Criada em 1967 com o objetivo de dar condições econômicas para o interior da Amazônia se desenvolver e reduzir a importação de produtos manufaturados, a Zona Franca de Manaus completa 50 anos dividindo opiniões quanto à política de incentivos fiscais, que nesse período já foi prorrogada por quatro ocasiões. Da última vez , o benefício foi estendido por mais 50 anos, até 2073. Para economistas, cinco décadas depois, as mais de 500 indústrias que integram o polo já deveriam caminhar com as próprias pernas.
Só em ICMS, a renúncia fiscal do estado do Amazonas, que é economicamente dependente do polo, saltou de R$ 3,398 bilhões em 2010 para R$ 7,245 bilhões no ano passado, alta de 113%, enquanto a arrecadação do estado cresceu apenas 27%, passando de R$ 5,547 bilhões para R$ 7,053 bilhões no mesmo período. Ou seja, no total, o estado já renuncia em ICMS para o polo um valor maior do que o arrecadado com outras atividades.
Nesse mesmo intervalo, a média mensal de mão de obra empregada no polo caiu de 103 mil para 85,5 mil. Empresários e administradores da Zona Franca de Manaus avaliam, porém, que, sem os incentivos, as empresas deixariam a região, aumentando o desemprego e colocando em risco a preservação da floresta amazônica.
“Das 27 unidades da federação, apenas oito, incluindo o Amazonas, devolvem para a União, em arrecadação de tributos federais, valores que superam o repasse compulsório que recebem. Em 2015, o Amazonas recebeu R$ 3,4 bilhões do governo, mas arrecadou quase R$ 10 bilhões a mais. O que mostra que a renúncia fiscal da atividade é saudável ao país”, defende Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam).
Roberto Castello Branco, diretor da FGV Crescimento & Desenvolvimento, considera a prorrogação sucessiva de incentivos “absurda” e sugere que a região encontre “a sua verdadeira vocação”. “O polo nasceu e não se viabilizou em 50 anos. Dizer que a Zona Franca, com seus incentivos, gerou empregos é um argumento clássico para justificar a intervenção do Estado na economia, seja para crédito subsidiado ou concessão de incentivos fiscais. Não é a toa que estamos passando por uma crise fiscal e de arrecadação. O estado criou uma distorção para compensar outra distorção. Talvez seja vocação de Manaus o turismo e a exploração de recursos naturais.”
Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a Zona Franca é importante para o desenvolvimento regional, mas pondera. “Depois de meio século, espera-se uma trajetória de sucesso sem os incentivos. Isso denota um limite desse modelo de incentivo à industrialização.”
Segundo o presidente do Cieam, dois terços da população do Amazonas e 95% da arrecadação estão em Manaus. “Sem a Zona Franca, não teríamos atraído tantos investimentos, ocupado nossa mão de obra e preservado 97% da floresta amazônica no nosso território.”
Mas, apesar de defender o modelo, reconhece a necessidade de o estado diminuir essa dependência.
As indústrias instaladas no polo de Manaus têm redução de até 88% no Imposto de Importação, são isentas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins e têm corte de 75% no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. O dois primeiros benefícios estão assegurados na Constituição Federal. Quanto aos tributos estaduais, as empresas recebem restituição entre 55% e 100% de tudo o que desembolsam com o ICMS. Em contrapartida, devem cumprir metas de geração de emprego, investimento e aquisição de matéria-prima regional e nacional.
“Há requisitos mínimos de verticalização da produção para que a Zona Franca não funcione como simples maquiadora”, explica Rebecca Garcia, superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), que administra o polo.
Ela destaca, ainda, que o polo criou e é o mantenedor, por meio de doação de 2,5% do faturamento a anual de cada empresa, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA).
O polo foi duramente afetado pela queda da demanda por bens duráveis, já que 95% da produção são destinados ao mercado interno. Praticamente todos os televisores, motocicletas e aparelhos de ar-condicionado brasileiros são feitos em Manaus. De acordo com Périco, 0,5% do PIB nacional é gerado na Zona Franca.
Em 2014, o faturamento do polo atingiu o pico da década, somando R$ 87,4 bilhões, assim como a média mensal de pessoas ocupadas na Zona Franca, que foi de 114 mil. Os dois anos de recessão derrubaram esses números. No ano passado, a média mensal de pessoas ocupadas caiu para 85 mil e o faturamento anual, para R$ 74 bilhões. A taxa de desemprego de Manaus saltou de 11,8%, em 2012 para 17,4% em 2016.
Localizadas no centro da maior floresta tropical do mundo, as empresas estão praticamente isoladas via terrestre dos outros estados, tendo de fazer todo o transporte de insumos e distribuição de produtos acabados pelos dois portos privados da cidade ou pelo ar.
A superintendente da Suframa justifica que, diante dessa realidade, os incentivos fiscais agem como compensação para os problemas de infraestrutura. “Jamais colocaria minha indústria aqui sem incentivos. Quando você os coloca na balança, fazem toda a diferença por causa da nossa localização. Nosso frete é muito mais caro do que no restante do país. Não temos ligação com nenhum outro estado a não ser pela BR-319, que está sem asfalto e intrafegável por causa de questões ambientais.”
Para Arnaldo Donisete, especialista em contabilidade empresarial e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a inovação é um diferencial da zona franca. “São empresas de médio e grande porte que trouxeram desenvolvimento que se estendeu para as atividades de serviços e comercial de Manaus. A política de incentivos prevê um grau de inovação dentro dos padrões internacionais. Os trabalhadores usam equipamentos menos poluentes e tecnologia avançada. Além disso, influenciou a criação de cursos de engenharia e áreas de inovação, que talvez não existissem sem o polo.”
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