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O Brasil está conseguindo melhores resultados no combate à inflação do que outras economias emergentes e desenvolvidas.
O país foi o segundo da América Latina a iniciar o ciclo de queda dos juros, atrás apenas do Chile. No início de agosto, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) reduziu a taxa Selic de 13,75% para 13,25% ao ano. A decisão contou com o aval do presidente do BC, Roberto Campos Neto, que deu o voto final.
Ele tem destacado, em apresentações realizadas em entidades empresariais e instituições financeiras, que o BC vem trabalhando para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomentar o emprego.
Na quinta-feira (31), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), anunciou uma ligeira queda na taxa de desocupação, de 8% para 7,9% na passagem de junho para julho – a menor taxa para essa época do ano desde 2014.
A estratégia conduzida por Campos Neto é alvo de frequentes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de figuras próximas a ele. Para ficar em um exemplo recente: na última terça (29), o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que é preciso reduzir os juros para o país possa crescer e gerar emprego e renda. Detalhe: ele falou isso numa audiência na Câmara dos Deputados, cujo tema principal era o apagão de 15 de agosto.
No Brasil, impacto atenuado
Uma apresentação feita por Campos Neto mostra que, enquanto na maioria dos países a queda da inflação – motivada pela elevação nos juros – foi acompanhada por retração no crescimento, o Brasil conseguiu reduzir os índices de preços com impacto atenuado sobre a atividade econômica.
Na apresentação, Campos Neto aponta que a inflação brasileira em 12 meses caiu 8,7 pontos percentuais entre junho de 2022 e de 2023. O impacto sobre o PIB foi suave. No segundo trimestre de 2022, o PIB havia crescido 3,7% sobre o mesmo intervalo de 2021. Agora em 2023, o crescimento anualizado no segundo trimestre foi de 3,4% – uma perda de 0,3 ponto percentual em um ano, portanto.
Esse cenário foi pior entre emergentes americanos, como Chile, Colômbia, México e Peru. Em média, a inflação caiu menos nesse grupo de países (1,9 ponto percentual), ao passo que a economia se retraiu em média 5,3 pontos percentuais.
Nas economias desenvolvidas, considerando os países da região do euro, o Canadá, os Estados Unidos e o Reino Unido, a inflação quatro pontos percentuais, em média, enquanto o PIB anualizado encolheu 2,4 pontos percentuais.
América Latina inicia cortes de juro com ritmo mais forte
O movimento de corte de juros em nível mundial começou, em um ritmo forte, pela América Latina, com o Chile, o Brasil e o Uruguai dando os primeiros passos. “O ritmo e a magnitude das reduções vão depender de fatores domésticos e externos”, apontam analistas da XP Investimentos.
Os principais fatores que vão influenciar nas decisões dos bancos centrais nos próximos meses são:
- os dados econômicos;
- a resposta fiscal à desaceleração da atividade;
- como se comporta a economia global e os impactos sobre os preços das commodities e taxa de câmbio; e
- a avaliação, por parte dos bancos centrais, da taxa de juros neutra (aquela que não contribui para a expansão ou retração da economia).
Eles dizem que a política monetária parece estar em um ponto de inflexão no mundo, embora com diferenças regionais. “No entanto, não se espera um nível expansionista tão cedo, uma vez que os riscos para a inflação não desapareceram”, ressaltam.
Corte de juros avança com mais vigor no Chile
A flexibilização da política monetária está mais avançada no Chile. O corte de juros começou em julho, com uma redução de um ponto percentual na taxa referencial. Nova diminuição, provavelmente nessa magnitude, está prevista para setembro, o levaria a taxa básica chilena para 9,25% ao ano.
A XP Investimentos avalia que o processo de desinflação está ocorrendo de forma mais rápida no país andino. Um fator que favorece uma política monetária mais agressiva é que ele tem uma taxa de juros real neutra estimada em 1% ao ano.
Mas, mesmo com esse cenário mais favorável, o PIB chileno deve encolher em torno de 0,5% neste ano. É uma realidade diferente das principais economias da América Latina, à exceção da Argentina.
Peru deve ser o próximo a entrar no "clube"
O próximo país que pode entrar no “clube” dos países que estão reduzindo os juros é o Peru. A expectativa da XP é de que isso ocorra em setembro.
A inflação peruana em 12 meses caiu com força nos últimos meses, passando de 6,5%, em junho, para 5,9% em julho.
Outro fator que contribui para a queda na taxa de juros do Peru é a forte desaceleração da atividade econômica. Em agosto, o Itaú revisou sua projeção de crescimento do PIB para este ano de 1,4% para 0,8%.
O desaquecimento também é impulsionado pelo “El Niño”. O fenômeno climático, que aquece as águas do Pacífico Central, afeta as chuvas na região e tem impacto sobre a atividade pesqueira, importante para a economia peruana.
México e Colômbia em compasso de espera
Dois países que estão em compasso de espera em relação à queda nos juros são o México e a Colômbia. Nesses dois países, a redução da inflação tem sido mais lenta. A XP avalia que o corte possa começar em outubro no país sul-americano e em novembro no da América do Norte.
No México, a redução da inflação tem sido mais lenta. Ela caiu de 5,1% ao ano, em junho, para 4,8% em julho e deve, segundo as projeções da XP, encerrar 2023 nesse patamar. O índice dos alimentos, que pesou bastante no último ano, mostra sinais consideráveis de alívio. A inflação de serviços, porém, está “mais teimosa” e deve demorar para ceder.
Os próximos dados e o posicionamento do Fed (o BC americano) devem determinar quando o Banxico (o BC mexicano) deve iniciar o corte dos juros. “As pressões inflacionárias e o fato de que o Fed ainda não declarou o fim do ciclo de aperto monetário podem atrasar este processo. Ademais, a atividade econômica resiliente é um risco adicional”, citam os analistas da XP.
As expectativas de crescimento da economia mexicana em 2023 vêm aumentando nos últimos meses. O Itaú elevou sua estimativa de 2,4%, em junho, para 3%, em agosto. É o mesmo que o Banxico projeta.
A Colômbia sofre com uma inflação em 12 meses bastante elevada. Ainda está na casa de dois dígitos (11,8%), embora já tenha registrado quatro quedas consecutivas.
Um dos problemas é a inflação de serviços. A tendência é de alta, o que pode dificultar uma redução do índice geral. A XP aponta que indexação e o consumo das famílias são fatores que influenciam negativamente.
Por outro lado, o peso (a moeda local) fortemente valorizado frente ao dólar e a perda de vigor da economia, que cresceu mais de 7% no ano passado e deve se expandir entre 1% e 1,5% neste ano, podem pressionar a inflação para baixo.
Argentina vai na contramão da América Latina
A Argentina está indo na contramão dos demais países da América Latina. Ela foi obrigada, em meados de agosto, a aumentar as taxas básicas de juro de 98% para 114%.
Mesmo assim, o país tem juros reais (já descontada a inflação) negativos, ou seja, abaixo da inflação. A inflação prevista para este ano é de 160%, segundo estimativas do Itaú, uma das mais elevadas do mundo.
O movimento de alta dos juros ocorreu logo após as primárias que escolheram os candidatos para as eleições presidenciais de outubro, e acompanhou uma desvalorização de 22% na moeda local frente ao dólar.
EUA, Europa e Reino Unido vivem momentos distintos no combate à inflação
As economias centrais vivem situações diferentes. Os Estados Unidos podem ter parado o ciclo de alta nos juros, enquanto os países da Zona do Euro e o Reino Unido ainda devem registrar elevações.
Um ponto em comum entre essas regiões é a persistência dos riscos inflacionários. O mercado de trabalho segue aquecido em muitos lugares. “Assim, a política monetária deve permanecer contracionista no mundo ocidental até que os bancos centrais estejam convencidos de que a inflação retornará à meta”, dizem os especialistas da XP.
Na maior economia global, a avaliação da corretora é de que, mesmo com o Fed ter deixado as portas abertas para uma alta na taxa básica, a tendência é de manutenção neste ano.
“Parece que as maiores taxas de juros em décadas começaram a surtir efeito na economia. Apesar dos dados mais fracos (do PIB e da geração de empregos) cabe a ressalva de que a economia seguiu mostrando crescimento”, complementa o estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves.
Uma eventual alta dependeria de uma deterioração das condições. Há preocupações de sobra para isso: de um lado riscos fiscais mais elevados, de outro, a economia mais resiliente. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento do PIB norte-americano de 1,8% neste ano.
A XP avalia que a Zona do Euro está perto do fim do ciclo de alta nos juros, mas que ainda passará por mais uma elevação na taxa, uma vez que os riscos de inflação são maiores do que os Estados Unidos.
Mesmo com a inflação caindo no Reino Unido – atingiu 6,4% nos 12 meses encerrados em julho, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas (ONS, na sigla em inglês) –, o cenário é diferente. A taxa subiu para 5,25% ao ano, com expectativas para encerrar o ano em 6%.