Embora não estivesse explicitamente em nenhuma parte do imenso programa de painéis e debates do Fórum Econômico Mundial, o populismo latino-americano foi um tema marcante este ano em Davos. Diversas autoridades de países da região deram diferentes perspectivas sobre o fenômeno, mas todas elas tiveram um ponto em comum: tentar mostrar que seus respectivos países já não sofrem da crônica instabilidade político-econômica característica da história da América Latina.
No contexto dessa narrativa, a Argentina assumiu papel de protagonista. O novo presidente Mauricio Macri e seus principais auxiliares econômicos desfilaram por Davos em uma programação intensa, cujo objetivo principal era o de anunciar e celebrar o fim do ciclo populista no país.
Segundo Federico Sturzenegger, novo presidente do Banco Central da Argentina, o kirchnerismo representou “um gênero muito especial de populismo”. O economista notou que, no típico ciclo populista, o governo se endivida ao máximo, gasta tudo o que puder e deixa a conta dos problemas posteriores para os sucessores.
Na Argentina dos Kirchner, no entanto - na visão de Sturzenegger - o “ódio ao mundo” era tão forte que o país optou por cortar definitivamente todos os laços com o mercado internacional de capitais. O custo desta alternativa, para o presidente do BC argentino, foi o de parar de crescer nos últimos anos, quando se esgotou o ciclo de commodities, e também o de recorrer ao financiamento interno, com aumento de tarifas e impostos (incluindo a taxação da exportação de commodities agrícolas, que Macri já começou a reverter).
O ministro da Fazenda de Macri, Alfonso Prat-Gay, considera que a Argentina se saiu razoavelmente bem na tarefa inicial de desvalorizar o peso, liberar as extremas amarras cambiais do regime anterior e reintroduzir uma política mais normal de juros reais para dar partida ao combate à altíssima inflação. Num passo posterior, cogita-se implantar um regime de metas de inflação.
As negociações com os “hold-outs” (credores da dívida externa da Argentina que não aceitaram os termos da reestruturação) estão avançando e Prat-Gay vê a derrubada da inflação e a rearrumação fiscal como os próximos grandes desafios. Tanto ele quanto Sturzenegger apostam que o baixo nível de endividamento argentino permitirá uma retomada rápida do crescimento.
Uma mensagem diferente, que corresponde a uma etapa mais avançada do pós-populismo, foi dada em Davos por autoridades dos países latino-americanos que adotam o chamado “modelo do Pacífico” de economias em busca de maior abertura e liberalismo, como Chile, Peru, Colômbia e México.
A ideia vendida é de que eles são países que superaram a gangorra de booms e crises característica da região, por meio de regimes monetários e instituições fiscais que permitem navegar em momentos turbulentos da economia mundial.
Nesse sentido, o fim do ciclo de alta das commodities e a aguda queda das matérias-primas nos últimos meses fornecem o “teste” ideal para a tese defendida pelos países do modelo do Pacífico. Em Davos, os ministros das Finanças do Chile, do Peru e da Colômbia procuraram mostrar como a queda das commodities afetou as suas economias, com desaceleração e pressões inflacionárias, mas nem de longe as tirou do trilho. Nos três casos, o PIB continua e território positivo.
O Peru, inclusive, já voltou a acelerar, como apontou o ministro peruano, Alonso Segura Vasi. Em um dos debates, ele afirmou que os últimos presidentes peruanos - inclusive o atual, Ollanta Humala - sofrem com a falta de popularidade, mas há um consenso entre sucessivas equipes econômicas que mantêm o país numa trilha de políticas ortodoxas e liberais.
Já o presidente do México, Enrique Peña Nieto, garantiu em Davos que “somos hoje uma economia que praticamente de despetrolizou”. Ele insistiu na tecla de que o México atual é um país de manufaturas diversificadas, com muitos segmentos de alto valor agregado, e que promoveu uma drástica redução do petróleo na pauta de exportações e na arrecadação tributária. Da mesma forma que Peru, Chile e Colômbia, a mensagem foi de superação da fase de booms e crises.
Coube a Nelson Barbosa, ministro da Fazenda do Brasil, a tarefa difícil de mostrar um país que, sem troca de governo, manteve os compromissos de inclusão social da era do boom de commodities, mas adaptando-os às vacas magras da etapa atual. Barbosa rechaçou o rótulo de populismo para fase de ouro do governo Lula, afirmando que o Brasil aproveitou a alta das matérias-primas para reduzir a pobreza e a desigualdade e agora, sem descartar programas sociais, está redimensionando-os para uma etapa de orçamentos mais restritos.
O pano de fundo negativo para a discussão do populismo, finalmente, foi a Venezuela. O economista Ricardo Hausmann, de Harvard, disse que a Venezuela (seu país de origem) viverá em 2016 um colapso econômico de enormes proporções, que vai causar uma “crise humanitária”.