Uma das camisetas mais vendidas no site indiano de comércio eletrônico Myntra é um modelo nas cores verde, azul e amarela. Ela não foi desenhada por um ser humano, mas por um algoritmo de computador, ou melhor, dois.
O primeiro gerou imagens aleatórias, tentando fazê-las passar por uma peça de vestuário; o segundo teve que distinguir entre as imagens e as peças de roupa no inventário do Myntra. Através de uma longa disputa, o primeiro algoritmo foi melhor em produzir imagens que se assemelhavam a roupas, enquanto o segundo foi melhor em determinar se eram parecidas – mas não idênticas – com produtos reais.
Esse vai e vem, um exemplo da inteligência artificial em funcionamento, criou designs cujas vendas estão “crescendo 100 por cento”, disse Ananth Narayanan, o presidente da empresa. “Está dando certo.”
A produção de roupas é somente uma das indicações da maneira na qual os algoritmos estão transformando as indústrias da moda e do varejo. Hoje é normal as empresas usarem a inteligência artificial para decidir quais peças estocar e o que recomendar aos clientes.
E a moda, que há muito se livrou do trabalho manufatureiro nos Estados Unidos, é agora o principal exemplo de como a inteligência artificial também afeta uma série de postos de trabalho especializados – e vale principalmente para empregos que destacam a descoberta de padrões, desde a escolha do que estocar até o diagnóstico do câncer.
“Um amplo conjunto de tarefas será automatizado ou ampliado por máquinas nos próximos anos”, Erik Brynjolfsson, economista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), e Tom Mitchell, cientista da computação do Carnegie Mellon, escreveram na revista Science no ano passado. Eles argumentaram que a maioria dos empregos afetados ia se tornar parcialmente automatizada em vez de desaparecer completamente.
A indústria da moda ilustra como as máquinas podem se intrometer mesmo em funções conhecidas mais por sua criatividade do que por frios julgamentos empíricos. Entre aqueles diretamente afetados estão os compradores e os planejadores de produtos, que decidem quais vestidos, blusas e calças devem compor o estoque de suas lojas.
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Uma das principais tarefas de um comprador é antecipar o que os clientes vão querer através de um sentido aguçado das tendências da moda. “Baseando-se no fato de que você vendeu 500 pares de sapatos plataforma no mês passado, talvez possa vender mil deles no mês que vem – mas as pessoas podem ter superado essa fase, e aí você diminui a quantidade comprada”, disse Kristina Shiroka, que passou vários anos como compradora da loja on-line OutNet.
Os planejadores de produtos usam então a informação do comprador para determinar quais peças – digamos, quantas sandálias, tamancos e rasteirinhas – ajudarão a empresa a alcançar seus objetivos de vendas.
Porém, nos nichos da indústria onde os algoritmos trabalham livremente, é a máquina, e não o instinto do comprador, que muitas vezes antecipa o que os clientes vão querer.
Esse é o caso na Stitch Fix – serviço de moda on-line que envia aos clientes roupas que podem ser mantidas ou devolvidas –, que conta com perfis detalhados para personalizar suas remessas.
A Stitch Fix confia nos algoritmos para guiar suas decisões de compra; de fato, o negócio provavelmente nem poderia existir sem eles. Eles projetam quantos clientes estarão em uma determinada situação, ou “estado”, com antecipação de meses (como, por exemplo, expandir o guarda-roupa após começar um novo emprego), e que volume de roupas as pessoas tendem a comprar em cada situação. Os algoritmos também sabem quais estilos pessoas com diferentes perfis tendem a preferir – digamos, uma enfermeira tamanho P, com filhos, que vive no Texas.
A Myntra, a loja on-line indiana, oferece aos compradores algoritmos que calculam a probabilidade de um item vender bem com base em como roupas com atributos semelhantes – mangas, cores, tecido – venderam no passado. (Os compradores podem ignorar a projeção se quiserem.)
Tudo isso complica o futuro de compradores e planejadores de produtos, trabalhadores diferenciados cujos ganhos anuais podem exceder US$100 mil.
Os varejistas que usam algoritmos e grandes quantidades de dados tendem a empregar menos compradores e a atribuir a cada um deles uma escala mais ampla das categorias, em parte porque confiam menos na intuição.
Na Le Tote, um serviço de locação e vendas on-line de roupas femininas que ganha centenas de milhões de dólares por ano, uma equipe de seis pessoas lida com a compra de todas as peças de marca, ou seja, vestidos, blusas, calças, jaquetas.
Brett Northart, um dos fundadores, disse que os algoritmos da empresa conseguem identificar o que adicionar ao estoque com base em quantos clientes colocaram os itens em suas listas de desejos digitais, juntamente com fatores como classificações on-line e compras recentes.
Arti Zeighami supervisiona a análise avançada e a inteligência artificial para o Grupo H&M, que usa a inteligência artificial para orientar as decisões da cadeia de suprimentos; segundo ele, a empresa foi capacitando compradores humanos e planejadores, sem substituí-los, mas admitiu que é difícil prever o efeito sobre o emprego daqui cinco a dez anos.
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Especialistas dizem que alguns desses postos de trabalho serão automatizados aos poucos. O Escritório de Estatísticas Trabalhistas dos EUA prevê que o emprego de compradores no atacado e no varejo diminua 2 por cento em uma década, contra um aumento de 7 por cento para todas as outras ocupações. Parte disso se deve à automação de tarefas menos sofisticadas, como catalogação de estoque e compra para lojas menos estilisticamente exigentes (digamos, peças de automóveis).
Porém, há pelo menos uma área da indústria onde as máquinas estão criando empregos em vez de eliminá-los: a Bombfell, a Stitch Fix e muitos concorrentes nesse nicho de entregas contratam um exército cada vez maior de estilistas humanos que recebem recomendações de algoritmos sobre roupas que podem funcionar para um cliente, mas decidem eles mesmos o que enviar.
“Se eles não ficam entusiasmados logo de cara quando eu pergunto sua opinião, tomo nota”, disse Jade Carmosino, gerente de vendas e estilista da Trunk Club, de propriedade da Nordstrom e concorrente da Stitch Fix.
Nesse aspecto, os estilistas parecem refletir uma tendência mais ampla das indústrias onde a inteligência artificial está automatizando trabalhos de escritório: a contratação de mais seres humanos intermediários entre máquinas e clientes.
Por exemplo, Chida Khatua, executivo-chefe da EquBot, que ajudou a criar um fundo de negócios ativamente gerido pela inteligência artificial, previu que a indústria de gestão de ativos contrataria mais consultores financeiros, mesmo que o setor de investimentos se torne amplamente automatizado.
A desvantagem é que o trabalho do estilista ou do consultor financeiro provavelmente pague menos do que os empregos de compradores e planejadores de estoque. A boa notícia, segundo Daron Acemoglu, economista do MIT que estuda automação, é que esses empregos ainda podem pagar substancialmente mais do que muitos postos disponíveis para trabalhadores de baixa e média qualificação nas últimas décadas.
E essas atividades podem ser de difícil automação no final das contas. “Se sou o cliente explicando o que quero, os seres humanos precisam estar envolvidos. Às vezes nem eu mesmo sei o que realmente quero”, disse Khatua.