A reforma trabalhista voltou ao centro do debate econômico. Entidades empresariais que apoiam o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e têm feito propostas ao vice-presidente Michel Temer (PMDB) alimentam a esperança de que a legislação das relações de trabalho seja afrouxada pela primeira vez desde os anos 1990, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) regulamentou banco de horas, trabalho por prazo determinado, suspensão temporária do contrato (layoff) e participação nos lucros e resultados (PLR).
O EMPRESÁRIO QUER
Confira as quatro mudanças na legislação trabalhista propostas pela CNI ao vice Michel Temer:
1. Garantia de que pontos acordados em convenção coletiva (entre sindicatos patronais e de trabalhadores) prevaleçam sobre a legislação, o que exigiria uma alteração na redação da CLT. Essa prevalência está prevista na Constituição, mas cláusulas que contrariam a CLT são frequentemente anuladas pela Justiça do Trabalho.
2. Regulamentar a terceirização. Projeto que libera a terceirização de qualquer setor de uma empresa privada (inclusive de sua atividade-fim) foi aprovado em abril de 2015 pela Câmara e tramita no Senado.
3. Alterar ou sustar a NR-12, que trata da segurança do operador de máquinas e equipamentos. A revisão da norma, em 2010, foi considerada muito rígida pelas empresas, que também criticam o fato de a norma abranger equipamentos fabricados antes da mudança.
4. Excluir acidentes de trajeto do cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Esse mecanismo pode reduzir ou aumentar as alíquotas dos Riscos Ambientais de Trabalho (RAT), uma contribuição paga pelo empregador para cobrir custos com vítimas de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.
Leia mais 1: Produtividade também depende de boas relações, diz economista
Leia mais 2: País precisa decidir se quer a rigidez da CLT ou a negociação coletiva
Entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), recebidas por Temer nos últimos dias, argumentam que mudar as leis trabalhistas é fundamental para dar segurança jurídica ao setor privado e aumentar a produtividade da economia. Mas, para prosperar, as propostas terão de enfrentar a oposição de movimentos sociais e, principalmente, das centrais sindicais.
Já era sabido que a CUT, que é ligada ao PT e representa 30% dos trabalhadores sindicalizados do país, seria contra. Mas até aliados de primeiríssima hora do eventual governo Temer, como o presidente da Força Sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho, também avisam que não querem mudanças.
Ele e representantes de outras três centrais (UGT, CSB e Nova Central) se reuniram com o vice-presidente na terça-feira (26), quando criticaram as propostas de cunho liberal do documento “Uma ponte para o futuro”, do PMDB, apresentado pelo próprio Temer no fim de outubro de 2015. “Ele nos garantiu que não haverá nenhuma mudança na questão trabalhista, que não mexerá nos direitos dos trabalhadores”, diz Paulinho.
Reivindicações
As principais reivindicações dos empresários na área trabalhista constam de uma lista de 36 medidas “indispensáveis” para reanimar a economia que a CNI entregou a Temer na sexta-feira (29). Entre elas estão a regulamentação da terceirização, aprovada há um ano pela Câmara dos Deputados, mas ainda em discussão no Senado, e a garantia de que pontos acordados em convenções coletivas – ou seja, em negociações entre sindicatos trabalhistas e patronais – prevaleçam sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
PT desenha “pacote de bondades” no “bota-fora” de Dilma
Leia a matéria completaA prevalência do negociado sobre o legislado, salvo quanto aos “direitos básicos” do trabalhador, é a única proposta da área trabalhista mencionada na “Ponte” do PMDB, e é frequentemente citada por interlocutores de Temer como uma das medidas que seu eventual governo pretende apresentar. A própria Constituição determina que o Judiciário reconheça as convenções e acordos coletivos de trabalho, mas é comum que a Justiça do Trabalho anule cláusulas que contrariem a CLT.
Hélio Zylberstajn, fundador do Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (Ibret), elogia a iniciativa, que segundo ele permitiria que cada categoria de trabalhadores, em cada localidade, faça a sua própria reforma trabalhista, por meio da negociação com os patrões. “É uma ideia muito interessante, uma vez que é muito difícil fazer uma reforma ampla da CLT”, diz o economista, que é professor da USP e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Mas ele também vê problemas. Um deles é a baixa representatividade dos sindicatos. Segundo pesquisas do IBGE, só 18% dos trabalhadores são sindicalizados, e mesmo esse número pode estar superestimado, segundo Zylberstajn. “Se você quer uma negociação para valer, precisa de sindicatos representativos. É importante estabelecer critérios mínimos. Se qualquer um puder negociar qualquer coisa, poderíamos caminhar para uma espécie de lei da selva.”
Para José Dari Krein, professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), a legislação atual já é “muito flexível” e tem mecanismos para enfrentar a crise, como a redução de jornada e salário e o layoff. “Num momento de desemprego, como hoje, o poder de barganha dos sindicatos contra as empresas é pequeno, é uma relação muito desigual.”
Produtividade também depende de boas relações, diz economista
Permitir a terceirização e garantir que a convenção coletiva tenha mais força que a lei, principais demandas dos empresários, são medidas capazes de aumentar a segurança jurídica das relações de trabalho e reduzir gastos com ações trabalhistas. Apenas em 2015, a Justiça do Trabalho recebeu quase 5 milhões de processos.
Mas essas iniciativas não garantem automaticamente o aumento da produtividade – fenômeno muito ligado a avanços tecnológicos e ao nível de qualificação dos trabalhadores – nem uma recuperação mais rápida da economia. “Produtividade não tem relação com leis que assegurem direitos aos trabalhadores. Se assim fosse, ela seria baixíssima em vários países desenvolvidos”, diz Rosa Maria Marques, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUCSP. “Produtividade é produto de educação e tecnologia, e esta última associada não só aos equipamentos, mas à gestão administrativa das empresas.”
Para Hélio Zylberstajn, fundador do Ibret, a produtividade depende também de boas relações de trabalho. “Nos países de alta produtividade, as relações não são necessariamente mais flexíveis, mas têm mais qualidade”, diz o economista.
A lei trabalhista da Alemanha, exemplifica Zylberstajn, é omissa em vários aspectos, mas bem mais restritiva que a brasileira quanto a demissões. “Isso estimula empresas e funcionários a cultivar relações de respeito, de ética no trabalho, de reconhecimento mútuo entre empregador e empregado”, diz. “São coisas que quase não vemos no Brasil, porque o nosso sistema cria inimigos dentro da empresa.”
País precisa optar entre sistema positivado ou de negociação coletiva
O juiz Marlos Melek, da 1.ª Vara do Trabalho de Araucária e Campo Largo, considera “absolutamente necessária” uma reforma nas leis trabalhistas. E o primeiro passo dessa reforma, sugere, é decidir se o país continuará com um sistema positivado, em que tudo é regido pela lei, ou de negociação coletiva, em que empresas e trabalhadores decidem em conjunto como se dará suas relações.
Melek defende que as convenções coletivas prevaleçam sobre a legislação. “Não sou eu, não é um desembargador, não é um ministro de tribunal superior quem sabe o que é melhor para o trabalhador do comércio de Curitiba, ou de São Paulo, ou de Mossoró. O que o Judiciário deve fazer é coibir abusos.” Para ele, se sair vencedora, a opção pela negociação exigirá sindicatos trabalhistas e patronais mais fortes. “Hoje só 7%, tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores, são associados a sindicatos. Os demais ficam à mercê das negociações.”
Autor do recém-lançado livro Trabalhista! E agora?, com dicas para empresários, Melek observa que a Constituição já determina que a Justiça reconheça as convenções coletivas, mas que cláusulas desses acordos são frequentemente anuladas pelo Judiciário, por contrariarem a CLT.
“Uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho não admite a redução do intervalo intrajornada. Então preciso tornar nula uma cláusula que reduz intervalo de almoço, por mais que interesse ao trabalhador”, conta. “É um sistema que gera insegurança não só para o empresário, mas também para o trabalhador, o advogado e o juiz.”
Não sou eu, um desembargador ou um ministro de tribunal superior quem sabe o que é melhor para o trabalhador. O Judiciário deve é coibir abusos.
Marlos Melek juiz trabalhista e autor do livro Trabalhista! E agora?
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast