O Brasil é um dos países mais empreendedores do mundo. Aqui, como em qualquer outro país lá fora, nascem e morrem ideias de negócios todos os dias. Mas por que a cada nova startup que chega ao mercado hoje ficamos com aquela impressão de que “já vimos isso antes”?
Em vários setores desbravados pelas startups e suas irmãs (fintechs, construtechs, HRTechs) nos últimos anos há figurinhas repetidas: aplicativos de agendamento de consulta, plataformas de vendas de veículos, serviços de crédito, ferramentas de recrutamento e seleção de candidatos, apenas para citar alguns exemplos. Doctoralia, AgendaAí, Naora, Dokter, Hippo Drs. e Hidoctor... todas agendam consultas com médicos e outros profissionais de saúde de maneira bastante semelhante; BCredi e Creditas trabalham, entre outras coisas, com empréstimo com garantia de imóvel. Instacarro, CashAuto e Webponte prometem vender seu carro pela internet no menor tempo possível e pelo maior valor. Em todos os casos, a essência do negócio é a mesma, embora tenham diferenças na forma de executar o negócio.
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Diferente do primeiro grande boom de empreendedorismo tecnológico no país, quando havia pouca gente empreendendo nessas áreas, hoje, com um ecossistema mais desenvolvido e maduro, há mais empreendedores olhando para os mesmos setores e buscando problemas para resolver, avalia Marco Mazzonetto, coordenador da Endeavor no Paraná.
Isso também tem a ver com o próprio movimento do mercado e com a rápida evolução da tecnologia. Segundo Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil, existem ondas de tipos de negócios em que muitos pessoas tentam inovar na mesma área, ou seja, é natural que surjam empresas com o mesmo propósito. Ele dá um exemplo: antes eram os sites de compras coletivas; hoje são as fintechs.
Uma pesquisa inédita feita pela consultoria PwC em parceria com a ABFintechs mapeou esse setor no Brasil. Ao todo, são cerca de 400 fintechs no país. Das 224 que participaram da pesquisa, 25% delas atuam na em meios de pagamento e 21% em crédito, financiamento e negociação de dívidas.
A tecnologia evolui muito rapidamente. Algo que demorava cinco anos para fazer algo igual, hoje leva meses. Diante disso, uma inovação deixa de ser com mais rapidez. Vão surgir novos negócios e negócios inovadores, mas vai levar menos tempo para que isso seja copiado pelo mercado, o que exige que as empresas se reinventem o tempo inteiro”, diz Spina.
A primeira empresa a entrar em um determinado mercado confere uma barreira de entrada, porém, esse diferencial competitivo é muito momentâneo, explica Mazzonetto, da Endeavour. Mais importante do que a capacidade de inovar, segundo ele, é a capacidade operar e executar bem o negócio. “Nem sempre as firsts movers [empresas pioneiras em um mercado] são as primeiras a escalar o modelo de negócios”, lembra.
Copycats e o dilema que quem chega primeiro
Muitas das startups, lembra Spina, caracterizam as chamadas “copycats”, startups que copiam e adaptam modelos de negócio já testados e validados em outros países, geralmente Estados Unidos e Europa. É o que aconteceu, por exemplo, com o Uber. Em todo o mundo, startups replicaram a proposta do aplicativo de transporte. A reprodução do modelo da Uber extrapolou a área de mobilidade, criando um fenômeno batizado de “uberização”, em que o modelo de negócios da empresa foi copiado também por outros setores: Uber da beleza com agendamentos online, Uber da saúde com médicos que vão à casa dos pacientes.
Quando o mesmo modelo de negócio é replicado por outra empresa, a questão, no fim do dia, é quem consegue executar melhor. “Não é feio copiar, se você conseguiu ser mais eficiente e executar melhor o negócio que o seu concorrente”, ressalta Mazzonetto.
Desbravar um mercado novo tem muitas vantagens, mas também muitas dores. Uber e Netflix que o digam. Pioneiras em seus mercados, as empresas viram a concorrência se aproximar e hoje vivem na pele o dilema de crescer com uma inovação disruptiva. O Uber acabou saindo de mercados grandes como a Rússia e a China justamente por não conseguem competir com os concorrentes locais.
Para o consumidor, quanto maior a concorrência melhor. Algumas empresas também pensam assim. A Glovo, startup espanhola de delivery “de tudo”, chegou ao Brasil em fevereiro deste ano e se deparou com concorrentes de peso como a colombiana Rappi, a local iFood e a Uber, além de outras marcas regionais.
Bruno Raposo, country manager da Glovo no Brasil, toda essa concorrência tem um lado bom e ruim, mas o bom prevalece. Embora existam muitas empresas disputando o mesmo público, há uma enorme fatia do mercado que ainda não aderiu aos aplicativos de entrega.
“Por isso que eu acho que é melhor que pior. Toda essa competição educa melhor o usuário, faz o nível do serviço subir e, quanto mais alto esse patamar, maior a velocidade com que as pessoas, escritórios e estabelecimentos migram para uma solução digital”, diz.
Concorrência é saudável
A startup paranaense CashAuto e as paulistas Instacarro e Webponte oferecem praticamente o mesmo serviço: um plataforma online de venda de veículos usados que tem conexão com o varejo. Apesar de algumas diferenças no modelo, todas prometem vender o carro do cliente rapidamente e pelo melhor preço do mercado. A ChasAuto garante a melhor oferta em 50 minutos, a Webponte em 90 minutos e a Instacarro, em 1h30 minutos. As startups fazem o meio de campo e, se o cliente aceitar a oferta, o veículo é vendido e ele recebe o dinheiro na hora.
“Temos um produto inovador, mas se não continuamos evoluindo, a tendência é morrer. Nós não ficamos apenas na velocidade da venda, mas criamos valor para os 50 minutos ao oferecer a melhor experiência para o nosso cliente”, afirma Ycaro Martins, fundador e CEO da CashAuto, que tem sete lojas próprias em cinco cidades e um rede de 4.600 parceiros no Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Atento as tendências do mercado, o empresário Marcel Sanches diz que se inspirou em empresas que já ofereciam este tipo serviço lá fora para criar a Webponte. Só na cidade de São Paulo, onde atua, ele estima que existam pelo menos mais quatro empresas que atuam nesta mesma área, mas não vê problema nisso:
A compra e venda de veículos usados movimenta milhões, é só pensar na quantidade de concessionárias e revendas que temos no país. Nós [plataformas online] estamos atendendo a uma nova demanda de consumidores que não querem perder tempo com isso. Estamos crescendo e os concorrentes também. Há espaço no mercado”, diz Sanches
Tudo indica que ele está certo. A concorrente Instacarro recebeu um novo aporte de R$ 17 milhões dos fundos de investimentos FJ Labs, Lumia, Hummingbird e Rise. Com o valor, a empresa que atua em São Paulo vai investir em expansão regional e pretende chegar às cidades de Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Santos, Ribeirão Preto e Campinas.
O que buscam os investidores?
Na hora de colocar dinheiro, os investidores costumam ser criteriosos. Alguns querem inovação pura, algo realmente inédito, enquanto outros preferem ideias que já existem, pois isso minimiza os riscos. Independente do perfil, contudo, Spina diz que todos eles vão questionar primeiro quem são os outros players no mercado, o tamanho deles e, principalmente, se já há algum concorrente muito capitalizado.
Por que vou investir meu dinheiro em um negócio para brigar com outra empresa mais estruturada e, principalmente mais capitalizada”, diz.
Desconhecer ou mesmo ignorar a concorrência é algo que os investidores não costumam perdoar. O futuro tem de estar sempre no horizonte do empreendedor porque o investidor está sempre de olho na possibilidade de volume e escala que justifiquem o seu investimento, lembra Spina.
Às vezes, especialmente no início das startups, o perfil do time acaba sendo mais importante na hora de atrair um investimento do que ter uma ideia inovadora em si. Segundo Mazzonetto, nos primeiros rounds de investimento, a empresa geralmente não tem um produto 100% pronto. O investidor acaba avaliando muito o time a capacidade de operação e execução do empreendedor, se ele tem conexões, conhece as dores do mercado, tem um time qualificado.
Quando o empreendedor não tem todos essas competências, ele pode procurar mentores e investidores que vão agregar isso ao negócio. “Principalmente os investidores mais qualificados se sentem mais seguros em investir em quem não está buscando apenas o dinheiro, mas todo o conhecimento que ele pode oferecer. Isso confere relevância ao negócio e demonstra a maturidade do empreendedor, algo que o investidor vê com bons olhos.”