Demanda aquecida, incertezas no Brasil e no cenário global e a dificuldade para reduzir a inflação devem levar o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central a aumentar a taxa básica de juros em um ponto percentual nesta semana. Com isso, a Selic poderá chegar a 14,25% ao ano ao fim da reunião de quarta-feira (19), nível mais alto desde 2016.
A possibilidade foi sinalizada na ata da última reunião do comitê, no fim de janeiro, e é amplamente respaldada pelo mercado financeiro. Segundo os contratos de opção do Copom negociados na B3, até quinta-feira (13) investidores viam 94,5% de chances de que a Selic suba para esse patamar.
As maiores preocupações do mercado financeiro recaem sobre os próximos movimentos do Banco Central. Existe um receio crescente de que o BC ceda às pressões do governo federal e de aliados políticos e adote uma postura mais branda no combate à inflação.
Além das pressões políticas, ações recentes do governo federal para estimular a atividade econômica – como a liberação de R$ 12 bilhões do FGTS a parte dos cotistas e a ampliação do consignado para trabalhadores CLT – têm gerado incertezas sobre o alcance da política monetária. Medidas desse tipo tendem a dificultar o equilíbrio entre o controle da inflação e a manutenção de um crescimento econômico sustentável, ampliando os desafios para o BC.
Lideranças do PT criticam alta no juro
Entre os principais críticos do BC estão importantes figuras do PT e do governo, como a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que classificou o aumento recente da Selic como "péssimo para o país".
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também defende mudanças na estratégia, argumentando que o combate à inflação deve focar no aumento da produção, e não apenas na elevação dos juros.
Durante uma entrevista em fevereiro a uma rádio do Amapá, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou suas críticas à política de juros altos do Banco Central. Ele afirmou que Gabriel Galípolo, atual presidente do BC e indicado por ele, terá como missão "consertar" a elevada taxa de juros, que segue como foco de tensões entre o governo e a autarquia.
Lula também aproveitou a ocasião para criticar o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "Ele era um cara que falava mal do Brasil o tempo inteiro, passava discreto para os empresários, inclusive no exterior. Ele foi se comprometendo e aumentou cada vez mais a taxa de juros", afirmou Lula.
Criticas também já começam a aparecer no empresariado. O presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Rafael Cervone, disse que os juros altos prejudicam a economia e precisam ser reduzidos.
"Já passou da hora de invertermos o círculo vicioso dos juros altos, prejudicando o legítimo interesse de muitos em favor do interesse de poucos”, declarou en dezembro.
A presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, solicitou em fevereiro a Galípolo que evite antecipar ao mercado a comunicação sobre novos aumentos na taxa Selic. Segundo ela, as pequenas e médias empresas, essenciais para a geração de empregos no país, enfrentam grandes dificuldades para sobreviver neste cenário de juros elevados.
Composição do Copom entra na lista de preocupações
A atual composição do Comitê de Política Monetária (Copom) tem gerado apreensão no mercado financeiro devido à presença majoritária de integrantes indicados por Lula. Dos nove membros do colegiado, sete foram nomeados pela atual gestão, incluindo Galípolo.
Os dois últimos remanescentes da gestão comandada por Roberto Campos Neto são Diogo Guillen, diretor de política econômica, e Renato Gomes, diretor de organização do sistema financeiro e resolução. O mandato de ambos termina no fim de 2025.
O cenário alimenta temores de que decisões futuras possam ser influenciadas por pressões políticas, especialmente diante das demandas do governo federal por juros mais contidos.
Descompasso entre alta no juro e incentivo ao consumo preocupa mercado
Além das questões políticas, preocupações técnicas sobre o posicionamento da autoridade monetária têm ganhado destaque entre analistas. Segundo a Genial Investimentos, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC deu prioridade aos sinais iniciais de desaceleração econômica, em detrimento da piora nos índices e nas expectativas de inflação.
A postura levantou dúvidas no mercado sobre o compromisso da instituição com a meta de inflação, mesmo com diretores e o presidente do BC tendo reiterado o comprometimento em trazer a inflação para mais próximo da meta.
Mesmo com esse compromisso, as expectativas para a inflação em 2025 continuam a se deteriorar. Segundo o boletim Focus do BC, a mediana das projeções do mercado financeiro alcançou 5,68% na semana passada, mais de um ponto percentual acima do teto da meta de 4,5%. A alta ocorreu após uma breve estabilização na semana anterior, interrompendo uma sequência de 19 revisões consecutivas para cima.
A atividade econômica começa alguns sinais de desaquecimento. O crescimento do PIB perdeu força no quarto trimestre de 2024, avançando apenas 0,2%, o pior desempenho em cinco trimestres. O consumo das famílias também recuou pela primeira vez desde o segundo trimestre de 2021, refletindo o impacto das taxas de juros elevadas.
Mesmo assim, o início de 2025 apresenta sinais mistos. A política monetária mais rigorosa ainda não demonstrou ser suficiente para equilibrar a economia, segundo análise da XP Investimentos. Paralelamente, o governo Lula tem adotado medidas para estimular a atividade econômica e recuperar sua popularidade, que enfrenta queda até mesmo em redutos tradicionais, como Bahia e Pernambuco.
Entre as ações, destacam-se a liberação de R$ 12 bilhões em saques extraordinários do FGTS e o lançamento de um programa de crédito consignado para trabalhadores do setor privado. Essas medidas visam sustentar o consumo e a atividade econômica, mas criam um descompasso com a política monetária do BC, que busca conter a inflação.
Esse desalinhamento entre a política econômica do governo e a política monetária do BC pode prolongar a necessidade de juros elevados, adiando a redução da Selic. Analistas acreditam que uma volta ao patamar de um dígito só ocorrerá no médio ou longo prazo.
“A política fiscal e/ou parafiscal pode reagir em caso de moderação no crescimento econômico adiante”, destacou a XP Investimentos, indicando que o governo está disposto a intervir para evitar uma desaceleração mais acentuada.
Primeiros números de 2025 alimentam preocupações sobre controle da inflação
Os primeiros números de 2025 trazem preocupações. A produção industrial permaneceu estável em janeiro, após três meses consecutivos de queda. “O resultado não parece muito encorajador”, afirmou Luiz Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
A indústria de transformação não apenas se manteve estável em janeiro, mas também interrompeu uma sequência de duas quedas consecutivas. A produção apresentou crescimento na maioria das atividades que compõem o setor.
Um dos principais reflexos na atividade aquecida e da dificuldade do BC em controlar com mais força a inflação são os preços dos serviços. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, a alta foi de 5,54%, a maior desde o início de 2024.
A inflação de alimentos e bebidas permanece elevada, com um aumento médio de 7,12% no mesmo período. A colheita de grãos, contudo, deve ajudar a aliviar essa pressão. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a expectativa é de uma produção de 328,3 milhões de toneladas, um crescimento de 10,3% em relação ao ciclo anterior, que foi prejudicado por problemas climáticos causados pelo El Niño.
Apesar disso, alguns itens essenciais continuarão pesando com força no orçamento doméstico. Os preços da carne bovina subiram 22% em 12 meses até fevereiro, a maior alta desde 2021, e a perspectiva é de que o custo permaneça elevado.
O preço da arroba do boi gordo, que chegou a R$ 325 em janeiro, reflete o aumento das exportações, a maior demanda interna e a redução na oferta de gado para abate. Nesta semana, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea-Esalq/USP), o valor médio variou entre R$ 310 e R$ 315.
Outro item relevante que segue pressionando o índice geral de preços é o café, cujo preço para o consumidor disparou 66% em um ano. Essa alta é resultado de sucessivas quebras na produção brasileira devido a problemas climáticos, como a seca, aliada a uma safra prejudicada no Vietnã, outro grande produtor mundial. A demanda global aquecida também amplia as pressões sobre os preços.
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