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Quatro de setembro de 2021, 14 horas. Esse foi o momento em que a maquiadora Mary Cristina dos Santos Siqueira, 39 anos, retomou sua fonte principal de renda: preparar uma noiva e as madrinhas para a grande festa. A microempreendedora, que atua em Franca (SP), amargou quase 18 meses de ostracismo durante a pandemia de coronavírus, que provocou a suspensão ou adiamento de festas e celebrações.
Segundo o portal de transparência do Registro Civil, em todo o país o número de certidões de casamento caiu 25% em 2020, em relação ao ano anterior. Em Franca, a queda foi semelhante, com 1.675 certidões em 2020, ante 2.306 de 2019. E, como se sabe, grande parte dos que se casaram dispensou a festa, por causa das restrições sanitárias.
Como cortou boa parte das despesas familiares e conseguiu se enquadrar no auxílio emergencial pago pelo governo federal em 2020, Mary conseguiu se manter sem precisar abandonar a profissão. Pensou várias vezes em desistir, mas seguiu adiante, motivada pelo compromisso firmado com algumas noivas e pelo amor à profissão.
“As opções eram conseguir um local para atender as clientes ou conseguir outro trabalho e dinheiro para devolver o sinal que elas deram em garantia. Mas então, se é para arrumar um dinheiro, que seja com o fruto do trabalho que amo”, diz a maquiadora.
A história de perseverança de Mary Siqueira é mais uma da série O Brasil que inspira, que conta trajetórias de brasileiras e brasileiros e seus esforços para trabalhar e empreender na pandemia.
Se Mary está disposta a continuar, há muitos negócios nesse ramo propensos a fechar: uma pesquisa realizada entre 1.º e 10 de julho de 2021 pela Associação Brasileira de Salões de Beleza (ABSB), com apoio do Sebrae, mostrou que 29% de 200 proprietários de estabelecimentos pensavam em encerrar atividades ou mudar de segmento. Segundo o levantamento, 60% tinham pendências com impostos, 32% estavam com pagamento de aluguel atrasado e 24%, com parcelas vencidas de empréstimos.
Os prejuízos não decorrem só do fechamento de estabelecimentos, mas de uma mudança no comportamento do consumidor, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec).
A necessidade de usar máscaras reduziu a aquisição de batons. Por outro lado, “foi observada uma mudança no tipo de maquiagem utilizada ao longo de 2020, com o uso de produtos multifuncionais, como os BB creams e os CC creams, trazendo funcionalidades associadas à hidratação, proteção para a luz azul emitida pelos aparelhos eletrônicos, uniformização da pele”, informa associação.
Segundo as pesquisas feitas pela Abihpec, o consumidor diminuiu a frequência de compra, mas não deixou de usar maquiagem no dia a dia. Ainda assim, o impacto sobre os negócios foi grande. No primeiro semestre de 2021, a venda de maquiagens diminuiu 6% em relação ao mesmo período de 2020 – ano que já tinha sido de grande retração, com queda de 18% na comparação com 2019.
Mary faz várias produções, mas se especializou em atender noivas, o que exige um espaço produzido e bonito para a sessão de fotos. Ela tinha um salão nesse estilo, que era sublocado de uma pessoa que decidiu devolver o imóvel logo após o lockdown de março de 2020.
“Realmente fiquei desesperada. Corri atrás de outra opção, que precisava de reforma para ficar de acordo, e isso acabou durando o ano inteiro. A vantagem é que eu ia pagar aluguel por comissão”, explica a maquiadora. Em janeiro de 2021, a situação parecia se normalizar: ela fechou quatro contratos com noivas. Em seguida, no entanto, a determinação de novas restrições sanitárias na cidade provocou a suspensão das festas.
Em junho, Mary soube que estava desalojada novamente. Desta vez foi atrás de um contrato direto de aluguel, sem intermediários, com prazo de um ano. Entre seus planos está a compra de um imóvel próprio, porque diz que gastou muito em reformas de locais em que acabou ficando pouco tempo.
“Várias vezes pensei em desistir. É muito triste, colocar dinheiro no imóvel de outra pessoa e não ver o retorno. Mas prefiro atender às clientes. Estou numa situação se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Mas ainda não fiz tudo que eu tinha para fazer”, diz.
Mary aprendeu web design e maquiagem sozinha. Agora busca consultoria financeira
A carreira na maquiagem foi um acaso para Mary. Ela começou a trabalhar ainda na adolescência em uma fábrica no polo calçadista de Franca, mas aos 18 anos ela engravidou e depois teve dificuldade para se recolocar no mercado. Anos depois, começou a vasculhar a internet e se dedicou ao web design, que aprendeu sozinha.
Por gostar de se produzir, passava bastante tempo assistindo a vídeos de maquiagem, até reconhecer ali uma oportunidade de negócio. Sem ter feito nenhum curso formal, resolveu dar aulas.
“Tenho muita facilidade para aprender, só de assistir, peguei o jeito e fui embora. Fiquei estudando por bastante tempo, reuni conteúdo e montei um método para ensinar. Então fiquei um tempo trabalhando com web design e curso à noite, e comecei as produções de maquiagem aos finais de semana”, relata.
Segundo Mary, muitos dos atuais maquiadores de Franca, que hoje são concorrentes, passaram pelos seus cursos. Ela chegou a ter três turmas por semana, com oito a dez alunos cada. Primeiro usou a cozinha da casa onde morava, depois foi para a garagem para abrigar melhor a todos e em 2014 alugou um espaço maior, que também funcionava como salão.
O problema é que, durante a pandemia, a demanda por treinamentos também caiu. “Dou curso na área de salão para outros profissionais, que estavam na mesma situação que eu: não tinham dinheiro. A não ser por um ou outro curso muito aleatório, quase não trabalhei com isso no ano passado”, diz. Agora em 2021 ela tem oferecido cursos individuais na casa alugada onde está morando – menor que a anterior, para reduzir as despesas familiares.
Nos planos da empreendedora está a realização de algum curso ou consultoria financeira, que a ajude e economizar e adquirir um imóvel próprio, para morar e para maquiar: “Coloquei na minha cabeça que estou começando de novo. Nessa nova fase vou pegar mais firme na área financeira”.
Esta é a quinta reportagem da série O Brasil que inspira, que conta histórias de brasileiras e brasileiros de coragem, que usaram criatividade e persistência para se manter durante a pandemia de coronavírus. Acompanhe: