Dois meses após a prisão de Carlos Ghosn, caso que chocou a Nissan e a indústria automotiva global, a montadora japonesa vem cogitando abolir a figura hierárquica do seu organograma, a medida que também reestrutura toda a sua governança.
A queda do brasileiro, acusado de crimes financeiros que podem colocá-lo atrás das grades por décadas no Japão, resultou na demissão dele como presidente da Nissan, deixando a montadora que um dia ele ajudou a salvar do colapso com um vácuo de liderança no nível de conselho.
Embora a dispensa da figura de um presidente possa levantar suspeitas nos Estados Unidos e na Europa, a legislação japonesa permite que companhias operem sem um e algumas realmente têm optado por esse caminho como uma maneira de distribuir o poder entre os representantes da parte mais alta da organização.
“Nós estamos desenterrando tudo e esclarecendo e propondo o que podemos fazer para melhorar nossa governança”, disse uma dos diretoras independentes da Nissan, Keiko Ihara, em Tóquio. “Há também o debate sobre se realmente precisamos de um presidente”.
Na esteira do escândalo de Ghosn, que também levou a própria Nissan a ser processada, Hiroto Saikawa, CEO da companhia, prometeu solucionar as deficiências de governança que permitiram ao executivo esconder cerca de US$ 70 milhões em salários e benefícios e transferir perdas para a montadora, segundo acusados da promotoria japonesa. A própria nomeação de Ihara, ex-modelo e piloto de carros de corrida, foi citada como exemplo de governança questionável na companhia de 85 anos de idade.
Embora os promotores tenham se concentrado nas supostas transgressões de indenização de Ghosn e na chamada quebra de confiança, o processo criminal foi iniciado após uma extensa investigação da Nissan sobre o comportamento do executivo brasileiro. A Nissan também acusou Ghosn de fazer uso indevido dos fundos da empresa e contratar sua irmã para um trabalho de consultoria, levantando questões sobre a rigidez dos processos de governança corporativa da montadora.
Ghosn está prestes a deixar os papeis de presidente e CEO da Renault. Na sexta-feira (18), a Nissan e a Mitsubishi informaram que o executivo brasileiro recebeu US$ 8,9 milhões em pagamentos “impróprios” realizados por uma subsidiária que ambas mantinham na Holanda. No mesmo dia, o governo francês pediu à Renault que convoque uma reunião de seu conselho administrativo para discutir a substituição do brasileiro no comando da montadora, o que deve ocorrer nos próximos dias.
A concentração de poder nas mãos de uma única pessoa foi o que deu brecha para a má conduta de Ghosn e a Nissan não teve os mecanismos de transparência necessários para detectá-la , segundo afirmou Saikawa logo após a prisão do executivo. Saikawa também disse que a empresa procuraria uma estrutura sustentável que não dependesse mais de uma única pessoa. Após comunicar a saída de Ghosn da cadeira de presidente no dia 22 de novembro, três dias após a prisão do brasileiro, a montadora japonesa não indicou nenhum interino para a posição.
Montadora não é primeira empresa japonesa a dispensar os presidentes
A Nissan não é a primeira empresa atingida por escândalos no Japão a acabar com a figura do presidente. A Kobe Steel Ltd. disse no ano passado que aboliria a posição de chairman após a renúncia de Hiroya Kawasaki, que ocorreu em meio às revelações de que a companhia siderúrgica falsificou dados sobre a qualidade de seus produtos por décadas. A Honda Motor Co.eliminou o cargo depois de uma ampla revisão na administração em 2016. A Shiseido, a Denso e a Kubota também não têm presidentes.
A Nissan montou um comitê com seus diretores independentes Ihara, Masakazu Toyoda e Jean Baptiste Duzan para construir uma alternativa para melhor a governança da companhia. O grupo, que reunirá neste domingo (20), está fazendo progressos, segundo Ihara, e quer apresentar um relatório até o final de março.
A montadora está correndo contra o tempo para recuperar a credibilidade à medida que as questões vão girando em torno de sua relação com a Renault e o futuro de sua aliança automotiva. Embora ambas as empresas tenham dito repetidamente que estão comprometidas com o pacto, a Nissan está descontente com o que considera um papel superestimado da montadora francesa na parceria.
As ações da Renault e da Nissan caíram cerca de 5% desde a prisão de Ghosn, que também pressionou os títulos da Nissan.
Segundo Ihara, as duas montadoras estão destruindo como cortas ainda mais custos dentro da liança. Ela acredita que a indústria automotiva passa por uma revolução e que apenas “algumas” alianças irão sobreviver.
Ihara começou como diretora na Nissan em junho de 2018. Ela é uma ex-piloto profissional de carros de corrida, que competiu no Campeonato Mundial de Endurance da FIA, no British F3 Championship, no Super GT e no Le Mans Endurance Series. Ela lecionou na Universidade Keio do Japão e esteve em vários conselhos do governo japonês e nos comitês da Federação Internacional de Automóveis.
Na Nissan, Ihara disse que as reuniões estão acontecendo diariamente, enquanto a empresa se esforça para melhorar sua governança e trabalhar em questões como remuneração de executivos. “Uma vez que consigamos reconstruir a empresa, poderemos realmente nos desenvolver”, disse ela.
Tradução: Fabiane Ziolla Menezes