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Remuneração

Até o teto (ou mais): os salários nas estatais que dependem de dinheiro público

Na EBC, estatal dependente de recursos do Tesouro, a remuneração máxima de empregados chega a R$ 47,5 mil, segundo relatório do Ministério da Economia. (Foto: ABR)

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As maiores remunerações pagas por estatais federais que dependem de recursos públicos para sobreviver – as chamadas "dependentes" – podem chegar ao teto constitucional de R$ 39.293, ou até superá-lo em alguns casos.

De 46 estatais sob controle direto da União, 18 são consideradas dependentes. Destas, sete declararam pagar aos empregados remunerações máximas exatamente iguais ao teto, e três informaram valores superiores a ele.

Os valores constam do mais recente Relatório de Benefícios das Empresas Estatais Federais (Rebef), com dados de 2020, elaborado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) do Ministério da Economia.

Segundo o relatório, as remunerações médias pagas pelas estatais dependentes variam de R$ 2,1 mil (caso da Imbel) a R$ 20,8 mil (Codevasf).

Estatais dependentes têm de obedecer ao teto do funcionalismo

As estatais dependentes são aquelas que, geralmente deficitárias, precisam de repasses do Tesouro Nacional – isto é, dinheiro do contribuinte – para conseguir bancar despesas do dia a dia, como salários.

O artigo 37 da Constituição Federal, em seu inciso XI, não cita empresas públicas e sociedades de economia mista entre as instituições que devem obedecer ao teto do funcionalismo, equivalente ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, o parágrafo 9.º do mesmo artigo, incluído por emenda constitucional em 1998, estabelece que o limite remuneratório deve, sim, ser seguido por determinadas estatais.

"[O teto] aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral", diz o parágrafo.

Para empresas públicas e sociedades de economia mista não dependentes da União, o entendimento é de que elas não se submetem ao limite remuneratório, pois conseguem bancar gastos de pessoal e custeio com recursos próprios, sem depender de repasses do governo.

Segundo o Rebef, as seguintes estatais dependentes declararam remunerações máximas acima do teto constitucional em 2020:

  • Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – salário máximo de R$ 47.532;
  • Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) – R$ 41.746; e
  • Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) – R$ 41.143.

Em outras sete estatais dependentes, os maiores salários pagos em 2020 equivaleram exatamente ao teto de R$ 39.293. São elas:

  • Codevasf;
  • Conab;
  • Embrapa;
  • GHC (Hospital N. Sra. da Conceição);
  • Hospital de Clínicas de Porto Alegre;
  • INB (Indústrias Nucleares do Brasil); e
  • Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados).

As remunerações compiladas pelo Rebef, extraídas de demonstrações contábeis das próprias estatais, são apenas de empregados. Não foram considerados os salários de diretores.

À Gazeta do Povo, a CBTU informou que apenas dois empregados recebem o salário bruto acima do teto e que essas remunerações correspondem a "ações judiciais e antigas incorporações salariais que não existem mais na companhia".

"Como a CBTU é uma empresa estatal dependente, ela não realiza pagamentos acima do teto. Os pagamentos são realizados através de um sistema do governo federal que calcula o que chama-se de abate teto, e o valor excedente é retirado do pagamento do empregado. Ou seja, mesmo que o cálculo do salário bruto seja acima do limite, na prática, o pagamento é limitado ao teto constitucional", informou a empresa, em nota.

A Amazul encaminhou nota nesta segunda-feira (7), após a publicação desta reportagem. Segundo a empresa, a maior remuneração é a do diretor-presidente, de R$ 30.954,11 – e não a informada pelo relatório do Ministério da Economia. "Fora o presidente, o maior salário de empregado de Amazul é de R$ 25.069,00. Mas, neste caso, a remuneração pode ser maior e chegar a 40 mil por causa do auxílio periculosidade e do adicional de transferência que este empregado recebe", informou a estatal.

A EBC, outra estatal que, segundo o Rebef, tem remuneração máxima acima do teto constitucional, não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo.

O Rebef referente a 2020 não apresentou dados de duas estatais dependentes: a Valec, que não informou as remunerações em seus demonstrativos contábeis, e o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), fabricante de chips e semicondutores. O governo abriu trâmite para liquidar essa empresa, mas, em dezembro, o processo foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, estado onde fica a sede da Ceitec, tramita um projeto de lei que susta os efeitos de liquidação da empresa. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), à qual a Ceitec é vinculada, não informou por que a estatal não consta do relatório.

Salários representam, em média, 68% das despesas das estatais dependentes

Segundo o Boletim das Empresas Estatais Federais Dependentes do Tesouro Nacional de 2020, com base em dados de 2019, os 78.867 empregados das companhias dependentes custaram R$ 14,7 bilhões em um ano, representando 68% dos gastos totais das empresas. O gasto médio anual por empregado no ano foi de R$ 188 mil.

Os dados do relatório mostram que as estatais que apresentaram maior proporção de gastos com pessoal foram Amazul (97%) e Nuclep (88%). Na outra ponta, as com menor proporção foram Codevasf (19% dos gastos foram com pessoal) e a Imbel (21%).

Ao todo, o Tesouro aportou R$ 18,6 bilhões para a sobrevivência das 18 estatais federais dependentes em 2019. O boletim ainda mostra que 48% desse montante foi destinado a duas empresas, Ebserh – responsável pela administração de hospitais públicos federais – e Embrapa.

Desse montante, a Ebserh informou ter recebido R$ 5,1 bilhões. Segundo a empresa, o recurso foi destinado ao pagamento de despesa de pessoal e benefícios pagos aos empregados. "Em 2019, a Ebserh contava com 53 mil colaboradores. Os recursos orçamentários aportados permitiram que fossem realizados, naquele ano, 23 milhões de consultas e exames; 350 mil internações; 168 mil cirurgias, especialmente de média e alta complexidades como transplantes, por exemplo", informou a companhia.

"No mesmo ano, foram disponibilizados, aproximadamente, 9 mil leitos e os hospitais que fazem parte da Ebserh serviram de campos de prática para mais de 7,7 mil residentes", disse. "Todos os recursos repassados para a estatal são integralmente aplicados mediante o uso de ferramentas de gestão e contratos de objetivos e são voltados para a reestruturação dos hospitais universitários federais, a formação profissional de excelência, pesquisas e o atendimento assistencial à população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS)".

A Embrapa, por sua vez, informou ter recebido R$3,3 bilhões de aporte do Tesouro em 2019. "O orçamento da Embrapa é investido no desenvolvimento de soluções para a agricultura brasileira, por meio de pesquisas e de ações de Transferência de Tecnologia, incluindo gastos com pessoal e manutenção de centros de pesquisa e laboratórios", informou, em nota.

Além disso, pelo menos 13 das 18 estatais dependentes possuem "alto grau de dependência" financeira do Tesouro, segundo o relatório. A Amazul, por exemplo, depende 100% do aporte de recursos. CPRM, EPE, Embrapa, Conceição, Nuclep, Codevasf e EPL dependem em mais de 90% de verbas do Estado.

Diretores de estatais deficitárias poderão ganhar bônus

O governo federal ainda decidiu regulamentar, neste início de ano, o pagamento de um bônus de até 1,5 salário a diretores de estatais dependentes da União que atingirem uma série de metas pré-estipuladas.

Até então, esse tipo de benefício estava previsto apenas para as companhias não dependentes do Tesouro e que davam lucro. Em 2020 (dado mais recente disponível), a União transferiu R$ 19,4 bilhões para o custeio das 18 estatais dependentes.

Tema foi parar no STF

A discussão sobre o pagamento de salários acima do teto entre as estatais foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), por iniciativa do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Em 2017, a Câmara Legislativa do DF aprovou a Emenda à Lei Orgânica nº 99, de autoria do ex-governador Rodrigo Rollemberg, que vedava vencimentos acima de R$ 30.471,11. Contra a lei, Rocha levou o assunto ao STF solicitando independência financeira para que as estatais criassem suas próprias tabelas remuneratórias.

"Para empresas estatais que não se utilizem de recursos públicos para pagamento de pessoal ou custeio geral, tal impedimento configuraria um elemento inibitório de competição de tais entidades para com outras de natureza privada no tocante a ter os melhores profissionais possíveis", explica Sylvio Mukai, doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).

No entanto, o argumento aceito pelo STF em sua maioria, segundo o especialista, leva a outra conclusão, a de que estatais dependentes devem obrigatoriamente obedecer ao teto remuneratório. "Assim, se empresas estatais dependentes não cumprem o teto remuneratório o fazem em arrepio das normas constitucionais", diz Mukai.

Em 2021, a Corte atendeu ao pedido do governador do DF, julgando ser inconstitucional uma lei distrital que submetia os salários pagos em entidades que não dependem de recursos do governo ao teto salarial do funcionalismo público local, que é de R$ 35.462 – valor equivalente à remuneração de um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

Seis companhias do Distrito Federal foram beneficiadas com a decisão do Supremo:

  • Terracap
  • Ceasa
  • Banco de Brasília (BRB)
  • Companhia Energética de Brasília (CEB)
  • Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília (Caesb)
  • DF Gestão de Ativos S.A.

Salário nas estatais não dependentes chega a R$ 145 mil

O levantamento do governo federal mostra que 13 estatais que não dependem da União pagam a seus empregados salários maiores do que o teto do funcionalismo, chegando a R$ 145,2 mil.

É o caso da Petrobras, por exemplo, que paga o maior salário entre todas as estatais sob controle direto da União. A petroleira e as demais empresas não dependentes de recursos públicos não precisam seguir o teto constitucional.

As estatais não dependentes que pagam salários acima do teto são as seguintes:

  • Petrobras (salário máximo de R$ 145,2 mil);
  • CDRJ (R$ 78,7 mil);
  • BNDES (R$ 76,8 mil);
  • Caixa (R$ 58,8 mil);
  • Codesa (R$ 58,8 mil);
  • Banco do Brasil (R$ 50,6 mil);
  • Correios (R$ 50,1 mil);
  • CDP (R$ 46 mil);
  • PPSA (R$ 44,9 mil);
  • SPA (R$ 44,6 mil);
  • BNB (R$ 44,5 mil);
  • Infraero (R$ 43,7 mil); e
  • Serpro (R$ 42,6 mil).

Confira a seguir as remunerações (mínima, média e máxima) pagas por estatais federais dependentes e não dependentes:

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