A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e ministra do Planejamento, Simone Tebet: equipe econômica e ala política do governo têm novo embate.| Foto: Roque de Sá / Agência Senado
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A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, deu início nesta semana ao mais novo embate público entre a equipe econômica e a chamada ala política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No centro do conflito está a proposta de Tebet de desvincular do salário mínimo o piso de aposentadorias, pensões e outros programas sociais, como o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

O plano não será formalizado de imediato. A ministra quer apresentá-lo ao restante do governo até o fim de 2025, segundo declarou ao jornal "O Estado de S. Paulo".

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A dúvida é se o projeto sobreviverá até lá. Ele seria a primeira medida efetiva de contenção de gastos do atual mandato de Lula, algo muito cobrado de uma gestão que até agora só buscou aumento de arrecadação.

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Se levado adiante, porém, o plano afetaria parte relevante da base eleitoral do presidente, que enfrenta queda de popularidade há alguns meses, segundo diferentes pesquisas.

Mexer na correção da aposentadoria e outros benefícios também contraria bandeiras históricas de Lula e do PT, defensores da expansão de gastos sociais e ações voltadas às camadas de renda mais baixa.

Os planos da ministra vão além: também está no radar a incorporação do Fundeb (fundo da educação básica) ao limite mínimo de gastos em educação, o que permitiria economizar recursos reduzindo-se outras despesas na área.

As medidas, ainda em estudo, seriam cruciais para a redução de gastos públicos “no atacado”, comparou Tebet na entrevista ao jornal “Valor Econômico” em que externalizou a ideia. A reação da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi imediata: “Desvincular a Previdência do salário mínimo e incluir o Fundeb na conta do piso da Educação são ideias muito ruins, que contrariam o programa de governo eleito em 2022”, escreveu a deputada no X.

“Se adotadas, iriam prejudicar diretamente milhões de aposentados e alunos de escolas públicas, a população que precisa ser protegida pela ação do Estado, ações estas garantidas na nossa Constituição. É no mínimo preocupante que sejam defendidas pela ministra Simone Tebet. Responsabilidade fiscal não tem nada a ver com injustiça social”, acrescentou.

A agenda também foi alvo de críticas de outros integrantes do governo. “Sou totalmente contra essa proposta, que acho absurda”, disse o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ao “Estadão”. “Se é para apresentar uma proposta dessas, vamos logo acabar com a política de valorização permanente do salário mínimo.”

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Para o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), a sugestão apresentada por Tebet não tem como prosperar. “Isso é tirar renda da parte mais pobre da população”, afirmou Lupi à mesma publicação. “Lutarei contra.”

Na primeira vez em que tocou no assunto, a ministra do Planejamento teria dito que, conforme estabelece a Constituição, proporia a correção das aposentadorias e demais benefícios pela inflação, segundo o “Valor”.

Ao “Estadão”, no entanto, ela garantiu que haverá aumento real, ainda que menor do que o do salário mínimo. “Eu não vou desvalorizar essas políticas, vou fazê-las crescer acima da inflação”, disse.

Segundo Tebet, um reajuste de R$ 10 a R$ 15 a menos de benefício individual pode levar a uma redução de R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões em despesas, que poderiam ser realocados em outros programas. “É preciso garantir que, com isso, ninguém fique fora do Orçamento brasileiro ou da Previdência.”

Haddad e Lula ainda não comentaram proposta de Tebet

Por enquanto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também já protagonizou embates com a cúpula do PT, não se pronunciou oficialmente sobre o assunto. Mas a avaliação de integrantes da ala política do partido é de que as ideias de Tebet teriam seu aval, mas que o ministro teria “terceirizado” a tarefa de levar a notícia a público.

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Na semana passada, o ministro compartilhou no X artigo do economista Bráulio Borges, da Fundação Getulio Vargas (FGV), que, entre outras medidas, recomenda justamente a desvinculação de salário mínimo e benefícios.

Escreve Borges no texto: “O salário mínimo é uma variável que deve sim ser reajustada ao longo do tempo em termos reais, refletindo ganhos de produtividade da mão de obra, mas é uma variável que deve regular o mercado de trabalho, ou seja, a vida de quem está participando ativamente da produção econômica. As aposentadorias e pensões deveriam ser reajustadas apenas pela inflação, mantendo o poder de compra ao longo do tempo”.

No fim de abril, ao comentar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, Haddad disse que a manutenção de descontos na contribuição previdenciária desses agentes traria o risco de uma nova reforma da Previdência em três anos.

“Estamos desde outubro tentando conversar com os [17] setores e os municípios. O placar do Supremo [5 a 0 pelo fim da desoneração] deixa claro que temos de encontrar um caminho para não prejudicar a Previdência. Ou daqui a três anos vai ter de fazer outra reforma da Previdência, se não tiver receita. A receita da Previdência é sagrada, para pagar os aposentados. Não dá para brincar com essa coisa”, disse.

Na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que o crescimento do gasto previdenciário merece cuidado e citou “eventualmente medidas que permitam que a dinâmica dessa despesa tenha um crescimento compatível com a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazos”. Ele ainda classificou como “sinal de alerta” a elevação de gastos com o BPC, voltado a pessoas idosas ou com deficiência.

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Até agora, Lula não entrou no debate, ao menos não publicamente. Na terça-feira (7), no entanto, afirmou que fica “irritado” com a discussão sobre a meta fiscal, o que indica que dificilmente daria aval a medidas de austeridade que afetem benefícios sociais.

“O que eu não posso é ficar com o sistema financeiro todo santo dia só olhando o déficit fiscal e não olha o déficit social. Olha as pessoas que estão desempregadas, que estão dormindo na rua e que estão passando fome. Pare de olhar só para o seu cofre, para a sua conta bancária. Olhe para o povo”, declarou.

Despesas na mira de Tebet consomem mais da metade do Orçamento federal

O Regime Geral de Previdência Social é hoje o maior gasto do orçamento do governo, sem contar os juros da dívida pública. Em 2023, a rubrica consumiu R$ 899 bilhões, o equivalente a 42,3% das despesas primárias da União. E mais de 60% dos benefícios previdenciários correspondem ao valor do salário mínimo.

Enquanto isso, BPC, abono salarial e seguro-desemprego responderam no ano passado por 7,8% dos gastos primários, ou R$ 166 bilhões.

A política de ganho real, adotada nos primeiros governos do PT, foi retomada na atual gestão de Lula. Pela regra, todo mês de janeiro o salário mínimo recebe, além do repasse da inflação do ano anterior, um reajuste real equivalente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Embora estimule o consumo e o crescimento econômico, essa prática acelera alguns dos principais gastos do governo para além do permitido pelo arcabouço fiscal aprovado em 2023. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, cada R$ 1 de aumento no salário mínimo eleva as despesas da União em R$ 389 milhões.

Já a segunda proposta anunciada por Tebet, de incluir o Fundeb no cálculo do piso constitucional da educação, poderia redundar em um corte de até 1,8% das atuais despesas primárias.

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Pela Constituição, hoje o governo precisa gastar no mínimo 18% de sua receita líquida de impostos em educação. Fora isso, tem de abastecer o Fundeb, que não é contabilizado na regra.

Até 2020, a União participava com 10% do fundo, e os demais 90% vinham de impostos estaduais e municipais. Mas uma emenda constitucional aprovada naquele ano determinou a elevação gradual da fatia federal, que passou a 12% em 2021, hoje está em 19% e chegará a 23% em 2026.

A emenda impulsionou os gastos do governo com o Fundeb. Entre 2020 e 2023, eles saltaram de R$ 15 bilhões para R$ 37 bilhões. Nesses três anos, sua fração no bolo do orçamento mais que dobrou, passando de 0,8% para 1,8% das despesas primárias.