O apagão que afetou todas as regiões do país na manhã desta terça-feira (15) é considerado preocupante por especialistas no setor energético. Ele ocorreu em meio a um momento de oferta abundante, com os reservatórios de hidrelétricas próximos dos maiores níveis desde 2000, e demanda contida, com a economia em desaceleração e na estação mais fria do ano – sem picos de consumo por causa do calor, por tanto.
O problema no fornecimento de energia, segundo especialistas, indica que há falhas de planejamento, problemas de comunicação e até mesmo carência de pessoal capacitado para lidar com esse tipo de ocorrência.
Segundo os dados mais recentes do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), relativos a segunda-feira (14), os reservatórios das hidrelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste – o principal do país – ocupam 82,4% da capacidade. No Sul, o índice é ainda maior, de 92,5%. A situação também é bastante confortável nos subsistemas Norte (88,1%) e Nordeste (76,6%).
Não falta oferta de energia, portanto. Segundo o ONS, as perspectivas para a chamada "energia armazenada" no fim deste mês para 31 de agosto estão acima de 70% em todo o país. Esse prognóstico aponta para reservatórios em 88% da capacidade no Norte, 85% no Sul e 74% no Nordeste. No Sudeste/Centro-Oeste, o índice esperado para 31 de agosto é de 78% – que, se confirmado, será o melhor da série histórica iniciada em 2000.
Pelo lado da demanda, a carga de energia (consumo mais perdas) no Sistema Interligado Nacional (SIN) no momento da interrupção era de 73,5 mil megawatts (MW). O montante é 15% menor que a máxima histórica de 83,9 mil MW, registrada em 14 de fevereiro deste ano.
Tampouco há ameaças relevantes adiante, do ponto de vista do consumo. Embora ainda cresça, a atividade econômica sofreu forte desaceleração na passagem do primeiro para o segundo trimestre, segundo os dados disponíveis.
ONS diz que houve "separação elétrica" de regiões
Segundo o ONS, a ocorrência no SIN começou às 8h31 e nos nove primeiros minutos houve uma queda de 19,1 mil MW na carga do sistema, o equivalente a 26% da carga total no momento da interrupção.
Cerca de cinco horas depois, às 13h44, o sistema tinha voltado aos níveis pré-apagão. A carga total, de acordo com o ONS, era de aproximadamente 73,2 mil MW.
Segundo o ONS, houve um problema que provocou a separação elétrica das regiões Norte e Nordeste das regiões Sul e Sudeste, com “abertura das interligações entre essas regiões”.
O corte de energia no Sul e Sudeste, segundo o Operador, foi uma ação controlada para evitar propagação da ocorrência. Isto é, o fornecimento de energia foi limitado propositadamente nessas regiões para evitar um alastramento ainda maior.
Vinte e cinco estados e o Distrito Federal foram atingidos – apenas Roraima, que não está interligado ao SIN, escapou. A recomposição do fornecimento foi ocorrendo aos poucos. Duas das primeiras regiões a terem o problema solucionado foram o Sul e o Sudeste. Nas demais o restabelecimento é mais lento. Segundo comunicado publicado às 12h45 pelo Ministério de Minas e Energia, às 12h30 haviam sido recompostos 41% da carga da região Norte e 85% da região Nordeste. A situação voltou ao normal às 14h30.
Comunicação foi deficiente, dizem especialistas
Um problema apontado pelo pesquisador associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto Ilumina, Renato Queiroz, foi a falta de comunicação por parte do governo. O problema começou às 8h31 e a primeira nota oficial do Executivo foi divulgada apenas às 9h39.
Uma das hipóteses levantadas pelos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo é de que o governo quis saber mais detalhes do problema antes de emitir um comunicado oficial.
Rafael Herzberg, consultor independente na área de energia, destaca também a possibilidade de ruídos causados por questões políticas: “Há muito interesse em jogo”.
O apagão, combinado com o reajuste de 16% na gasolina e 26% no diesel vendidos pela Petrobras, foi criticado duramente por políticos da oposição. Pelas redes sociais, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse que disse que o apagão “aconteceu hoje, mas começar, começou em 1º de janeiro”, referindo-se ao início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Queiroz, da UFRJ, lembra que há uma série de problemas no setor elétrico. Um deles é relacionado a questões de planejamento. “São muitas empresas no setor. O sistema está muito aberto e muitos funcionários que detêm conhecimento estão saindo das empresas que atuam no setor em meio a programas de demissão voluntária”, diz.
Gargalos terão de ser analisados por grupo de trabalho
O papel do grupo de trabalho que o Ministério de Minas e Energia vai formar será muito relevante para analisar o problema. “Há todo um post-mortem a ser analisado”, diz a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), Joisa Dutra.
A busca pela origem do problema é uma das primeiras questões a ser tratadas. “Pode demorar até um mês para achar a causa”, diz a especialista da FGV. Até o meio-dia desta terça, havia pelo menos três hipóteses em análise.
Uma, segundo o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, seria uma falha em uma subestação de energia em Imperatriz (MA). Outra, apurada por “O Globo” junto a fontes da ONS, é que teria havido uma falha em uma subestação em Anapu (PA), a 20 quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte. Uma terceira possibilidade, levantada por fontes citadas pelo “Valor”, é de que cinco turbinas da usina de Santo Antônio, em Rondônia, tenham saído do sistema simultaneamente.
Uma das questões a ser analisada, de acordo com Herzberg, é a robustez do sistema. Ele destaca que pode haver fragilidades locais – como foi o caso do apagão no Amapá, que aconteceu em novembro de 2020 e deixou quase 800 mil pessoas sem energia durante 22 dias. O problema foi causado pela explosão de um transformador em Macapá e a falta de um que funcionasse como um backup.
Mas ainda há outros gargalos a serem trabalhados, destaca o consultor independente. Um deles está relacionado à oferta de energia solar. “Ao anoitecer, há uma transição muito rápida. As fontes convencionais têm de assumir uma grande carga que estava sendo gerada por outra fonte”, diz.
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