Carro de motorista parceiro do Uber e da 99.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo

Os hábitos de consumo dos brasileiros mudaram radicalmente nos últimos cinco anos. Com a evolução dos smartphones, quase todo tipo de serviço está hoje ao alcance dos dedos. Um levantamento sobre consumo por meio de aplicativos dá a dimensão do peso que esses "gastos invisíveis" têm e mostra o quanto eles podem comprometer o orçamento.

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Segundo pesquisa da Guia Bolso, plataforma de organização das finanças pessoais, só os gastos com os principais apps de transporte no País - Uber, 99 e Cabify - comprometeram, em média, 9,5% da renda dos 72 mil usuários da plataforma que utilizaram esse serviço em maio. O gasto médio com esses apps no mês foi de R$ 119.

Em segundo lugar, ficaram as despesas com aplicativos de entrega de comida. A média gasta pelos 39 mil usuários que pagaram por esse serviço em maio foi de R$ 85, uma fatia de 8,1% da renda registrada por esse grupo.

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O gasto com aplicativos de filmes e de música consta no orçamento de 30 mil e 49 mil usuários da plataforma, respectivamente. A pressão sobre as contas, no entanto, foi bem menor: nenhuma das duas despesas chegou a passar de 3% do orçamento.

Embora os dados se refiram a uma parcela pequena e específica da população, eles permitem enxergar um novo perfil de consumo que não está relacionado apenas à renda, avalia o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe, Guilherme Moreira. "Os hábitos mudaram de maneira permanente, a estrutura dos gastos mudou. São números interessantes que mostram a importância que essas tecnologias passaram a ter na vida das pessoas", diz.

O professor explica que esses gastos não são exatamente extras, já que tendem a substituir outras despesas - enquanto crescem os pedidos de comida pelos apps, uma família pode diminuir a frequência da alimentação em restaurantes. "Deveremos ver uma redistribuição dos pesos dos setores", afirma.

Gastos fogem do controle fácil

Para Cláudia Mendes Nogueira, sócia da consultoria Oficina de Valor, a popularização desses aplicativos conseguiu ser rápida, pois eles atuam com serviços que já faziam parte, ainda que de outra maneira, da vida das pessoas. "São fáceis de usar, não há uma grande barreira de entrada." Ela chama atenção, entretanto, para o outro lado dessas facilidades. "O controle dos gastos é um hábito que se adquire ao longo da vida e é um ponto sensível para os mais jovens."

Diretor do Guia Bolso, Julio Duram concorda que não é difícil perder o controle com esses gastos. "Se você olhar as categorias, todas são sobre conveniência, são um caminho mais simples e curto. Mas tem uma armadilha: você gasta e só vê o tamanho do estrago no fim do mês, quando falta dinheiro", diz.

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Foi assim, pouco a pouco, que a engenheira carioca Priscila Lourinho, 28 anos, fechou alguns meses no vermelho por causa das despesas com apps de transporte. Em vez do trajeto mais em conta até o trabalho, de metrô, prevaleciam os minutos ganhos de carro. "Não me planejava e depois percebi que estourava o orçamento. Hoje tenho isso mapeado. Aprendi que tempo é dinheiro, literalmente."

Para o relações públicas Hamilton Rodrigues, de 33 anos, a opção pelo aplicativo para ir de casa, no bairro da Pompeia, para o trabalho, em Pinheiros, ambos na zona oeste de São Paulo, é resultado da comodidade, já que praticamente não resulta em economia de tempo. Priorizando o conforto, ele já estourou o orçamento em cerca de R$ 500. "Valores pequenos parecem que não vão afetar, então você acaba relaxando e pedindo carro por qualquer coisa. Sempre tem uma desculpa", brinca.

Uma mãozinha para o controle das finanças

Sem esperar pelos institutos oficiais de pesquisa que confirmem essa nova realidade, empresas já oferecem serviços para facilitar o acesso a esse tipo de consumo e também para acompanhar os gastos. A fintech Neon Pagamentos lançou no mês passado um serviço para controlar o uso do cartão nos pagamentos de Netflix, iFood, Spotify e Uber. Segundo a empresa, a faixa de consumidores entre 28 e 34 anos é a que compromete a maior parte da renda com os serviços, chegando a 30%. "Identificamos esse comportamento e colocamos nosso foco em jovens que começam a ganhar o próprio dinheiro", diz o diretor da Neon Alexandre Álvares.

Um dos fundadores da plataforma digital Jeitto, Carlos Barros destaca que esse mercado, que começou a decolar em 2014, não se restringe às faixas de renda mais altas. Pagamentos em dinheiro, por exemplo, atingem público cinco vezes maior do que o do cartão, conta. Entre os usuários da Jeitto que ganham até um salário mínimo, os gastos com app de transporte são, em média, de R$ 52. De um a dois salários, de R$ 58.

"Isso revela o alcance dos aplicativos em todas as classes, alavancados pelo uso dos smartphones em todas as rendas", avalia. Segundo pesquisa mais recente da TIC Domicílios, 60 milhões de brasileiros acessavam a internet exclusivamente pelo celular em 2017.

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Para quem anda 35 Km ou mais por dia, apps valem mais a pena

Se bem planejado, o gasto com aplicativos pode até representar um alívio para o bolso, como no caso da relações públicas Louise Arcanjo, de São Caetano (SP). Ela deixou de usar o carro particular depois de colocar os custos na ponta do lápis. Usando o fretado da empresa para ir ao trabalho e indo à capital só com app, economiza até R$ 150 por mês. "Fui fazer as unhas e deixei o carro estacionado. Quando voltei, vi que o preço cobrado era o dobro do que sairia se fosse pelo aplicativo. Aí decidi fazer as contas."

Segundo simulação da 99, o carro próprio só compensa financeiramente para quem percorre 35 quilômetros por dia ou mais: para quem vai de Pinheiros, na zona oeste, ao Brooklin, na zona sul de São Paulo, a economia pode chegar a quase R$ 6 mil por ano para quem usa apps; para quem vai de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, ao centro da capital, ter carro próprio pode sair quase R$ 3 mil mais barato.

O problema é levar as pessoas a calcular o que vale mais a pena, diz Pâmela Vaiano, diretora da 99, citando pesquisa da empresa, em parceria com o instituto Ipsos, segundo a qual 76% dos brasileiros não planejam seus gastos com transporte.