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A atividade econômica em alta e o mercado de trabalho mais aquecido entraram no radar de preocupações do Banco Central (BC). A avaliação é de que esse cenário torna mais complicado o processo de redução da inflação.
O alerta foi feito pelo diretor de política monetária da instituição, Gabriel Galipolo, na noite de quinta-feira (4), durante encontro com funcionários da Necton Investimentos. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, ele disse que o mercado de trabalho mais apertado pode contribuir para um processo de desinflação mais lento.
Isto significa que as próximas reduções da taxa Selic e o ponto em que elas serão encerradas vão depender do comportamento da dinâmica da inflação dos próximos meses. O alerta também foi feito no Relatório Trimestral de Inflação, documento que explica as estratégias de combate à inflação. A publicação foi divulgada em 28 de março.
O posicionamento é semelhante ao de outros dois documentos publicados pelo BC: o comunicado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em que mostrou as razões para a redução dos juros de 11,25% para 10,75% ao ano, divulgado no dia 20, e na ata da reunião, publicada seis dias depois.
O relatório de inflação indica que as próximas análises do Copom irão olhar principalmente para o comportamento de componentes sensíveis à política monetária, como a inflação de serviços, as expectativas de inflação, a ociosidade da economia e o comportamento do balanço de riscos.
A avaliação da autoridade monetária é de que a redução da inflação está se tornando uma tarefa cada vez mais desafiadora. O IPCA acumulado em 12 meses caiu de 10,54%, em fevereiro de 2022, para 5,60%, no mesmo mês de 2023. Em fevereiro passado, estava em 4,5%.
Outro problema que o BC está atento é em relação ao descolamento das projeções de inflação em relação à meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 3% ao ano, com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
A sinalização de bancos, corretoras e consultorias no boletim Focus do Banco Central, nesta terça (2), era de que o IPCA irá fechar 2024 com uma alta de 3,75%; 2025, com 3,51%; e 2026 e 2027 em 3,5%,
Atividade econômica iniciou acelerada em 2024
O grande ponto de atenção do BC em relação à inflação é o comportamento da atividade econômica. Mesmo com os juros ainda em níveis elevados, ela vem mostrando vigor. A economia cresceu 2,9% em 2023, mais do que o dobro do esperado pela autoridade monetária no início do ano (1,2%).
“Parte dessa surpresa decorreu de altas elevadas da agropecuária e da indústria extrativa, mas o desempenho de setores mais relacionados ao ciclo econômico doméstico também superou as expectativas”, enfatiza o relatório. O movimento aconteceu no primeiro semestre. No segundo, a economia permaneceu praticamente estagnada.
O ano começou com uma economia mais dinâmica. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) avançou 0,6% em janeiro, frente a dezembro. O comércio varejista teve um crescimento de 2,5% e os serviços, 0,7%, mostram números do IBGE.
A situação se estendeu para fevereiro, apontam indicadores preliminares de atividade econômica. A produção de veículos cresceu 24,3% em relação a janeiro, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A expedição de papel ondulado avançou 11,1% em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com a Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel). O tráfego de caminhões em rodovias pedagiadas foi 0,3% maior em comparação a janeiro, informou a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).
Outro reflexo está no mercado de trabalho. Nos dois primeiros meses do ano, foram abertas 474,6 mil vagas com carteira assinada, 38,6% a mais do que no mesmo período de 2023, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
O desemprego também caiu, passando de 8,6% para 7,8% entre os trimestres móveis encerrados em fevereiro de 2023 e 2024, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os números do crédito também vêm melhorando. O ritmo de crescimento em 12 meses passou de 7,6%, em janeiro, para 8,1%, em fevereiro, conforme dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O BC projeta uma alta de 9,4% para 2024.
Situação é similar no resto do mundo
A situação é similar no resto do mundo. O Relatório Trimestral de Inflação alerta que o otimismo sobre a velocidade do processo de queda da inflação global diminuiu. O momento esperado para o início da redução dos juros nas principais economias avançadas foi adiado.
O Banco Central lembra que a atividade global e os mercados de trabalho no exterior continuam demonstrando resiliência, mesmo diante da postura mais restritiva da política monetária. “Permanece o risco de que a inflação, em especial os núcleos, permaneçam mais elevados por mais tempo”, destaca o relatório.
Os BCs das principais economias seguem destacando a necessidade de manter os juros elevados até terem confiança de que a inflação irá para as metas. Nos Estados Unidos, onde a meta é de 2% ao ano, a inflação acumulada nos 12 meses encerrados em março foi de 3,8%, segundo o US Bureau of Labour Statistics. Já na Zona do Euro, onde a meta também é de 2%, ela estava em 2,6% em março, de acordo com o Banco Central Europeu (BCE).