O Brasil continua sendo atraente para o investidor estrangeiro que vem aproveitar a elevada taxa de juros do país — 14,25% ao ano — com operações especulativas chamadas de carry trade. Dados do Tesouro Nacional mostram que a participação dos estrangeiros na dívida pública brasileira subiu de 18,6% em 2014 para 18,8%, em 2015, apesar de o país ter perdido a chancela de bom pagador por agências de classificação de risco. A dívida pública chegou a R$ 2,8 trilhões em fevereiro.
Em 2010, quando a taxa básica de juros Selic estava em 10,6% ao ano, a fatia dos estrangeiros na dívida pública não passava de 10%.
Segundo o Tesouro Nacional, 86% dos papéis nas mãos de estrangeiros são títulos pré-fixados. E a maior parte desses títulos, 38,3%, vence em apenas um ano. Na ponta do lápis, atualmente são R$ 474 bilhões aplicados por estrangeiros em papéis da dívida brasileira. Nos dois primeiros meses do ano, essa posição encolheu R$ 23 bilhões, mas em março a sinalização é que esse montante voltou a subir, mesmo num ambiente de incerteza política.
Segundo especialistas, para ganhar com a elevada Selic, uma parte desses investidores estrangeiros toma dinheiro emprestado em países com juros baixos, por exemplo os Estados Unidos ou Japão, e aplica os recursos em títulos da dívida brasileira. É o que se chama de carry trade.
“O aumento da participação dos estrangeiros em títulos da dívida brasileira, num ano de perda de grau de investimento, mostra que muitos investidores continuam ganhando com a diferença de juros pagos no Brasil e em países como EUA ou Japão. E, aqui, os estrangeiros preferem tomar posições em títulos pré-fixados, onde se sabe de antemão qual será a rentabilidade”, explica Alexandre Póvoa, sócio da Canepa Asset Brasil.
Segundo os analistas, estes investidores de perfil mais especulativo atuam sempre quando detectam fragilidades na economia de um país, como é o caso atual do Brasil.
“Esses investidores, que são grandes fundos de investimento em emergentes, estão sempre olhando oportunidades para “assaltar o galinheiro” no mercado de moedas e de títulos. E este é um momento em que a economia e o Banco Central brasileiros estão fragilizados”, diz o consultor de investimentos, Paulo Bittencourt, que acredita que este ano, mesmo com incertezas políticas, vai crescer o número de investidores que usam o carry trade para ganhar com a diferença de juros.
Bittencourt lembra que o banco central americano, o Federal Reserve (Fed), já sinalizou que os juros nos EUA, que estão em 0,25% ao ano, não vão subir em breve. No Japão, o juro é negativo e na Europa a taxa está zerada, o que reduz as oportunidades de ganhos nos países ricos.
Bolsa
Professor de economia e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP), Willian Eid diz que os títulos da dívida brasileira continuam na mira dos investidores que utilizam o carry trade porque há maior liquidez num mundo de juros baixos e esse capital está atrás de oportunidades de ganho maior.
“Esse especulador vem independente do grau de investimento do país. Na Bolsa brasileira, por exemplo, também há ingresso de capital estrangeiro neste início de ano porque existem boas oportunidades de ganho com ações baratas”, diz Eid.
Eid explica que o risco de calote da dívida brasileira é baixo. Segundo ele, o prazo médio de vencimento dos títulos é de seis anos, um patamar que está dentro dos padrões internacionais.
“Por isso, a conta do investimento em títulos nacionais é positiva, independente do fluxo cambial ser negativo neste início de ano e da perda do grau de investimento”, diz.
Gasto com juros
O consultor de investimentos Paulo Bittencourt diz que o Banco Central está de mãos amarradas para reduzir os juros, já que a inflação se mantém elevada. E com a Selic neste nível, diz ele, nos últimos 12 meses, até janeiro, o Brasil pagou R$ 540 bilhões em juros do setor público, o equivalente a 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2014, o pagamento de juros foi de 5,5% do PIB.
“O BC fica esperando saírem os dados de inflação para só então decidir o que fará com a Selic. A autoridade monetária deveria se antecipar ao mercado e balizar as expectativas. Abre-se um flanco para o investidor especulativo se posicionar e ganhar, em média 10%, com essa arbitragem de juros”, diz Bittencourt.
Ele observa que, para este especulador, o câmbio volátil atrapalha, já que uma desvalorização muito acentuada do real pode anular os ganhos com os juros.
Bittencourt afirma que esse dinheiro mais volátil ajuda a financiar as contas externas do país, mas ele é ilusório. Isso porque no momento em que esses investidores detectam que é “hora de abandonar o barco” eles saem todos ao mesmo tempo.
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