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Preços

Aumento dos gastos do governo, clima e impostos ameaçam queda da inflação em 2024

Gastos do governo
Gastos do governo cresceram cinco vezes mais que o PIB no terceiro trimestre, e devem continuar em alta em 2024. (Foto: Vandré Kramer com DALL-E 3)

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Uma luz amarela está acesa sobre a continuidade na desaceleração da inflação em 2024. O alerta vem principalmente dos gastos do governo, mas o efeito do clima sobre a produção de alimentos e aumentos de impostos sobre os combustíveis também devem pressionar os preços.

No terceiro trimestre, as despesas da administração pública cresceram cinco vezes mais que a atividade econômica. Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, os gastos tendem a continuar crescendo no próximo ano, contribuindo para manter o déficit primário (quando há mais gastos do que arrecadação, excluindo as despesas com juros) e elevar o endividamento público – que, em outubro, estava em 74,7% do PIB, de acordo com o Banco Central.

O IPCA, indicador de inflação que baliza as metas do BC, encerrou novembro em 4,68% no acumulado de 12 meses. O mercado financeiro prevê um índice de 3,91% ao fim do próximo ano, segundo a mediana das expectativas do boletim Focus publicado em 26 de dezembro.

Porém, a expansão dos gastos do governo ameaça essa desaceleração. Os efeitos sobre a inflação podem vir de duas formas:

  • ao gastar mais, o governo estimula a demanda. Com mais consumidores disputando a mesma quantidade de produtos, os preços aumentam;
  • o aumento nos déficits e no endividamento faz crescer a desconfiança dos agentes econômicos em relação ao comprometimento do governo em honrar seus compromissos. Com isso, o real se desvaloriza, encarecendo insumos e mercadorias cotados em dólar.

“A situação das contas públicas vai continuar sendo o principal ponto frágil da economia brasileira em 2024”, diz Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.

O CIO do banco UBS, Luciano Telo, lembra que o déficit zero prometido para 2024 pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece difícil de ser atingido. Segundo o Focus de 26 de dezembro, o consenso de mercado indicada um déficit correspondente a 0,8% do PIB.

“Não é um bom número. O ideal seria um superávit”, diz o executivo do banco. Ele aponta que o mercado vai olhar com lupa questões atinentes à arrecadação e ao desempenho das contas públicas.

Os problemas fiscais começaram a ganhar força antes mesmo da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A PEC da Transição, aprovada no fim de 2022, autorizou gastos adicionais de R$ 168 bilhões, por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um reforço foi dado pelo novo arcabouço fiscal, que aposentou o teto de gastos e permite que as despesas públicas cresçam acima da inflação.

Além disso, lideranças do governo vêm pressionando por mais gastos, de olho nas eleições municipais de 2024 e em um projeto de poder de 20 anos.

Some-se a isso a preocupação com a arrecadação de tributos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem buscando várias frentes para aumentá-la. Mas setores como construção civil e indústria, que são importantes fontes de receitas públicas, andaram de lado ao longo deste ano. A taxa Selic ainda elevada, atualmente em 11,75% ao ano, deve manter esses setores com um desempenho mais tímido, pelo menos no primeiro semestre.

Quebras de safra e impostos de combustíveis também pressionam

Outra preocupação para a inflação vem do fenômeno climático “El Niño”, que resulta em um aquecimento mais forte das águas do Pacífico Central. Ele afeta a produção do campo, com fortes chuvas no Sul e no Sudeste e falta no Norte e no Nordeste. “Este é um fator que adiciona mais complexidade ao cenário”, diz Ribeiro.

As projeções são de maior inflação no primeiro trimestre de 2024, quando ainda deverão ser sentidos os efeitos do fenômeno.

O item que mais deve ser impactado é o da alimentação no domicílio, um dos mais comportados ao longo de 2023. No acumulado do ano até novembro, essa rubrica do IPCA registrava uma queda de 1,83%.

Os efeitos sobre a safra estão sendo monitorados, já que o fenômeno climático causa fortes chuvas no Sul, um dos principais polos produtores de grãos. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma safra de 312,2 milhões de toneladas. 2,4% menor que a colheita recorde de 2022/23.

“Culturas de ciclo mais longo, como a soja e o milho podem sentir mais”, diz o coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), André Braz.

Preocupa também a situação de Mato Grosso, maior produtor de grãos do país, onde chuvas irregulares e excesso de calor podem provocar a maior quebra de safra da história do estado. Estimativas apontam perdas próximas de 20%.

A XP Investimentos aumentou suas projeções de reajuste nos alimentos de 3,9% para 4,6% no próximo ano, incorporando mais efeitos altistas nos alimentos in natura.

Os preços administrados também podem ser afetados pelo “El Niño”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra-se preocupada com a maior utilização das hidrelétricas, por causa das altas temperaturas, e com a falta de chuvas em algumas regiões.

Segundo o Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS), a situação ainda está mais cômoda nas usinas do Sul e no Sudeste. No domingo (24), seus reservatórios ocupavam 95% e 61,4% da capacidade, respectivamente.

Outra pressão sobre a inflação vem da reoneração dos combustíveis. O diesel, usado para o transporte de cargas, terá os impostos federais (PIS/Cofins) retomados a partir de janeiro. As alíquotas haviam sido zeradas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

Em 1.º de fevereiro, virá outro aumento de imposto. Os governos estaduais vão elevar o ICMS da gasolina, diesel, biodiesel e gás de cozinha.

O aumento da adição de biodiesel no diesel, que passará de 12% para 14% em março, é outra fonte de pressão sobre os preços, uma vez que o combustível vegetal é mais caro que o fóssil.

Mercado de trabalho aquecido é outro sinal de alerta

Os economistas também estão preocupados com a situação do mercado de trabalho. A taxa de desemprego encerrou outubro em 7,6%, a menor desde março de 2015, e os rendimentos habitualmente recebidos pelas pessoas aumentaram 3,84%, já descontada a inflação, entre outubro de 2022 e de 2023, segundo o IBGE

Levantamento feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostra que, em outubro, 80,9% dos reajustes foram acima do INPC, indicador que serve de baliza para a maioria das negociações salariais. O reajuste mediano foi de 5%.

“Os salários crescendo no ritmo atual podem contribuir para a aceleração da inflação, especialmente a de serviços”, destaca o economista sênior do banco Julius Baer Brasil, Gabriel Fongaro.

O alívio nos bolsos causado pelo Desenrola, o programa de renegociação de dívidas do governo federal, e o pagamento dos precatórios, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), são outros fatores que podem acelerar o consumo no início do ano e contribuir para maior pressão nos preços, diz a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Angelo.

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