O Brasil perdeu uma figura rara, um desses homens públicos honestos e competentes que gostam de trabalhar sem fazer barulho. Morreu ontem, aos 85 anos, o engenheiro Karlos Heinz Rischbieter, ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal e figura central no desenvolvimento do Paraná dos anos 1960 e 1970.
"Karlos com K", como gostava de se apresentar, sofria de enfisema pulmonar e estava internado desde o fim da manhã na UTI do Hospital Santa Cruz, onde morreu às 16h25. O governador Beto Richa e o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, decretaram luto oficial de três dias.
Rischbieter deixa a segunda mulher, Rosita Beltrão; os filhos Monica e Luca, do primeiro casamento, com a urbanista Francisca Garfunkel; e 22 netos os dois dele e os 20 de Rosita, que amava como se fossem seus.
Nascido em Blumenau (SC) em 1927, Rischbieter passou grande parte da vida em Curitiba. Pouco depois de entrar para o setor público, caiu nas graças do governador Ney Braga, o que lhe permitiu ser um dos idealizadores e executores do projeto paranaense de desenvolvimento das décadas de 1960 e 1970, à frente da Codepar e do Badep.
Postos-chave
"Ele participou da concepção das ideias que nortearam os investimentos em infraestrutura, em áreas como energia, transporte, comunicações e rede de armazenagem da produção agrícola", diz Gilmar Mendes Lourenço, presidente do Ipardes.
Durante o regime militar, Rischbieter ocupou postos-chave do governo federal. Foi um dos "paranaenses" que, no fim dos anos 1970, dominaram boa parte das finanças do país presidiu bancos estatais e comandou o Ministério da Fazenda quase na mesma época em que Maurício Schulman foi presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH) e Reinhold Stephanes, ministro da Previdência Social.
Fazendo articulações no Paraná e em Brasília, Rischbieter foi um dos responsáveis pelo sucesso da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), para onde ajudou a atrair empresas como a Bosch e a Volvo, além de ter sido fundamental para levar a refinaria da Petrobras para Araucária.
Viajante
Depois que deixou a vida pública, se entregou à arte. Dedicou-se à pintura, juntando o que aprendeu com o sogro o pintor francês Paul Garfunkel com os anos de prática de rabiscos durante reuniões. Foi também um dos principais tradutores brasileiros da obra do poeta alemão Rainer Maria Rilke, e publicou três livros, um deles uma coleção de aquarelas.
Na aposentadoria, também pôs em prática o gosto pela estrada que dizia ter herdado do pai. Com Rosita, chegou a fazer 36 viagens em um período de 12 anos. Em uma entrevista à Gazeta do Povo, contou que tinha a certeza de que ninguém compraria sua autobiografia, mas que a escreveu para se divertir. "Tive uma vida muito boa", explicou.
Idealista sincero
Marleth Silva
Quando Karlos Rischbieter era ministro da Fazenda, de tempos em tempos apareciam cartas na imprensa nacional de leitores implicando com o nome dele, tão germânico. A origem da família Rischbieter teve um papel decisivo na vida do engenheiro que queria ser artista. É com o episódio da prisão do pai pela polícia de Getúlio Vargas, em 1942, que ele abriu sua autobiografia. Tinha 15 anos e acompanhou a mãe na batalha de dois meses para tirar o pai da cadeia. A acusação: suas filhas tinham se casado com alemães.
Em Fragmentos de Memória (Travessa dos Editores, 2007), Rischbieter conta sobre os tempos de estudante em Curitiba, em que morava em pensões e trabalhava para se sustentar. Em um curso de extensão em arquitetura e urbanismo conheceu Francisca Garfunkel, com quem se casou em 1959. Fanchete, como era chamada, era filha dos franceses Hélène e Paul Garfunkel, ela a professora que trouxe a Aliança Francesa para Curitiba, ele um pintor impressionista.
O universo da cultura não lhe era estranho. Ligado à música e à literatura, Rischbieter desenvolveu o gosto pelas artes ao longo da vida. Conta nas memórias que sempre leu poetas alemães. Foi natural, portanto, que se animasse a traduzir os poemas de Rainer Maria Rilke. Também foi natural o interesse pela pintura fazia aquarelas. Em entrevista à Gazeta do Povo em 2011, quando lançou Outonal, um guia de viagem muito pessoal, ele resumiu: "Eu me interessava mesmo era pela arte".
A carreira de engenheiro de obras de Rischbieter o levou ao norte do Paraná. Das pequenas cidades da terra roxa partiu para Paris, com uma bolsa de estudos. A volta a Curitiba colocou-o novamente em empregos precários. Ele viu a possibilidade de fazer uma atividade mais estruturada no serviço público. Foi então trabalhar na Codepar (Companhia de Desenvolvimento do Paraná), a agência de fomento do estado. Segundo um relato das memórias, nesta época Rischbieter colocou como condição para um empréstimo pedido pelo então prefeito Ivo Arzua a elaboração de um plano que comprovasse a validade dos projetos. Teria saído daí o segundo Plano Diretor da capital.
Na sequência, Rischbieter trabalhou no Instituto Brasileiro do Café (IBC) e no Badep. Indicado por Ney Braga, assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal e, anos mais tarde, do Banco do Brasil, de onde saiu para assumir o ministério da Fazenda no Governo do general João Baptista Figueiredo. Na apresentação de Fragmentos de Memória, o jornalista Mino Carta relata um caso ocorrido em 1980. Rischbieter estava deixando o ministério (segundo contou, por ver o agravamento das contas externas e a dificuldade para convencer o presidente a agir). Procurou Carta para pedir que o apresentasse a Lula, então presidente do sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que emergia como liderança ao mesmo tempo que enfrentava dificuldades com o governo militar. O encontro se deu em São Paulo, na casa de Mino, que relata: "Falaram de tudo, abertamente, sem peias e com a leveza dos homens de boa vontade, despediram-se, horas após, com a cordialidade da simpatia mútua. No dia seguinte, Lula telefonou para comentar: Cara muito legal este seu amigo Karlos, um idealista sincero".