Tem que ser rentável para a Caixa e bom para a sociedade", disse Guimarães.
A carteira de clientes da Caixa, hoje em 93 milhões de pessoas, também foi tratada como um negócio em potencial pelo novo presidente, já que hoje apenas 15 milhões compram algum serviço oferecido pelo banco. Guimarães afirmou também que, com uma base desse tamanho, é inaceitável que a Caixa não ofereça hoje o serviço de cartões para oferecer crédito consignado. Ele estabeleceu a meta de conquistar 20 milhões de clientes nesse segmento em quatro anos. "Se não atingir, eu falhei", disse.
O presidente do banco também pretende levar o microcrédito a 30 milhões de pessoas. A ideia é seguir o modelo usado hoje pelo Banco do Nordeste, que tem 4,5 milhões de clientes e, segundo ele, é a maior operação da América Latina nesse ramo.
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