O movimento de alta na taxa Selic não vai parar na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), prevista para maio. Esse é um dos principais recados dados pelos diretores da autoridade monetária ao anunciarem, no começo da noite desta quarta (19), o aumento de mais um ponto percentual nos juros básicos da economia, que passaram de 13,25% para 14,25% ao ano.
A medida levou a Selic ao nível mais alto desde outubro de 2016, igualando-se ao patamar da crise do impeachment de Dilma Rousseff (PT). O país também passa a ter a quarta maior taxa de juro real (descontada a inflação) do mundo, segundo levantamento da consultoria MoneYou: 8,79% ao ano, atrás de Turquia, Argentina e Rússia.
O ritmo da alta, entretanto, deve ser menor na próxima reunião, segundo indicou o Copom. Será o sexto reajuste no atual ciclo de aperto monetário, e poderá colocar o juro básico no maior nível desde 2006, durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo o gerente de análises econômicas da Genial Investimentos, Yihao Lin, com essa sinalização houve um afastamento do risco de uma interrupção mais imediata do ciclo da alta de juros. Havia no mercado a desconfiança de que o BC adotasse uma política mais leniente no enfrentamento da inflação.
Muitos dirigentes do PT e integrantes do governo são favoráveis a uma postura menos austera em relação ao combate à elevação dos preços ao consumidor para evitar uma desaceleração mais significativa da economia, afetando assim a já baixa popularidade do governo.
Cenario para os juros ainda é desafiador, mas altas depois de maio não são certas
O economista-chefe da G5 Partners, Luiz Otávio Leal, avalia que um dos cenários mais prováveis é de um aumento de 0,75 ponto percentual na próxima reunião. Pesam, para isso, o quadro ainda bastante desafiador para a inflação e a ausência de convicção sobre o panorama da atividade econômica.
Aumentos nas reuniões posteriores a maio vão depender do compromisso de convergência da inflação à meta e do comportamento da variação dos preços ao consumidor, especialmente os mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária.
“Diante da continuidade do cenário adverso para a convergência da inflação, da elevada incerteza e das defasagens inerentes ao ciclo de aperto monetário em curso, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, um ajuste de menor magnitude na próxima reunião”, destacou o BC em comunicado.
Fatores que estimulam a alta da Selic se mostram persistentes
A avaliação dos diretores do BC é de que persistem os principais riscos para a alta. A desancoragem da expectativa de inflação para 2025 em relação à meta aumentou entre as reuniões do final de janeiro e desta semana, passando de 5,5% para 5,7%. E a inflação de serviços continua elevada, tendo fechado em 5,54% nos 12 meses encerrados em fevereiro.
O economista-chefe da Blue3 Investimentos, Roberto Simioni, afirma que até maio ganha-se tempo para entender o quanto a economia desacelera, o quanto o Brasil estará exposto às tarifas americanas e como o efeito da política fiscal contribui para a desancoragem em relação às expectativas de inflação.
“A desaceleração da atividade e a valorização do real podem ajudar nas próximas decisões e limitar o ritmo de alta dos juros, já que o atual patamar já é bastante restritivo”, acredita a analista Gabriela Joubert, do banco Inter.
Lula torna mais difícil o combate à inflação
Os analistas apontam que o que torna mais complexa a estratégia de combate à inflação é a adoção de uma política econômica mais expansionista por parte do governo. Ela influencia a estabilidade macroeconômica, o custo da dívida pública e as expectativas de mercado.
Algumas medidas que podem afetar negativamente por aumentarem a demanda são a liberação de R$ 12 bilhões em recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e as regras para facilitar o crédito consignado em folha de pagamento para os trabalhadores com carteira assinada.
O objetivo do governo é manter a atividade econômica aquecida. Lula já sinalizou que quer mais um crescimento do PIB em torno de 3% neste ano, mas as expectativas do mercado financeiro sinalizam para algo inferior a 2%.
Um dos pontos de atenção apontados pelo comunicado do Copom está na questão fiscal: “O Comitê segue acompanhando com atenção como os desenvolvimentos da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o regime fiscal e a sustentabilidade da dívida segue impactando, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes.”
Esse posicionamento surpreendeu o diretor de gestão de fundos da Oryx Capital, Luiz Arthur Fioreze. “Em vez de encará-los como desafios reais e estruturais que o governo ainda precisa superar, o documento os apresentou como meras percepções negativas dos agentes econômicos, que vêm impactando o mercado. Essa abordagem pode ser interpretada de forma ambígua pelo mercado, que busca sinais claros de compromisso com reformas estruturais e disciplina fiscal para garantir um ambiente de investimentos sustentável.”
Incertezas no exterior também afetam a Selic
O Copom avalia que o cenário internacional permanece desafiador, com incertezas sobre a política econômica nos Estados Unidos, o que contribui para também afetar a dinâmica das decisões sobre a Selic no Brasil.
Segundo José Alfaix, economista da Rio Bravo Investimentos, o comunicado do BC deu mais importância à incerteza que reside na política comercial dos EUA, e nos respectivos impactos que pode causar nas condições financeiras globais, do que o da reunião anterior.
“Com o Federal Reserve demonstrando maior cautela, corroborado pela revisão conservadora nas projeções de crescimento, e altista na perspectiva de inflação, o que devemos observar é uma ampliação do diferencial de juros entre Brasil e EUA ao longo do ano.”