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O investimento produtivo, mais conhecido pelos economistas como formação bruta de capital fixo (FBCF), teve um crescimento de 17,2% no ano passado e atingiu o equivalente a 19,2% do PIB, a maior taxa desde 2014, segundo dados do IBGE. Mas a tendência é menos favorável para 2022, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
O pesquisador Claudio Considera, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), acredita que a taxa de investimento tende a cair neste ano, em função do aumento nas incertezas causado principalmente pela guerra na Ucrânia e por questões políticas. “Não sabemos como vai ser o dia de amanhã”, diz.
Rodolpho Tobler, outro pesquisador do Ibre/FGV, aponta que o setor industrial, um dos principais impulsionadores do investimento, está em desaceleração devido ao cenário macroeconômico adverso. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, a produção industrial cresceu 2,8% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o IBGE. Esse percentual já foi mais elevado: em agosto, o crescimento em 12 meses era de 7,2%.
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“A guerra acentuou o medo em relação à alta da inflação mundial. Falta um ambiente de negócios mais previsível. Essa série de incertezas prejudica a formação bruta de capital fixo”, diz Tobler.
Problemas na indústria podem inibir investimento
A falta ou alto custo das matérias-primas, que ocupa o primeiro lugar no ranking de principais problemas da indústria desde o início da pandemia, vem gradualmente sendo menos citada pelos empresários industriais, segundo pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Mas outros problemas vêm ganhando força: a preocupação com a demanda interna insuficiente, taxas de juros elevadas e dificuldade na logística do transporte. Outro complicador, segundo os empresários, é a piora das condições financeiras: a insatisfação com o lucro operacional e a dificuldade em obter crédito.
Aperto monetário deprime demanda doméstica
“O juro mais alto é o principal mecanismo que reduz o apetite por crédito”, diz o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung. Os recursos tomados pelas empresas já estão ficando mais caros. De março do ano passado até janeiro deste ano, a taxa média cobrada delas passou de 0,96% para 1,41% ao mês, segundo o Banco Central.
Um empecilho à expansão do investimento é a demanda interna deprimida. No primeiro bimestre do ano, a produção industrial encolheu 5,8% em relação a igual período do ano passado. E as vendas no comércio tiveram uma ligeira queda de 0,1%, de acordo com o IBGE.
Eleições tendem a aumentar a incerteza
Outro fator que cria um complicador é o processo eleitoral, que reforça a incerteza entre os agentes econômicos. “É natural que alguns investidores suspendam a aplicação de recursos durante o processo eleitoral. Mas é uma incerteza temporária, que não tende a punir o investidor”, afirma o diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, órgão ligado ao Ministério da Economia), Marco Cavalcanti.
É uma avaliação corroborada pelo economista-chefe do banco Original, Marco Caruso. Ele aponta que a eleição, naturalmente, vai deixar investimentos de capital fixo em compasso de espera, até se entender qual será a política econômica dos próximos quatro a oito anos. “A eleição vai ser relevante para definir o rumo dos investimentos.”
Para este ano, ele projeta que o investimento produtivo deverá ter uma queda de 4%. Dois fatores pesam em sua ótica: houve uma base relativamente alta no ano passado e há um efeito defasado da alta nos juros.
Falta de insumos não facilita o investimento
A falta de insumos, que começou em 2020 com a crise da Covid-19 e que ganhou força com a guerra na Ucrânia, também deve trazer impactos à Formação Bruta de Capital Fixo. Caruso, do banco Original, afirma que essa situação afeta diretamente na indústria de máquinas, já que ela também depende de componentes, insumos e equipamentos procedentes do exterior.
“A China é uma grande produtora desses materiais e vem enfrentando problemas com a Covid-19”, diz Gustavo Sung, da Suno Research. O mais recente foi com a doença chegando a Xangai, o principal polo econômico do país, o que levou ao fechamento de empresas, causando problemas de distribuição.
Sung diz que essa situação acaba tornando o cenário mais desafiador para as empresas, que já enfrentam uma alta em seus custos. No período de 12 meses encerrados em fevereiro, o índice de preços ao produtor subiu 20,05%, quase o dobro da inflação ao consumidor. “Uma normalização, na melhor das hipóteses, só deve ocorrer em 2023”, afirma Sung.
Caruso também destaca que a guerra, a eleição e o juro alto têm contribuído para manter a incerteza em níveis elevados, o que impacta negativamente o investimento. Em março, o indicador atingiu o maior nível desde novembro, aponta a FGV. “A tendência para os próximos meses dependerá dos desdobramentos dessas tensões geopolíticas, diz Anna Carolina Gouveia, economista da fundação.
Máquinas já sentem desempenho menor
A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) aponta que o ano começou abaixo das expectativas para o setor. No primeiro bimestre, a receita líquida teve queda de 3,9% no comparativo com o mesmo período de 2021. E a produção, segundo o IBGE, encolheu 3,7%.
“A desaceleração da atividade industrial, iniciada no último trimestre de 2021, principalmente nos setores ligados ao consumo das famílias, continua impactando negativamente os investimentos produtivos de alguns segmentos”, destaca a entidade.
Mas, segundo Cavalcanti, do Ipea, há subsetores que vão indo bem, como é o caso dos ligados ao setor agropecuário e à construção civil. Ele não acredita que a taxa de investimento volte aos patamares de 2016 a 2019, quando atingiu 15% do PIB.
Construção também deve sentir desaceleração
Apesar das concessões de infraestrutura, que devem ajudar no desempenho da construção, Caruso não acredita que o setor vai passar incólume à desaceleração nos investimentos. “O segundo semestre deve ser mais complicado do que o primeiro, por causa da alta nos juros. Ainda há uma história positiva no setor.”
Já há sinais de alerta aparecendo. Os fabricantes de material de construção já tiveram uma queda real (já descontada a inflação) de 9,4% no primeiro trimestre, comparativamente a igual período do ano passado, segundo pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat).
A visão do Banco Central e do Ipea sobre o investimento produtivo em 2022
O Banco Central avalia que condições financeiras mais restritivas podem desacelerar a expansão dos investimentos. “A elevação da incerteza em relação à economia mundial e doméstica, em cenário de conflito no Leste Europeu e aumento das tensões geopolíticas, continuidade de problemas em algumas cadeias de suprimentos e preços elevados de insumos podem ser limitações adicionais”, aponta o mais recente Relatório Trimestral de Inflação da autoridade monetária.
A instituição também destaca que dados da sondagem da indústria, feita pela FGV, mostram recuo na confiança de empresários da indústria de transformação, “possivelmente afetando a disposição para aquisição de máquinas e equipamentos”. Em março, a confiança do empresariado desse setor caiu pelo oitavo mês seguido.
Cavalcanti, do Ipea, é mais otimista. Ele projeta que haverá uma estabilidade nos investimentos para 2022. Uma série de fatores contribuem para isso, segundo ele:
- uma agenda bastante robusta de concessões em infraestrutura, cuja aplicação deve ser diluída ao longo de vários anos;
- a maior disponibilidade de caixa por parte dos estados;
- a atenuação dos efeitos da Covid; e
- a adoção de medidas estruturais que tendem a melhorar o acesso ao crédito.
De outro lado, os investimentos são prejudicados pelo maior aperto monetário, tanto no Brasil, quanto no exterior, e os problemas na cadeia de suprimentos, que começaram com a pandemia e foram reforçados pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia.