Os mercados rangeram os dentes ontem, quando o preço do dólar rompeu o piso informal de R$ 1,70 e fechou o dia cotado a R$ 1,692 o menor valor em dois anos. A cotação do dólar em relação ao real recuou 0,76% ante o fechamento de quarta, acumulando uma desvalorização de 3,64% em 2010. A última vez em que a moeda americana havia atingido cotação tão baixa foi em 3 de setembro de 2008, duas semanas antes da quebra do banco Lehman Brothers, a primeira das catástrofes da crise econômica. A queda, porém, não é um fenômeno brasileiro. Segundo o indicador da agência Bloomberg que compara o dólar a uma cesta de moedas internacionais conversíveis, o dólar apresenta desvalorização de 11% desde junho deste ano, mês em que se iniciou uma trajetória de queda brusca da divisa.
O governo brasileiro reage, prometendo não deixar o real se valorizar em excesso. Na terça-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fizeram uma declaração admitindo a possibilidade de elevar a tributação sobre investimentos estrangeiros. O objetivo é conter a entrada em excesso de dólares no país. Uma das medidas a serem implementadas é o aumento de 2% para 4% na alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que incide na aplicação de recursos no mercado financeiro. O aumento poderia frear o ânimo de investidores estrangeiros e reequilibrar a oferta com a demanda pelo dólar.
Ladeira abaixo
"O dólar está se desvalorizando mundialmente, ante moedas conversíveis e não conversíveis, porque a economia americana se recupera de maneira lenta e gradual. Os Estados Unidos têm um problema de balanço de pagamentos e déficit fiscal que preocupa todo o mundo", alerta Fernando Ferrari, economista e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Sobre a valorização do real, o professor acrescenta que fatos recentes da economia brasileira reforçaram a sedução para aportes externos. "Com a taxa de juros doméstica elevada, a compra de títulos públicos do Brasil se torna um negócio interessante e atrai um fluxo grande de capital para o país. E a capitalização da Petrobras também foi um chamariz para dólares", relaciona.
Para Ferrari, ações como o aumento da alíquota do IOF precisam ser complementadas com mecanismos de intervenção no câmbio mais efetivos. "O governo deve fazer novas compras de dólar para tirar dinheiro do mercado. Tabém deve capitalizar o Fundo Soberano do Brasil, aliviando a pressão de oferta de divisas no mercado de câmbio", recomenda. Ele também defende a redução da Selic, a taxa básica de juros. "A queda dos juros tem um efeito transmissor sobre o câmbio, mas não é reduzindo 0,5% ou 0,75% que se estancará a valorização do real. É preciso haver uma redução drástica. A economia brasileira consegue, mas o BC não quer", adverte.
Para o economista Samy Dana, professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas, o natural aumento de importações provocado pela queda do dólar deve ser observado com atenção pelo governo. "O Brasil é um país muito consumista. Se a demanda subir mais que a capacidade produtiva (afetada pela concorrência internacional), vai haver problemas de inflação", alerta.
Dana ressalta que, com o dólar baixo, as exportações brasileiras são prejudicadas. "Fica difícil competir. Nossa política cambial não é como a da China, que pratica uma desvalorização forçada em 1 dólar para 6 ou 7 iuanes", compara. Este, porém, não é mais um caminho possível para o Brasil, de acordo com o economista. "Nos anos 1990, Fernando Henrique Cardoso indexou a economia como meio necessário para tirar a inércia da inflação, mas hoje não seria recomendado", afirma, acrescentando que a política de paridade forçada é considerada a responsável pela crise cambial de 1999 no Brasil.