Nova York - Na terceira quarta-feira de cada mês, nove integrantes da elite de Wall Street se reúnem em Manhattan. Esses homens têm um objetivo em comum: defender os interesses dos grandes bancos no vasto mercado de derivativos, uma das áreas mais lucrativas e controversas do mundo financeiro. Eles também dividem um segredo: os detalhes desses encontros, e até suas próprias identidades, são mantidas em sigilo absoluto.
Representando gigantes como JPMorgan Chase, Goldman Sachs e Morgan Stanley, esses banqueiros formam um poderoso comitê de supervisão sobre as negociações de derivativos, instrumentos que, como uma espécie de seguro, servem para cobrir riscos. Na teoria, o grupo existe para proteger o mercado multitrilionário. Na prática, ele também assegura a dominância das grandes instituições.
Os bancos que integram esse clube, oficialmente ligado a uma recém-criada câmara de compensação de derivativos, lutam para impedir a entrada de concorrentes nesse campo e para evitar que as informações completas sobre cotações e tarifas circulem livremente. A influência que os bancos exercem sobre o mercado em geral, e sobre a câmara de compensação em particular, tem implicações que custam caro para empresas de todos os portes.
Por meio dos derivativos, o risco é transmitido de um agente para outro. Esse tipo de contrato é um grande negócio no mercado financeiro. Os bancos arrecadam bilhões de dólares todos os anos em tarifas não discriminadas sobre esses instrumentos um montante que seria certamente menor caso existisse mais concorrência e caso as cotações fossem divulgadas de forma transparente.
Não se sabe ao certo quanto o cidadão comum paga pela negociação de derivativos. Esse mercado cresceu muito nos últimos 20 anos. Hoje, os instrumentos são usados por fundos de pensão que querem proteger outros investimentos; por estados e municípios, com o objetivo de manter baixo o custo dos empréstimos; por companhias aéreas, na tentativa de assegurar a estabilidade no valor do combustível; e por empresas alimentícias que desejam fixar o preço de commodities, como trigo e carne.
De acordo com o presidente da Comissão de Negociação de Futuros e Commodities órgão que regula a maior parte dos derivativos nos Estados Unidos , Gary Gensler, da maneira como funciona atualmente, o mercado "torna os custos mais elevados para toda a população". Para ele, é necessário haver mais controle sobre as instituições que atuam na área. Os grandes bancos, entretanto, influenciam as regras que regem os derivativos por meio de várias associações. Um exemplo recente são as câmaras de compensação, como a ICE Trust, que realiza os encontros dos nove banqueiros em Nova York.
Com a reforma do sistema financeiro dos EUA aprovada em julho, muitos derivativos precisam ser negociados via essas câmaras. Por isso, Gensler quer reduzir o controle que os bancos exercem nessas instituições. Recentemente, a comissão presidida por ele cancelou a votação da proposta que tornaria as tarifas mais transparentes, o que levantou suspeitas sobre uma eventual falta de apoio a Gensler.
O Departamento de Justiça norte-americano também está de olho no setor. Sua unidade antitruste investiga seriamente "a existência de práticas anticompetitivas na indústria de compensação, negociação e nos serviços de informação sobre derivativos", nas palavras de uma porta-voz. Os nove bancos que dominam o mercado não quiseram comentar a investigação.
Só para quem já está dentro
Como é que os grandes bancos conquistaram o poder de decisão sobre quem pode ou não competir com eles? Ironicamente, essa distorção surgiu no auge da crise financeira, em 2008. Uma grande preocupação erguida no período tratava do fato de que ninguém era capaz de compreender completamente o tamanho e as interconexões do mercado de derivativos nem mesmo os órgãos reguladores. Esse descontrole ficou ainda mais evidente na área de derivativos de crédito (CDS, na sigla em inglês), que criam uma espécie de seguro contra a inadimplência de empresas ou de detentores de títulos hipotecários. O pânico levou à necessidade de resgate da seguradora AIG, por exemplo, que havia estabelecido contratos de CDS com diversas instituições de grande porte.
No tumulto daqueles dias, as agências reguladoras obrigaram os bancos a acelerar a criação há muito tempo planejada de uma câmara de compensação voltada para o comércio de derivativos. A meta era reduzir os riscos e aumentar a estabilidade dos mercados. Duas bolsas especializadas em commodities e contratos futuros, a ICE Trust (parte da IntercontinentalExchange) e a Bolsa Mercantil de Chicago, montaram suas próprias câmaras. Logo depois, a Nasdaq fez o mesmo. Cada uma dessas novas câmaras de compensação teve de persuadir os grandes bancos a aderir às suas atividades e, como incentivo, foram distribuídos convites para que as instituições financeiras fizessem parte de seus comitês de risco onde as regras das transações são estabelecidas.
Procuradas pela reportagem, nenhuma das três câmaras quis divulgar quem integra seus comitês de risco. Duas fontes com acesso direto ao grupo montado pela ICE, no entanto, revelaram os nomes dos membros: Thomas Benison, do JPMorgan Chase; James Hill, do Morgan Stanley; Athanassios Diplas, do Deutsche Bank; Paul Hamill, do UBS; Paul Mitrokostas, do Barclays; Andy Hubbard, do Credit Suisse; Oliver Frankel, do Goldman Sachs; Ali Balali, do Bank of America; e Biswarup Chatteiee, do Citigroup.
Por meio das assessorias de imprensa, os banqueiros se recusaram a falar sobre as comissões e o mercado. Alguns porta-vozes observaram que os profissionais citados têm experiência para auxiliar a câmara de compensação da ICE.
Tradução: João Paulo Pimentel