Na última quarta-feira (13), um grupo de representantes das empresas de construção civil juntou um punhado de parlamentares em um hotel de Brasília. Encabeçados pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), os construtores exerceram a velha arte do lobby em torno de uma agenda que consideram prioritária: dar mais segurança jurídica às empresas e, principalmente, garantir que o fluxo de dinheiro arrecadado com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) continue vertendo para a compra de imóveis. É que foi justamente esse dinheiro, usado para conceder financiamento para famílias de baixa e média rendas (no programa Minha Casa, Minha Vida), que manteve boa parte das empresas em pé nos duros anos de crise econômica, incluindo a maior construtora do país, a MRV.
+LEIA TAMBÉM: MRV e Santander lançam empreendimento-piloto com financiamento ainda na planta
O medo de que o novo governo use o fundo para outros fins, que não aposentadoria e crédito imobiliário, arrepia os empresários do setor. Na reunião conduzida pela CBIC com parlamentares, os construtores prometeram gerar 1 milhão de empregos no curto prazo, um capital bastante sedutor aos políticos presentes no evento. Pelo menos por enquanto, a sinalização positiva de deputados e senadores foi o aceno que faltava para que o setor abraçasse de vez o discurso de que 2019 será, finalmente, o ano da retomada da construção civil no Brasil.
Nos últimos 3 anos, brasileiro dormiu com sonho da casa própria e acordou em um pesadelo
Se há uma década começava o maior boom imobiliário do Brasil, os últimos anos foram de total penúria. Somente entre 2015 e 2017, o déficit habitacional no país ganhou o acréscimo de 220 mil unidades, batendo um doloroso recorde de quase 7,8 milhões de imóveis em falta, ou seja, que precisariam ser construídos para abrigar famílias sem habitação adequada ou nenhuma habitação – segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
E o tsunami arrastou com mais força a classe média, que consumiu menos crédito imobiliário (proporcionalmente) nos últimos três anos. No balanço, o resultado da crise econômica para a construção civil foi um indigesto cardápio de alta inadimplência, retração e obras estacionadas ( são mais de 4 mil delas no país todo).
Agora, porém, o setor parece surfar em uma onda de otimismo que pode refazer as vigas derrubadas de 2014 para cá. Melhora em indicadores econômicos, sinais de que o governo aprovará políticas estruturais e uma aparente disposição do consumidor em passar seu cartão de débito estão fazendo as construtoras e incorporadoras voltarem a desfilar seu tapumes por diversas cidades do país.
“[Esse]Vai ser um ano positivo. Em 2018 já tivemos um resultado melhor em relação a 2017”, diz Marcos Kahtalian, vice-presidente de Banco de Dados do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscon-PR). Somente em Curitiba houve um crescimento na venda de imóveis na ordem de 25% e uma redução de 22% no estoque – que são as unidades que ficaram encalhadas em anos anteriores.
+LEIA TAMBÉM: Crise aposentou “regra de ouro” de rentabilidade do aluguel
A good vibe se estende ao país todo. A Abrainc usa dados trimestrais da tabela Fipe para elaborar uma espécie de termômetro do mercado, chamado de “Radar”. A pesquisa apontou que entre julho e setembro de 2018, último levantamento, houve melhora em vários indicadores econômicos da construção civil.
A conta da Abrainc dá notas de 0 a 10 para as variáveis que afetam a compra e venda de imóveis. A média geral neste trimestre foi pontuada com um 5 – na comparação com o trimestre anterior, foi um aumento de 0,4; na com o mesmo período do ano anterior, a escalada foi de 0,8. A melhora se deu, sobretudo, nos quesitos de oferta (que é o número de novas construções) e, principalmente, no consumo de crédito imobiliário.
Uma questão de crédito
Os financiamentos imobiliários totalizaram R$ 117 bilhões em 2018, um aumento de 15% em comparação com 2017, segundo números da Associação Brasileira de Crédito Imobiliário (Abecip). A entidade, responsável pelo cálculo oficial, diz que o grande peso nesta conta foi da modalidade que usa o dinheiro depositado nas cadernetas de poupança (chamado SBPE).
Nesta linha, foram emprestados R$ 57,4 bilhões em 2018, 33% a mais do que no ano anterior. Na outra linha, a que usa os recursos do FGTS, o aumento de crédito foi de apenas 2%, somando um total de R$ 60 bilhões. E isso justifica o tom otimista da pontuação dada pela Abrainc. Os empréstimos pelo SBPE são aqueles que não têm subsidio do governo e cujos juros costumam ser mais altos. São, por assim dizer, frutos de um desempenho natural da economia.
+LEIA TAMBÉM: Aposta na reforma da Previdência pode turbinar rentabilidade do Tesouro Direto
Os valores totais de crédito estão próximos a números de 2013 e 2014, melhores momentos históricos dos financiamentos no Brasil. Mas não significa que o desempenho seja o mesmo, já que houve inflação e aumento de preços de lá para cá – o valor de hoje compra menos do que o daquela época. São indícios de melhora, mas ainda o alicerce de uma longa obra. Sobretudo pelo fato de que os bancos têm dinheiro de sobra para emprestar nesse momento.
Um cálculo da Abecip, ainda no ano passado, apontava que existe um montante de R$ 230 bilhões para que o brasileiro use em financiamentos imobiliários no curto prazo. Em sumo, ainda sobraram mais de R$ 100 bilhões que não foram consumidos – principalmente pela falta de compradores “dispostos a entrar em um empréstimo de 20, 30 anos em um momento de economia em recuperação, mas sem diretrizes consolidadas”, na definição do analista de mercado e economista Paulo Borges Filho.
Mas a tendência é de escalada. “A oferta de crédito melhorou principalmente na [modalidade que usa recursos da] poupança e seguirá melhorando nesse segmento. A tendência é que os financiamentos via FGTS [que são os do programa Minha Casa Minha Vida] se mantenham estáveis”, aponta Kahtalian.
A Abecip é mais incisiva e sugere que os empréstimos com recursos da poupança irão passar aqueles com FGTS em 2019. Pela previsão do órgão, serão emprestados R$ 69 bilhões do SBPE e R$ 57 bilhões do FGTS. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o presidente da entidade, Gilberto Duarte, afirmou que a perspectiva econômica de juros baixos no longo prazo convencerá o comprador a optar pelo boleto do imóvel próprio.
Com tais condições, a expectativa é de baixa inadimplência, mais um estímulo ao crédito. Hoje, essa taxa é de 1,3% (em 2017 era 1,5%). “Com a inadimplência baixa, o apetite de bancos para empréstimos é ainda é maior”, apontou Duarte.
A era das quebradeiras ficou para trás?
Caso se confirme, o bom momento finalmente colocará um ponto final no buraco que o setor visitou nos anos recentes. A crise não escolheu vítimas. De acordo com especialistas e empresários, todos os segmentos da construção (do econômico ao luxo) foram afetados em maior ou menor grau.
“Grosso modo, as empresas pararam de lançar e ficaram apenas com o estoque. Isso para reduzir endividamento, se recuperar economicamente”, diz Kahtalian. “Algumas empresas muito grandes, principalmente aquelas de capital aberto, tiveram dificuldade e entraram em uma situação muito triste”, diz o economista Borges Filho. Foi o caso da PDG, por exemplo.
A segunda maior empresa do setor, que tinha construções em várias partes do país, precisou entrar com um pedido de recuperação judicial em 2017, após acumular dívida de R$ 5 bilhões. Outras, como a Cyrela, embora tenham resistido, passaram por momentos de apuros nos últimos quatro anos.
+LEIA TAMBÉM: Quer trocar de carro? Saiba o momento certo
Se muitas das empresas gigantes foram aos poucos murchando, as menores conseguiram se estabilizar. Como é o caso da paranaense A Yoshii. A incorporadora, que lançou 11 imóveis em 2018 e lançará entre 12 e 14 novos prédios em 2019, havia reduzido o número de empreendimentos a seis por ano entre 2013 e 2017.
“A gente segurou os lançamentos e nos debruçamos nos projetos existentes para que, no momento oportuno, pudéssemos lançá-los”, descreve Leonardo Yoshii. “[Quebrar] É uma questão de gestão, de estar excessivamente alavancado, de conhecimento de mercado, de lançar produtos que não estão alinhados com a localização e perfil de terreno. [O segredo para se manter é] Ser conservador ou ter uma ousadia comedida. Buscar o crescimento de uma maneira sustentável”, diz Leonardo Yoshii, presidente da incorporadora A. Yoshii Engenharia.