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Consumo contribuiu mais do que as exportações para o crescimento do PIB brasileiro |
Consumo contribuiu mais do que as exportações para o crescimento do PIB brasileiro| Foto:

Entre o Brasil e o exterior, o caminho do meio

Enquanto grupos de economistas se digladiam no debate entre câmbio valorizado ou desvalorizado, incentivo às exportações ou ao mercado interno, há quem pregue um saudável meio-termo. "É bobagem fazer uma opção ou outra, ficar brigando na formulação de políticas econômicas. Para mim, mercado interno e externo devem ser trabalhados como complementares, e não mutuamente excludentes", diz Celso Grisi, professor do Programa de Comércio Exterior Brasileiro da Fundação Instituto de Administração (Proceb/FIA).

A favor dessa prática, uma estatística. Na última década, o ano de maior crescimento do nível de emprego foi 2004, quando tanto o consumo doméstico quanto as exportações deram forte contribuição ao PIB. Na ocasião, o consumo contribuiu com 3,16 pontos porcentuais e as vendas externas, com 2,29. O resultado foi um crescimento de 5,7% na economia e de 6,6% no nível de emprego.

Para Grisi, governo e empresas devem agir conforme as oportunidades que o mercado oferece, tal como fizeram durante a crise. "Perdemos muitos postos de trabalho por causa da queda das exportações. Mas, em contrapartida, as demandas reprimidas do consumidor brasileiro puderam ser atendidas graças ao conjunto de medidas de estímulo ao mercado interno, à construção civil e ao comércio de carros, eletrodomésticos, móveis etc."

Criada há cinco anos com foco na exportação, a fabricante de moda praia Camoa Brasil, de Curitiba, percebeu a necessidade de mudanças durante uma feira na Europa. "As pessoas adoraram nossa coleção, mas todos os clientes estrangeiros falavam em diminuir as compras, por causa da crise. Resolvemos então ampliar nosso mercado no Brasil", conta Juliana Ferline, sócia e estilista da empresa. A estratégia incluiu a contratação de sete representantes comerciais, para atuar em cinco estados, e o fim da terceirização da maioria dos processos, que fez a equipe da empresa aumentar de três para oito funcionários.

O resultado surpreendeu. O Brasil, que antes era o destino de 20% da produção, agora responde por 70% – e o faturamento da Camoa dobrou de 2008 para 2009. "O mercado internacional nos ensinou muita coisa, pois exige muito em termos de qualidade, de ‘know how’", diz Juliana. "No Brasil, por outro lado, tivemos de aprender a desenvolver nossa marca para termos uma boa receptividade."

  • A estilista Juliana Ferline, da Camoa Brasil, com o sócio Juliano Wisnievski: empresa apostou no Brasil durante crise internacional

Se a intenção é gerar mais empregos, é recomendável que o país estimule o crescimento do mercado interno, em detrimento do setor exportador? Para boa parte dos economistas, a resposta, qualquer que seja, passa pelo câmbio.Há quem defenda o real valorizado, com o argumento de que ele barateia os produtos importados e as mercadorias brasileiras que concorrem com eles, mantendo a inflação sob controle. Portanto, fortalece o poder de compra da população e estimula o consumo. "A estabilidade econômica é favorável aos mais pobres", diz Naercio Aquino Menezes Filho, professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). "Assim, não devemos forçar uma desvalorização cambial que vai reduzir o salário real dos trabalhadores."

Em sentido contrário, a defesa da desvalorização do real se baseia no esperado aumento da competitividade dos produtos brasileiros. De saída, isso causaria inflação e reduziria o poder aquisitivo do consumidor; em compensação, argumentam os defensores da tese, tal conjuntura criaria empregos nas indústrias exportadoras e naquelas sujeitas à concorrência de importados.Em última análise, o modelo de câmbio valorizado estimula o consumo, e não a poupança; dá prioridade ao curto prazo, e não ao longo prazo; é pró-serviços, e não pró-indústria. Combi­­nação que pode ser boa ou ruim, dependendo do intérprete. Para Marco Flávio Resende, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Associação Keynesiana Brasileira, ela é péssima. "A médio e longo prazo, a perda de empregos causada pela queda das exportações será muito maior, em comparação ao ganho de curto prazo gerado pelo aumento do poder aquisitivo."

Indústria

Resende segue raciocínio semelhante ao do professor José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), um dos principais defensores da tese de que o real forte estaria causando uma certa "desindustrialização". No extremo oposto desse debate, o economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, afirma que não há desindustrialização alguma, muito menos provocada por questões cambiais.

Há também quem não perca o sono com tal fenômeno e veja pontos positivos no câmbio valorizado. Caso do economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em novembro passado, ele afirmou que o "modelo asiático" – de câmbio desvalorizado, baseado em exportações, estímulo à poupança e baixo consumo – não funcionaria no Brasil, porque exige "jogar sobre uma ou duas gerações o custo do desenvolvimento econômico". "Essas gerações têm que ter uma vida muito restrita, de muita privação, para que os seus netos tenham um padrão de vida de primeiro mundo" disse Pessôa. "A opção brasileira é fazer esse processo mais lentamente, diluir de forma mais equitativa entre as diversas gerações o esforço do crescimento."

Por mais que permita alguns ganhos, tal opção embute riscos, afirma o professor Luciano Nakabashi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O maior deles seria a geração de déficits nas contas externas, que deixam o Brasil mais vulnerável a crises – risco citado por quase todos os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Faz dois anos que, na contabilidade das mercadorias e divisas que entram e saem, o Brasil fecha suas contas no vermelho.

"Quem financia esse déficit são empréstimos ou investimentos estrangeiros. Ou seja, estamos crescendo com poupança externa, já que nós, governo e sociedade, não temos poupança própria para crescer. Estamos nos endividando mais e mais, e em algum momento os credores podem duvidar da nossa capacidade de pagar essa dívida", diz Nakabashi. "O resultado disso já vimos várias vezes, da década de 80 para cá. Quando o cenário muda lá fora, há uma fuga gigantesca de capitais, quebram empresas, quebra o país."Exportações geram mais riqueza

Em oito dos últimos dez anos, o mercado interno – soma das despesas das famílias e do governo – foi mais importante para o PIB brasileiro do que as exportações, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As últimas contribuições expressivas das vendas ao exterior datam do período 2003-2005, quando a vigorosa demanda internacional esteve combinada a altas cotações do dólar, quase sempre próximas de R$ 3. Desde então, o crescimento da economia esteve ligado, essencialmente, ao mercado doméstico.

Nos anos em que a economia foi impulsionada pelo comércio exterior, a expansão do emprego formal foi, em geral, menor que nos demais. Caso de 2001 e 2003, quando o "estoque" de empregos cresceu menos de 3%. Em contraste, nos anos de 2007 e 2008, capitaneados pelo mercado interno, a expansão ficou na casa dos 5%. Há pelo menos três razões para essa predominância do mercado interno na geração de empregos:

1) as exportações ainda têm peso relativamente pequeno na economia brasileira. Respon­­deram por 16% do PIB em 2004, mas desde então regrediram, limitando-se a 12% em 2009;

2) embora movimente bilhões de dólares, a produção de commodities, componente importante da pauta brasileira, emprega poucos trabalhadores, em comparação a outros segmentos; e

3) a indústria exportadora, que investe mais em tecnologia, consegue crescer com ganhos de produtividade, o que limita a necessidade de contratações. É o oposto do que ocorre com comércio, serviços e construção civil – setores com produtividade menor e, portanto, maior necessidade de mão de obra. Em resumo, a indústria geralmente cria mais riquezas (PIB) que empregos, ao passo que setores menos produtivos geram mais emprego, mas menos riquezas.

Essa geração menor de riquezas pode resultar em salários médios mais baixos, afirma Luciano Nakabashi, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Portanto, se o Brasil crescer sustentado apenas pelo mercado interno e com a indústria enfraquecida, existe o risco de que o país crie um gigantesco exército de trabalhadores mal remunerados. "A médio e longo prazo, os salários só sobem com aumento de produtividade", diz o economista.

No Paraná, não parece haver correlação tão nítida entre o desempenho das exportações, do mercado interno e do trabalho formal. Independentemente dos vaivéns das exportações e do mercado interno, o nível de emprego tem exibido taxas robustas de crescimento no estado. Em sete dos últimos dez anos, houve expansão acima de 4% no saldo de empregados no Paraná e, em oito ocasiões, o avanço do estado superou a média nacional.

Na última década, o ano de maior crescimento do emprego no estado coincidiu com o maior salto das exportações – foi em 2004, quando os embarques subiram 31% e o emprego, 8%. Por outro lado, o mercado de trabalho também cresceu bem em épocas ruins para o comércio exterior. Exemplo disso é 2006, quando, apesar de as vendas do Paraná a outros países terem caído 0,2%, o emprego aumentou quase 5%. No ano passado, nem o tombo de 26% dos embarques impediu que o nível de emprego aumentasse 3,2%.

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