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Eleições nos EUA

Saída de Biden muda dinâmica, mas Trump é o favorito. O que isso significa para o Brasil

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Candidato republicano à presidência, Donald Trump. durante discurso em Grand Rapids, no Michigan (Foto: Allison Dinner/EFE)

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A dinâmica das eleições nos Estados Unidos, marcada para 5 de novembro, mudou após o atentado contra o candidato republicano Donald Trump, no dia 13, e a desistência do atual presidente, o democrata Joe Biden, em disputar a reeleição. É a primeira vez que isso ocorre desde 1968, quando o então presidente Lyndon Johnson, também democrata, desistiu de disputá-la.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que uma vitória de Trump poderia trazer impactos à economia brasileira. Os dois principais seriam o aumento no protecionismo e a possibilidade de fortalecimento do dólar no curto prazo, o que poderia acentuar as pressões inflacionárias. Mas eles também sinalizam que há muita incerteza no ar.

“Dúvidas quanto à corrida eleitoral nos EUA adicionaram incerteza nos mercados durante essa semana”, apontam os estrategistas Renan Alves e Maurício Une, do Rabobank, em relatório enviado a clientes. O novo cenário mantém o favoritismo de Trump, mesmo com a provável entrada da vice-presidente Kamala Harris na disputa.

A analista de política internacional da XP Investimentos, Sol Azcune, destaca que há grandes incógnitas do lado democrata, como a escolha de quem será o companheiro de chapa em uma eventual confirmação da candidatura de Harris na convenção democrata, que acontece em agosto.Nesse cenário, ela avalia que Trump tem mais possibilidades de vencer as eleições.

Além da escolha do novo presidente, os americanos irão às urnas para renovar a Câmara dos Representantes e um terço do Senado. “É também uma eleição importante”, ressalta a analista da XP. Ela indicará o grau de manobra que o futuro presidente terá para implementar suas políticas,

“Os mercados estarão acompanhando de perto para ver se os democratas podem usar o momento da mudança para ampliar o apoio e superar o que um estrategista democrata descreveu como uma situação em que 'Trump não é popular, mas Harris simplesmente não é conhecida', restringindo assim a atual liderança do republicano nas corridas presidenciais e do Congresso”, diz Kaspar Köchli, economista do banco suíço Julius Baer.

Do lado republicano, o coordenador de alocação e inteligência da corretora Avenue, José Maria da Silva, destaca que o atentado contra Trump não só fortaleceu a imagem perante o seu eleitorado, mas também nacionalmente. “Deu ainda mais força a ele. A tarefa para Trump está mais fácil, mas ainda há tempo até a eleições acontecerem”, afirma.

Guerra comercial com a China pode ter versão 2.0

Uma vitória do republicano deve ter claros impactos sobre a economia brasileira, apontam especialistas. O foco principal de Trump deve ser uma reedição da guerra comercial contra a China, cortes de impostos e aumento do protecionismo.

A expectativa do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é de que haja muito mais protecionismo por parte dos Estados Unidos em caso de eleição de Trump – que adotou já em sua primeira eleição, em 2016, o lema "Make America Great Again" ("torne a América grande novamente", em português), usado pela primeira vez pelo também republicano Ronald Reagan, em sua campanha de 1980.

Ele faz outro alerta, mostrando que o cenário internacional está muito mais complexo do que era no primeiro mandato de Trump, entre janeiro de 2017 e janeiro de 2021. "Há uma série de questões em jogo: temas como inteligência artificial, semicondutores e guerra cibernética estão em evidência", afirma.

O professor de finanças e controle gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), Rodrigo Leite, diz que é esperada uma retomada da guerra comercial com os chineses, assim como ocorreu na primeira gestão. Os especialistas são unânimes em apontar que ela pode ser muito mais intensa desta vez.

Protecionismo tende a aumentar com Trump

Não é só a China que vai entrar na berlinda. A diretora de macroeconomia e sócia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, diz que todos os países que exportam para os Estados Unidos podem ser afetados em uma gestão Trump: "Com uma tendência a uma política protecionista e o estímulo à volta de negócios para os Estados Unidos, não dá para minimizar esse risco."

A possibilidade de ter tarifas mais elevadas nos Estados Unidos pode gerar uma pressão inflacionária, diz Silva. “Essa seria a grande implicação de um eventual governo Trump.”

No Brasil, alguns itens que correm mais risco de serem sobretaxados, segundo ela, são o aço – a exemplo do que ocorreu no primeiro governo do republicano –, máquinas e equipamentos e suco de laranja.

Silva vê impactos limitados para o Brasil em uma eventual escalada protecionista americana. A estratégia republicana poderia ser limitada pelos acordos bilaterais existentes entre os dois países. “Mas não sabemos se eles seriam alterados ou desrespeitados.”

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que, no primeiro semestre, o Brasil exportou US$ 19,2 bilhões para a maior economia global. É um crescimento de 12% em relação ao mesmo período de 2023. Os produtos mais comercializados foram petróleo, aço, café, aviões e pasta química de madeira.

Os especialistas apontam que, havendo uma vitória de Trump. há possibilidade de ganhos para o Brasil. O recrudescimento da guerra comercial entre as duas maiores potências globais pode causar impactos favoráveis para o agronegócio, explica Leite.

A China pode ampliar a parceria de negócios com o Brasil, comprando mais produtos daqui, em detrimento dos Estados Unidos. Foi o que ocorreu no primeiro mandato do republicano, quando os chineses ampliaram a compra de soja brasileira. “Em alguns produtos, Brasil e EUA são concorrentes”, lembra Vale.

A possibilidade de aumentar os negócios com a China agrada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que disse nesta segunda (22) a agências internacionais que vê novos rumos para uma parceria comercial com a segunda maior economia global.

“Nós pretendemos discutir com os chineses uma nova parceria estratégica entre Brasil e China. Uma parceria estratégica que envolva não apenas exportação de commodities, mas que envolva, no fundo, a gente fazer uma discussão envolvendo ciência, tecnologia, envolvendo a produção de chips, de software”, pontuou. Essa intenção é vista com muita atenção pelo governo americano.

Nos seis primeiros meses do ano, as exportações do Brasil para a China foram 3,7% maiores do que no mesmo período do ano passado. Elas atingiram US$ 51,8 bilhões. Os principais produtos vendidos para lá foram soja triturada, petróleo, minério de ferro, carne bovina e pasta de celulose.

“Nessa disputa entre as duas potências globais, o Brasil está em uma posição confortável. Está longe do alcance delas e é considerado o celeiro do mundo”, destaca o economista-chefe da MB.

O professor da Coppead/UFRJ aponta que a China também vê um grande potencial consumidor no Brasil. As importações de produtos chineses nos seis primeiros meses do ano somaram US$ 29,2 bilhões, 14,5% mais que na mesma época de 2023. Os principais produtos comercializados foram semicondutores, automóveis de passageiros, telefones celulares, circuitos integrados eletrônicos e inseticidas.

Corte de impostos nos EUA pode atingir Brasil

Um movimento de curto prazo que Donald Trump pode promover na economia norte-americana, a exemplo de outros presidentes republicanos, é o corte de impostos. “É outra questão que tem implicações inflacionárias para a economia norte-americana”, diz Silva, da Avenue

Também reduz as possibilidades de uma solução para os problemas fiscais do país. Segundo o Congressional Budget Office (Escritório de Orçamento do Congresso, na sigla em inglês), a última vez que os Estados Unidos registraram superávit primário (diferença entre o que é arrecadado e o que é gasto pelo governo, excluídas as despesas com juros) foi em 2007, antes da crise financeira global de 2008-9. Desde então, a maior economia mundial vem registrando sucessivos déficits.

Mantidas as atuais condições, o déficit federal pode permanecer ligeiramente estável em torno de 6,9% do PIB em 2034. Mas o órgão faz um alerta: “as despesas do governo aumentam mais rapidamente do que as receitas.” O endividamento público federal nos EUA pode passar de 99% do PIB neste ano para 122% do PIB, em 2034, devido aos aumentos nos juros da dívida e nos gastos obrigatórios. A expectativa é de queda nos gastos discricionários e no crescimento da arrecadação.

Ao adotar esse comportamento de corte de impostos, afirma Silva, reduz-se a capacidade de o governo americana ter mais receitas.

Ribeiro, da Tendências, diz que a implicação é de mais crescimento na economia americana, fortalecendo o dólar. Nesse cenário, crescem as possibilidades de uma desvalorização do real, o que favorece um aumento na inflação no Brasil e cria um estímulo para o aumento nos juros por aqui. “A barra sobe”, diz ela.

A economista aponta que no longo prazo a estratégia de corte de impostos se mostra contraproducente, pois contribui para deteriorar as contas públicas norte-americanas, o que, por sua vez, acaba enfraquecendo o dólar.

Relações diplomáticas mais frias com Trump

Os especialistas também projetam relações diplomáticas mais “frias” entre Brasil e Estados Unidos em um eventual segundo mandato do republicano. Os presidentes dos dois países estão em espectros políticos opostos, dizem os especialistas. “Duvido que Lula e Trump sejam os melhores amigos”, afirma Silva, da Avenue.

“O atual governo brasileiro, e tanto Biden quanto Harris possuem algumas vertentes ideológicas similares; mas Donald Trump continua sendo um forte candidato e permanece favorito devido à retirada de Biden, que introduz gigantescas incertezas na campanha democrata. A habilidade de Harris em unificar o partido e atrair eleitores será o grande desafio para desafiar o favoritismo de Trump”, diz o analista Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos.

Assuntos que fazem parte da atual agenda bilateral, como questões ambientais e transição energética, tendem a ter quase nenhum espaço na agenda do republicano.  Mesmo assim, Sergio Vale, da MB Associados aponta que os Estados Unidos vão dar uma atenção “relativa” ao Brasil. “O país é importante no contexto geopolítico regional”, ressalta.

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