Alexandre Malucelli está há 20 anos no mesmo cargo. Mas o que poderia ser encarado pelo mercado como uma estagnação profissional, para ele representou a chance de criar uma empresa do zero e transformá-la em uma das principais companhias de seguro do país. Filho mais velho do empresário Joel Malucelli, ele é vice-presidente da J.Malucelli Seguradora desde 1990, quando tinha apenas 21 anos. O desempenho à frente do negócio e o reconhecimento no ramo lhe valeram a indicação do pai para assumir o comando do grupo até o fim de 2012.
De um time de futebol a uma geradora de energia eólica no Ceará, o executivo terá nas mãos um dos maiores conglomerados empresariais do Paraná, que reúne 62 empresas, com faturamento somado previsto de R$ 1,6 bilhão para este ano.
A confirmação de seu nome para chefiar o Grupo J. Malucelli ocorre num momento especialmente bom para a área que vem administrando desde os tempos de universitário após um ano de Engenharia Civil na UFPR, ele se formou em Administração pela Universidade Positivo. Em 2010, pela primeira vez, as três empresas de seguro a J. Malucelli Seguradora, a Seguradora de Crédito e a Resseguradora representarão a principal fatia do lucro do grupo, ultrapassando o Paraná Banco, até então o carro-chefe dos Malucelli.
Nicho encontrado
A seguradora começou atuando no varejo, com seguro de automóveis, mas logo encontrou seu mercado explorando o nicho de seguro garantia, atualmente responsável por 80% dos ganhos da empresa. Basicamente, esse é o seguro que garante o cumprimento de um contrato. Num dia típico, Alexandre sai de uma reunião para fechar os detalhes de uma operação para garantir o fornecimento de marmita para uma escola no interior do Pará e, em seguida, acerta o seguro para a fabricação de dois navios para a Petrobras. Assim como nos negócios do Grupo J. Malucelli, a área de seguros aposta na diversidade de atividades. Cerca de 40% dos negócios são de pequeno porte, e o restante fica por conta dos grandes contratos.
São esses que demandam mais atenção do executivo. A avaliação de risco para aceitar garantir um contrato é um processo minucioso baseado em muitas variáveis e fórmulas estatísticas complexas. Assim como em qualquer outra operação de seguro, a área de garantia transfere o risco do contratante para si, em troca de um pagamento. As empresas então utilizam o pagamento de muitos para cobrir as perdas de poucos o inverso, obviamente, inviabilizaria o negócio. Mas diferentemente das outras áreas, as empresas de seguro garantia têm a seu dispor o direito de regresso. No caso de sinistro, ou seja, quando o cliente não cumpre com suas obrigações contratuais, a seguradora tem o direito de cobrar do tomador o valor das perdas. Ao contrário de uma seguradora de automóveis, portanto, que tem prejuízo quando há algum dano ao veículo segurado, as empresas de seguro garantia podem reaver o dinheiro de um sinistro. "Nosso principal problema é quando o cliente desaparece ou quebra. Investimos tempo e dinheiro para analisar essas operações que resultaram em prejuízo, numa tentativa de preveni-los no futuro", diz Alexandre.
Como algumas dessas operações envolvem bilhões de reais, a análise para cobrir o risco precisa ser devidamente detalhada. O seguro da concessão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. por exemplo, feito pela J. Malucelli neste ano, foi de R$ 1,05 bilhão 5,5% do valor do projeto. São três situações principais de perda para a seguradora, segundo o executivo. Num primeiro caso, a empresa avaliou mal a situação financeira do cliente. Por algum motivo, o cliente teve problemas que afetaram o contrato, e a apólice foi chamada. Outro caso é o desgaste da relação entre as duas partes, quando um conflito sobre algum detalhe operacional resulta no rompimento do contrato. O terceiro caso, o mais comum, é quando o cliente entra num contrato com preço inexequível. Nesses casos, a empresa cliente faz uma oferta para realizar um serviço ou uma obra, ganha a licitação, mas só depois percebe que o valor oferecido é muito mais baixo do que a quantia que seria gasta de fato para realizar o trabalho. Ao perceber que avaliou mal o custo da obra, a empresa rompe o contrato e deixa o prejuízo para a seguradora.
Um caso desses tirou o sono do executivo nos últimos meses. "Fizemos a garantia de um contrato entre a Petrobras e uma construtora de Minas Gerais. Essa construtora viu que havia oferecido um preço muito baixo para fazer a obra e rompeu o contrato. A Petrobras chamou a garantia, de R$ 11 milhões, e nós tivemos de pagar. Foi um processo que durou 60 dias. No fim, fomos atrás da construtora e conseguimos o dinheiro de volta."
Travelers
Com as megaobras previstas pelo governo e boom da construção civil no país, o setor de seguro garantia vem crescendo a ritmo acelerado no Brasil. Para se manter no topo, a J. Malucelli realizou uma manobra audaciosa em novembro, quando vendeu 43% das ações da seguradora para a norte-americana Travelers, segunda maior empresa do ramo nos EUA e a maior do mundo na área de seguro garantia. A parceria deve turbinar a entrada da seguradora no mercado latino-americano.
"Percebemos que durante o primeiro governo do presidente Lula, o foco foi o social. No segundo mandato, isso estava mais ou menos equacionado, e o governo focou nos gargalos de infraestrutura do país. Paralelamente, o Brasil passou ileso pela crise, as agências de ratings colocaram o país como grau de investimento, o setor de infraestrutura começou a bombar e o mundo passou a olhar o Brasil não como o país do futuro, mas do presente. A gente entendeu que tinha uma pérola nas mãos, fazendo um seguro muito ligado à infraestrutura, que está crescendo. Era um momento estratégico para encontrar um sócio internacional que trouxesse mais musculatura", argumenta Malucelli. A operação foi de R$ 625 milhões, e a empresa norte-americana tem a opção de aumentar o porcentual das ações para 49,9% em 18 meses.
Política
Sem interesse pela política "minha história já está traçada" , ele se mostra animado com os governos de Dilma Rousseff e Beto Richa. "Dilma é obreira", pontua. Sobre o próximo governo no Paraná, acredita que haverá mais investimentos. "Gosto do Beto. Não tenho dúvida de que ele tem outras aspirações políticas, então deve fazer um bom mandato como governador. O Paraná foi um estado mais importante do que é hoje e agora tem a oportunidade de voltar a ser expressivo."
A falta de obras durante o governo Roberto Requião é motivo de crítica. "Particularmente, acho que a gente enfrentou no estado, na questão da geração de empregos e nos investimentos, uma retração." Hoje, 100% dos negócios de energia do Grupo J. Malucelli estão fora do Paraná. Na área de seguros, o estado representa apenas 5% dos negócios da empresa. "O nosso grupo se baseia em dois pilares: um é a diversificação de atividades e outro é a pulverização regional, atuando em diversas frentes. É o segredo para continuarmos crescendo."