• Carregando...
Empreendedores no espaço de coworking CoworLisboa, na capital de Portugal | Patricia De Melo Moreira/Bloomberg
Empreendedores no espaço de coworking CoworLisboa, na capital de Portugal| Foto: Patricia De Melo Moreira/Bloomberg

Em 2012, Jaime Jorge fez algo que poucos de seus compatriotas portugueses fariam: disse não a um emprego no Google em Londres. Jorge, então desenvolvedor de software de 24 anos, optou por começar sua própria empresa. Cinco anos depois, a Codacy, empresa que co-fundou com Joao Caxaria, utiliza algoritmos para corrigir automaticamente erros de código de software para dezenas de empresas em todo o mundo, incluindo PayPal e Adobe.

Eles nunca olharam para trás. “Em vez de trabalhar 18 horas por dia para outra pessoa, fizemos este projeto legal para nós mesmos”, diz Jorge em um café em Baixa, distrito histórico de Lisboa. “Tínhamos uma alternativa”.

Isso é algo novo em uma nação pequena, com uma economia estagnada há um bom tempo e um setor bancário estressado. Durante anos, Portugal tem sido o melhor e mais brilhante fornecedor de trabalhadores para empresas globais de consultoria, como a Accenture, ou gigantes da tecnologia, como o Google.

Aqueles corajosos o suficiente para iniciar suas próprias empresas de tecnologia quase sempre se mudavam para Londres, onde uma mistura de criatividade britânica, apoio do governo e capital de risco tinha fomentado uma cena movimentada de startups. Metade dos investimentos em startups de fintech europeias entre 2011 e 2016 foi para empresas britânicas, de acordo com CB Insights, uma empresa de pesquisa de Nova York.

Agora, uma confluência de forças está levando empresários a montar suas empresas em casa. Graças à computação em nuvem e softwares de código aberto, é mais fácil e mais barato do que nunca montar plataformas digitais em qualquer lugar. E universidades como o Instituto Superior Técnico de Lisboa estão ensinando aos alunos a arte do empreendedorismo, em vez de apenas prepará-los para carreiras em corporações multinacionais.

Além disso, Londres é uma das cidades mais caras do mundo para administrar um negócio. Um desenvolvedor de software ganha três vezes o que um codificador ganha em Portugal, de acordo com um relatório da Balderton Capital em Londres.

Em 2012, o empresário português Carlos Silva e seu sócio, Jeff Lynn, estavam montando uma plataforma de crowdfunding de ações chamada Seedrs na capital do Reino Unido. Optaram por montar a sua equipe de desenvolvimento de software em Lisboa. “Eu sabia que havia talento de engenharia inexplorado aqui e, de uma perspectiva de custo, seria muito mais eficiente do que montar em Londres”, diz Silva.

Como resultado, hubs de tecnologia estão fincando raízes em locais improváveis por toda a Europa. Barcelona, Munique, Viena e até Brno, a segunda maior cidade da República Tcheca. Em Lisboa, surgiram empresas que vão desde uma rede social internacional para golfistas, a Hole19, até a Uniplaces, que permite aos estudantes universitários reservar alojamentos em toda a Europa.

Um estudo de 2016 apoiado pela Allianz Kulturstiftung, uma fundação da companhia de seguros alemã, classificou Lisboa como a quinta comunidade com melhor desempenho na Europa, à frente de Estocolmo e Dublin, por exemplo.

A cena tecnológica de Portugal ainda é pequena, com as empresas de capital de risco investindo US$ 18,5 milhões em apenas nove negócios no ano passado, de acordo com a Preqin, uma empresa de pesquisas em investimento global. Mas isso é um salto de seis vezes em relação a 2015, e as empresas portuguesas de fintech já estão fazendo barulho em todo o mundo.

A Feedzai, apoiada pelo braço de risco do Citigroup, usa a aprendizagem de máquina para detectar fraudes para clientes na Europa e EUA. A CrowdProcess desenvolveu um programa de inteligência artificial chamado James, que permite que os fundos hedge e os bancos prevejam quando os ativos de renda fixa ficarão inadimplentes.

Brexit

Agora vem o Brexit. Embora a decisão da Grã-Bretanha de deixar a UE provavelmente não desencadeie um êxodo tecnológico de Londres, ela pode sim acelerar a formação de novas empresas em outros lugares. Perder o acesso ao mercado único europeu obscureceria os planos estratégicos de crescimento de empreendedores que pretendiam usar o Reino Unido como um trampolim para expansão na Europa. Perder os direitos de liberdade de circulação que permitem que os cidadãos da UE se estabeleçam no Reino Unido também pode prejudicar. Mais de 40% dos empreendedores de startups britânicos se formaram fora do país, de acordo com a Balderton.

A incerteza em torno do Brexit já está causando danos. Em 2016, o investimento em empresas de tecnologia britânicas caiu 15%, para 3,6 bilhões de libras (US$ 4,4 bilhões). Essa foi a primeira queda em sete anos, de acordo com Preqin. Além disso, os investidores cancelaram ou atrasaram o financiamento de pelo menos 30 fintechs britânicas desde o referendo de 23 de junho, segundo a Innovate Finance, um grupo comercial de Londres.

Em um discurso no dia 17 de janeiro, a primeira-ministra, Theresa May, prometeu uma partida “suave e ordenada”, mas também prometeu tirar o Reino Unido do mercado único. Assim, a volatilidade criada pelo Brexit só começou.

O Brexit poderia ajudar os membros da UE a fechar a lacuna no jogo das startups. Em Janeiro, a França deu início a uma iniciativa denominada “Bilhete de Tecnologia Francesa”, que concederá a 70 empresários estrangeiros (e suas famílias) visto de residência, um ano em uma das 41 incubadoras do país e 45 mil euros para cobrir as despesas.

Em abril, o bilionário de telecomunicações Xavier Niel planeja abrir a maior aceleradora da Europa, com espaço para 1 mil startups, em uma estação de trem reformada em Paris. Do mesmo modo, as autoridades nacionais e regionais na Itália, Portugal e Espanha adotaram uma combinação de incentivos fiscais e programas de concessão para estimular os hubs de startups.

No entanto, essas iniciativas podem tropeçar se não puderem alimentar essa faísca indefinível que anima o Vale do Silício e a região do silício de Londres. Começar uma empresa de tecnologia e receber uma semente na rodada de financiamentos é tão simples nestes dias que se tornou um rito de passagem para muitos graduados de negócios.

É muito mais difícil transformar empresas “pré-receitas” em empresas fluorescentes e dignas de investimento de cinco a seis anos. Quando isso aconteceu na Califórnia nos anos 1990 e 2000, surgiu uma geração de empresários em série, dezenas de milhares de empregos, e riqueza sem precedentes. Enquanto os europeus, desesperados por crescimento, seguirem se baseando nesse exemplo, não vão transformar suas economias a menos que correspondam ao hype da criação de startup com o poder de permanência de um ecossistema.

Os portugueses certamente têm a parte promocional da equação em baixa. Em Novembro, mais de 50 mil techies desembarcaram em Lisboa para a Web Summit 2016, uma espécie de Davos para os geeks. Na noite de abertura, João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria, revelou um fundo de 200 milhões de euros para co-investir ao lado de empresas de capital de risco locais e estrangeiras que se mudaram para o país.

Em seguida, Vasconcelos, conhecido como “o Padrinho” nos círculos de tecnologia em Portugal, pediu para que mais de 150 fundadores locais subissem ao palco. Quando os canhões encheram o ar de confete e balões caíram das vigas, Jorge, co-fundador da Codacy, acompanhou Vasconcelos e o primeiro-ministro António Costa em um brinde aos milhares de participantes.

Talento

No que se refere à estratégia, as startups portuguesas têm um talento para se expandirem internacionalmente ainda no início do desenvolvimento, um traço enraizado da pequena nação marinheira e da história como uma potência comercial. “Temos nossa própria identidade”, diz Vasconcelos. “Durante séculos fomos para o estrangeiro, o empresário português nasce com uma mentalidade global”.

Eles também vivem em uma economia que não cresce mais de 1% ao ano desde 2007. “A gênese de toda essa cena foi a crise financeira e a falta de empregos”, diz Stephan Morais, membro do conselho executivo da Caixa Capital, uma empresa de capital de risco e capital privado com sede em Lisboa.

O epicentro da comunidade de startups de Lisboa é um edifício de seis andares situado entre uma sala de aplicação de piercings e um café, na Baixa, um distrito do século XVIII. Em 2011, Vasconcelos criou uma incubadora chamada Startup Lisboa. Jorge e Caxaria fundaram então a Codacy em uma sala não muito maior do que um armário de vassouras. Agora a Startup Lisboa é o lar de mais de 40 empresas que se sentem como uma espécie de clube, com seus habitantes digitando em laptops e jogando conversa fora.

Do outro lado da cidade, o empresário António Lucena de Faria está de pé em uma sala de aula com um convidado brasileiro mostrando um diagrama na parede, no qual descreve um programa de nove passos para transformar ideias em negócios. Trata-se da Fábrica de Startups, um acelerador de quatro anos de idade que dirige campos de treino para aspirantes a fundadores de startups, incluindo candidatos do Brasil, Macau e outras terras de língua portuguesa.

Em março, a Fábrica vai sediar a “Semana de Idealização do Turismo”, em que irá ocorrer um brainstorm para desenvolver novos modelos de negócios para uma das únicas indústrias em crescimento do país. Os autores das melhores ideias vão ganhar um lugar no programa Discovery, em que serão acelerados durante cinco semanas neste verão.

Mesmo assim, estabelecer os pilares de construção de uma comunidade de startups é realmente a parte mais fácil. É um bom sinal que pioneiros como Jorge tiveram a chance de começar uma empresa em Portugal. Mas a chave para aumentar essa escala, diz Lucena de Faria, é tornar essa opção uma característica predominante dos negócios portugueses. Isso não vai ser fácil em um país com uma classe profissional condicionada há tanto tempo para evitar o risco e buscar fortunas além das fronteiras. “Temos que mudar a cultura do país”, diz ele. “Esse é o desafio”, completa.

O verdadeiro teste virá dentro de alguns anos, quando a geração de startups de Jorge solicitar o chamado financiamento de fase de crescimento. Eles provavelmente terão que visitar o Vale do Silício, Londres ou Cingapura para isso, porque não existem muitos investidores privados europeus que jogam nesse extremo do espectro. Se esses empreendedores retornarem com o capital para criar mais produtos, mais empregos e maior riqueza, estarão no caminho de transformar suas apostas em algo permanente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]